Para além de toda a rivalidade profissional que mantiveram por décadas, Joan Crawford e Bette Davis também viviam às voltas com dramas dentro de casa. Ambas mães solteiras cujas histórias foram dissecadas em livros escritos pelas filhas. O mais ilustre desses dois títulos é “Mommie Dearest” (no Brasil ‘Mamãezinha Querida’), onde Christina Crawford despeja uma série de supostos traumas causados por Joan. O livro virou um filme responsável por enterrar a carreira de Faye Dunaway, que viveu a estrela de “Mildred Pierce”, e agora faz ecos no terceiro episódio de “Feud”, intitulado – adivinhem – “Mommie Dearest”.

Como o título sugere, o capítulo tem como foco o lado mãe de Joan e de Bette também. Já adulta, Christina não aparece no episódio, mas é lembrada em uma cena que sintetiza como Crawford fazia questão de ser vista pelos filhos. Em uma mesa de restaurante com as gêmeas Cindy (não, não é a modelo) e Cathy, ela diz que não vai desejar boa sorte a Christina, que estreia no teatro. “Vamos esperar as críticas”, diz. Quando as meninas vão ao banheiro, ela escreve um “boa-sorte-estou-orgulhosa” a Christian e assina o infame “Mamãezinha Querida”.

O lado turrona de Joan é cortesia de uma juventude traumática, que passamos a conhecer mais nesse episódio em uma reveladora conversa que ela tem com a rival, Bette. Em uma cena cuja construção lembra bastante à do restaurante de “Carol”, de Todd Haynes, Crawford fala, sem cerimônias, que foi abusada pelo padrasto e que achou aquilo “normal”, porque “queria se sentir amada”. Essa necessidade de sentir “amor”, mesmo que em um ato violento (não enxergado por ela dessa forma), chega a comover Bette. É um daqueles momentos onde vemos que a rivalidade alimentada pelos estúdios esconde uma amizade que poderia ter sido benéfica para as duas atrizes, tão solitárias quanto sobreviventes.

A Bette Davis mãe, que já havia aparecido no episódio anterior, também é centro deste episódio. A relação conturbada com a filha BD (Kiernan Shipka, um prodígio) ganha cores ainda mais fortes quando a menina entra para o elenco de “Baby Jane” (e o resultado não é, digamos, o que se esperaria de uma filha de Bette Davis). Enquanto isso, o lado maternal de Davis se aflora quando ela se aproxima de Victor Buono (Dominic Burgess), ator que interpreta seu interesse amoroso no filme. “Musa” da comunidade gay, Bette vê em Victor o afeto que gostaria de receber de BD e da própria indústria cinematográfica – e o fato de que ela o acha talentoso só cria ainda mais atrito com a personagem de Shipka.

O episódio trouxe ainda mais detalhes das últimas semanas de filmagem de “Baby Jane”, e aqui o name-checking foi irresistível para quem gosta da história da Hollywood clássica. O drama entre Joan e Bette brigando pela indicação ao Oscar – com direito a uma merecida menção a Gloria Swanson, com quem Davis concorreu em 1950 – divertiu e foi um aperitivo para os próximos episódios. Já a única aparição de Jack Warner teve um gostinho de veneno – na cena, ele diz que vai a Nova York ver “My Fair Lady” na Broadway – para quem não sabe, Warner vetou a então desconhecida Julie Andrews de repetir no cinema o papel de Eliza Doolittle que fez no teatro e viu a britânica vencer Audrey Hepburn no Oscar com direito a uma elegante shade para cima dele. Desculpa a mudança de assunto, mas um pouquinho de trivia não faz mal a ninguém.

“Feud” segue com um grande desempenho de Jessica Lange e Susan Sarandon e, à medida que os episódios passam, de todo o elenco. Alfred Molina é consistente, enquanto Kiernan Shipka e Dominic Burgess fazem um jogo de pingue-pongue dinâmico com Sarandon. Ao mesmo tempo, o design de produção continua a surpreender, com uma boa reconstituição da época e dos sets de filmagem de “Baby Jane”. O pezinho no “camp” é inevitável, mas já é certo dizer que a única coisa que “Feud” e “Mommie Dearest” têm em comum é o título desse terceiro episódio.