Um dos pioneiros do cinema brasileiro, o cineasta luso-brasileiro Silvino Santos, viveu em Manaus a maior parte de sua vida e, sob os auspícios de um importante empresário local do período, produziu  diversos filmes, com ênfase na divulgação de produtos e insumos naturais da floresta amazônica. Seu filme “No paiz das Amazonas”, produzido em 1922, é hoje considerado um dos clássicos do cinema mudo brasileiro. Todavia, Silvino Santos permaneceu desconhecido para a filmografia do cinema brasileiro até o ano de 1970, quando foi homenageado no I Festival Norte de Cinema Brasileiro, acontecido em Manaus, evento promovido por jovens cinéfilos manauaras que estavam interessados em transformar Manaus em um pólo cinematográfico, motivados pelos anos iniciais da Zona Franca de Manaus.

Esta coluna aqui no Cine Set será dedicada a divulgar resultados da pesquisa “Filmografia Amazonense – Análise dos filmes produzidos no Amazonas de 1960 a 1990”, financiada pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Amazonas – Fapeam. Nela, nos debruçamos sobre esse período histórico descrito acima. Nosso interesse recai sobre a história da produção cinematográfica em Manaus do final dos anos 1960 até os anos 1990. O período histórico da pesquisa se inicia com essa geração de jovens cinéfilos que redescobriu Silvino Santos em 1969 e que, nos moldes do cinema moderno feito no período ao redor do mundo (vide o exemplo maior da Nouvelle Vague francesa), percorreu um caminho da cinefilia para a realização cinematográfica e para a crítica de cinema. Ela se estende até os anos de 1990, quando a produção cinematográfica brasileira sofre um duro golpe com o desmonte de toda a infraestrutura estatal que apoiava o cinema nacional até então, com a extinção da Embrafilme e do Concine, período em que a tecnologia eletrônica do vídeo aparece como alternativa mais modesta ao cinema de base fotoquímica. O projeto trabalha sobre um período pouco conhecido da produção cinematográfica local, e por extensão da produção cinematográfica regional brasileira e pretende oferecer uma modesta contribuição para a compreensão mais ampla da história do cinema no Brasil para além da filmografia central.

Podemos dizer que no Amazonas este momento histórico estudado representa, em um primeiro momento, uma conciliação entre o período áureo do cinema mudo brasileiro, na figura do cineasta Silvino Santos, com a etapa da modernização do cinema nacional dos anos de 1960, com um cinema mais engajado socialmente burilado nos cineclubes. Nas décadas seguintes veremos surgir arranjos produtivos que buscam maneiras de viabilizar a produção em experiências que aproximam o cinema da televisão ou que exploram as possibilidades do vídeo enquanto suporte. Assim, esperamos demonstrar a constituição de uma filmografia amazonense que atravessa essas décadas estudadas.


Frames do filme Matter Dolorosa II – Dir. Roberto Evangelista, 1979

Conhecer a história do cinema amazonense neste período é crucial para entender um projeto cultural mais amplo, que teve no cinema um vetor prioritário para pensar o aspecto da renovação cultural que poderia acontecer na esteira da implantação de um modelo de produção como o da Zona Franca de Manaus. Em um projeto ousado, esses jovens produtores culturais de Manaus buscaram pensar como a implantação de um pólo industrial de produtos no Estado poderia ensejar a criação de um pólo de indústria cultural. Podemos dizer que esse período marca também o surgimento de uma consciência cultural sobre a representação da Amazônia, no sentido de um interesse em representá-la à partir de um ponto de vista interno.

Assim, trabalhando com fontes primárias, buscamos identificar quem foram os produtores e diretores locais que produziram cinema em Manaus entre as décadas de 1960 e 1990, quais trabalhos foram produzidos, como foram financiados, quais redes de colaboração estabeleceram e por onde tais trabalhos circularam. Desse modo, pretendemos dar visibilidade a uma produção ainda pouco vista, mas que representa um momento importante na história da arte e da cultura amazonense do século XX.

A pesquisa tem relevância histórica para o conhecimento das relações entre cultura e sociedade na cidade de Manaus, em um período marcado por grandes projetos de intervenção política e econômica na região amazônica, assim como tem contribuições a oferecer para o entendimento de como a produção cinematográfica brasileira se estabeleceu fora dos grandes centros de produção de cinema, notadamente Rio de Janeiro e São Paulo, no recorte histórico proposto, que compreende o período da modernização dessa produção nos anos de 1960 até a sua dêbacle em nível nacional no início dos anos de 1990.

No cenário local contemporâneo, esperamos que o conhecimento da história do cinema realizado no Amazonas e, sobretudo, o conhecimento dos filmes produzidos no período, permita que as novas gerações de cineastas e produtores audiovisuais amazonenses conheçam a filmografia do cinema local para além do caso emblemático do cineasta Silvino Santos, lançando bases para que a produção de cinema aqui se estabeleça de forma socialmente mais significativa a partir de uma perspectiva histórica da produção cinematográfica no Estado.