Rafael Ramos é um diretor que gosta de evocar o experimentalismo através das suas imagens e gerar por meio de um cinema reflexivo, diversas sensações. Seu outro curta também presente na mostra, Aquela Estrada é marcado por estes elementos e funcionava como uma ode as experimentações visuais com belas imagens, proporcionando um sentimento de liberdade e anarquia que pontuavam um gostoso road movie ainda que irregular.

Seu documentário Formas de Voltar para Casa não foge aos elementos citados acima, porém estão a serviço de um trabalho de investigação intimista familiar. O próprio título do curta parece ser uma homenagem a uma das obras de mesmo nome do escritor chileno Alejandro Zambra. O trabalho citado mostrava a questão das memórias em uma narrativa que se passava no passado durante a ditadura de Pinochet e no presente onde o personagem principal tentava recuperar as memórias experimentadas para finalizar seu livro.

Esta premissa é reverenciada por Ramos utilizando  imagens de arquivo da sua própria família ao mesmo tempo que as intercala com o registro da peça “Casa de Inverno”, no momento atual. Dentro desta duas estruturas narrativas, o documentário fala sobre a importância das memórias, sem deixar de associá-las ao tempo, pontuando um passado que apresenta lembranças de um período ingênuo, repleto de felicidade e alegria sob uma ótica nostálgica, que  resgata os tradicionais laços familiares de um tempo visto como “imortal”, pois encontra-se nele até hoje, as memórias de infância mais agradáveis que recordamos.

Isso contrasta ao tom mais denso e pesado das cenas da peça de teatro que percorrem um caminho melancólico, pontuado por imagens e planos fechados em rostos carregados de dores e emoções que transitam no limiar da bipolaridade facilmente encontrada atualmente – entre a melancolia e o êxtase. Ramos parece indicar  que o crescer e a vida adulta em tempos onde o sinal de envelhecimento seja ele fisicamente através de um cabelo branco, seja no contexto emocional por meio de condutas cada vez mais neuróticas e perversas da vida diária, são retratos de uma realidade silenciosa e introspectiva na expressão dos afetos, que não consegue demonstrar um sorriso espontâneo como em tempos remotos – e o documentário pontua habilmente este elemento em uma cena chave no seu ato final. É como se o resgate do passado (a infância) fosse na concepção do diretor uma forma de escrever e compreender a nossa própria história, evocando um forte desejo de entender o comportamento de hoje através do passado.

Vale ressaltar que estas duas perspectivas de tempo mostradas no curta ganham uma boa articulação por parte da montagem do seu realizador em conciliar as imagens do passado e do presente. Ainda assim por trabalhar em cima de um estudo subjetivo e familiar das suas experiências, o documentário talvez não seja de fácil absorção para quem assiste ou esteja familiarizado com os elementos experimentais e discussões oferecidas pelo diretor. Independente de qualquer coisa, Formas de Voltar para Casa aponta para um diretor sempre inquieto em fazer um cinema de sensações. Rafael Ramos pode até cometer excessos pela sua forma um tanto quanto experimental e subjetiva como enxerga fazer cinema, porém, ninguém pode acusá-lo de jamais ousar.