O sexto episódio novo de “Game of Thrones”, intitulado “Beyond the wall”, cimentou de vez o tom da temporada que está próxima de se encerrar no domingo que vem. O tradicional ápice de penúltimo capítulo contou com momentos de grande apuro técnico visualmente, com destaque ao excelente casamento da música instrumental nas cenas além da Muralha. O entusiasmo demarcado pela montagem nas cenas de confrontos entre os White Walkers e a trupe de Jon Snow (Kit Harrington) na empreitada de capturar um dos seres inumanos é quase impossível de não envolver o espectador, imerso como está agora que a série é criação original, e não mais adaptação.

Dito isso, é impossível também não apontar como o roteiro de David Benioff e D. B. Weiss não encontra encaixe apropriado na boa direção de Alan Taylor. Taylor, que já dirigiu episódios elogiados como “Fire and Blood” (o décimo da primeira temporada), tem em mãos momentos em que a diegese simplesmente perde o sentido em “Beyond the wall”. Por exemplo, quando Jon e companhia se deparam com Wights e descobrem como eles são controlados pelos White Walkers, o combate entre eles, convenientemente, leva todos os primeiros a se desfazerem, exceto um – exatamente o que eles buscavam na jornada para além da Muralha!

Foi uma ótima ideia essa de ir para além da Muralha, Jon. Pode confiar.

Outra conveniência absurda acontece quando, confrontados por um grupo ainda maior de Wights, Gendry (Joe Dempsie) é eleito a voltar à Muralha para mandar um corvo pedindo ajuda a Daenerys (Emilia Clarke). As jornadas que, em temporadas anteriores, demoravam semanas ou meses se convertem magicamente a dias! Ainda que isso não prejudique de todo momentos de grande entretenimento, como as lutas em si ou a dinâmica entre os personagens – destacando-se aí Clegane (Rory McCann), Tormund (Kristofer Hivju) e Beric (Richard Dormer) –, essas falhas de roteiro enfraquecem a qualidade pela qual a série de tornou conhecida.

Uma interpretação que se pode fazer do andamento de Game of Thrones hoje é que ela se volta a um público mais amplo, mas menos fidelizado que o fã dos livros. Muitas das teorias que fãs discutem há anos sobre a obra são seguidas a risca apressadamente nessa sétima temporada, como a origem de Jon Snow e sua relação com Daenerys, para só citar duas. Essa pressa dá, inevitavelmente, um ar de fanfic (ficção de fãs) aos episódios. E, como toda boa fanfic, diálogos expositivos e detalhes sendo apresentados apenas para nos deixar excitados (não necessariamente no quesito sexual, ok?) são a tônica de “Beyond the wall”.

Divertido? Sem dúvida! Bom? Não necessariamente – vide a chegada de Daenerys ao ponto em que Jon e os demais foram encurralados por uma horda de White Walkers. Enquanto que o CGI funciona de maneira fantástica nesse episódio para expor a chegada dos dragões e o ataque aos Wights, a sequência do resgate de toda a trupe derruba uma importante teoria da obra – a de que apenas os Targaryen poderiam se aproximar e interagir com os dragões de forma relativamente segura.

Jon, para variar, quase morre novamente, afogado, apenas para criar um efeito dramático a mais para o sofrido ship Jonerys (Jon + Daenerys). Porém, a reflexão crítica sobre o quanto isso foi desnecessário é facilmente esquecida na sequência, quando Jon, que foi resgatado posteriormente por Benjen (Joseph Mawle), recupera-se na torre da Eastwatch e, lindo e pleno numa cama, segura a mão de Daenerys e a chama de Danny – cena digna de novela. É brega, mas a direção de Taylor nos faz embarcar na breguice, mesmo com a atuação terrível de ambos os atores nessas cenas. Enquanto que Benioff e Weiss trazem o absurdo das fics à trama, Taylor traz a intensidade.

Aff…

Para quem duvida de como as estruturas das ficções de fã estão guiando a escrita de roteiro de Benioff e Weiss, deixo como outro exemplo as pontas soltas desse episódio para garantir mais ships divertidos que viralizem na internet. Uma delas é o diálogo entre Tormund e Clegane, quando o primeiro profere uma fala que dá a entender sua bissexualidade, sendo que nunca antes esse aspecto da personagem foi desenvolvido na série anteriormente. Se para uma parcela do público isso soa como piadinha de mal gosto, para outros, sedentos por representação (mesmo num mundo fantasioso), esse pequeno detalhe é um exemplo clássico de queerbait –  um recurso criado para atrair o público LGBT+ enquanto audiência, mas que não necessariamente será trabalhado na obra (um truque, basicamente).

Então tá.

Nem Winterfell escapa do absurdo do roteiro que desdenha do desenvolvimento anterior das personagens. A antes esperta Arya (Maissie Williams) emula, a cada episódio, os traços de Lady Stoneheart (personagem que nunca foi aproveitado na série, e que equivaleria a uma versão zumbi vingativa de Catelyn Stark). É como se tudo que ela tivesse aprendido com os Homens Sem Rosto e a Casa do Preto e do Branco em termos de sagacidade e discrição nas outras temporadas tivesse sido esquecido magicamente, uma vez que ela ameaça abertamente sua irmã, Sansa (Sophie Turner), em mais uma série de diálogos expositivos. Coerência definitivamente não é a marca desse subplot.

Minha cara vendo o subplot de Winterfell se desenrolando…

Esta última, aliás, aproxima-se de sua versão nos livros, sendo mais dúbia, mas sem a mesma inteligência de alguém que vem acompanhando de perto as jogadas nos bastidores do poder. Por ora, Sansa é o único personagem principal que ainda dá o benefício da dúvida sobre ela ter sido estragada ou não pelo roteiro dessa temporada – embora “Beyond the wall” se esforce para tentar diminui-la, como no momento em que Sansa ignora conselhos óbvios de Brienne (Gwendoline Christie) sobre a natureza dos apoiadores dos lordes do Norte.

NÃO MACHUCA O BICHINHO!

E é assim, entre altos e baixos em termos de qualidade, e só em altos em termos de empolgação, que Game of Thrones se aproxima de sua reta final. Ramin Djawadi, responsável pela trilha, e Alan Taylor são os grandes destaques, e isso num episódio marcado pela morte de Thoros de Myr (Paul Kaye) e Benjen Stark, além da “zumbificação” do dragão Viserion, cujo assassinato brutal teve grande esmero da equipe de efeitos especiais, assim como nas sequências em que aparecem as espadas de fogo da Irmandade Sem Bandeiras. Da trama, podemos esperar mais absurdos para o season finale e uma grande dose de diversão descompromissada.

Eita!