Não se engane com o título: apesar do nome Godzilla, há pouco do Rei dos Monstros em cena na nova versão americana do famoso lagartão, deixando-o quase como um coadjuvante em seu próprio filme. Depois do fracasso comandado por Roland Emmerich em 1998, o novo Godzilla busca ousar ao colocar o drama humano em foco, em um cenário em que os monstros são apenas o pano de fundo.

A decisão é bem acertada, a princípio: afinal, em um filme catástrofe, é preciso se envolver com os personagens para sentir o perigo em cena e se importar com sua trajetória. Nesse caso, depois da introdução que estabelece o casal vivido por Bryan Cranston e Juliette Binoche e a tragédia que se abate sobre eles, o herói escolhido para acompanharmos é o seu filho, o tenente Ford Brody (Aaron Taylor-Johnson, de Kick-Ass), enquanto ele tenta retornar para a família em meio à destruição. Por ser um oficial da Marinha, é claro que Ford também será parte da ação do filme, enquanto as forças militares empreendem esforços para destruir os monstros – e sim, é realmente monstros no plural, uma vez que Godzilla não é o único em cena.

A direção de Gareth Edwards é certeira ao adotar esse ponto de vista humano para contar a história, utilizando de ângulos sempre próximos aos dos personagens, e em algumas cenas empregando uma perspectiva em primeira pessoa – e assim, acompanhamos a ação através dos óculos de proteção do protagonista ou do para-brisa de um motorista pego no meio da confusão. A ideia é sempre deixar claro o estrago que os monstros fazem ao redor, e, nesse sentido, Edwards também consegue estabelecer bem uma atmosfera sombria e angustiante, que colabora bastante.

É uma pena, porém, que, com o arrastar do filme, a obra vá se revelando com problemas de ritmo que a deixam cada vez mais opaca, uma vez que o roteiro de Max Borenstein, recheado de diálogos expositivos e pouco inspirados, não ajuda muito o elenco impecável e o diretor a fazerem seu trabalho. Falta maior peso dramático aos personagens e suas ações, e isso torna o envolvimento mais difícil. Aaron Taylor-Johnson pouco pode fazer como o inexpressivo tenente, Elizabeth Olsen é apagada como sua esposa, e Bryan Cranston tenta dar dignidade ao seu papel como o típico paranoico das teorias conspiratórias. Outros nomes como Juliette Binoche, Sally Hawkins e Ken Watanabe são totalmente desperdiçados como coadjuvantes de luxo, especialmente este último, na pele de um cientista que parece se dedicar a sempre franzir a testa e olhar com cara de paisagem para toda e qualquer situação e, vez ou outra, distribuir pílulas de sabedoria ecológica e científica com frases de efeito.

O maior problema, no entanto, é a estratégia de adiar a entrada do monstrão em cena, como se fosse o Tubarão de Spielberg, numa tentativa de guardar “o melhor” para o final. Assim, as primeiras aparições de Godzilla duram pouco tempo e são cortadas rapidamente, como a primeira luta dele com outro monstro, que acompanhamos através de uma TV exibindo o noticiário, e o infame momento em que o filme fecha a porta na cara do espectador. Essa construção de expectativa acaba gerando certa frustração durante as duas horas do longa, já que sabemos que, mais cedo ou mais tarde, o Rei dos Monstros vai ter que aparecer. Então, por que adiar tanto esse momento? Pelo menos, quando ele vem, vem com tudo, e o terceiro ato é certamente a melhor coisa do filme. Em meio a ótimas sequências de ação e a trilha eficiente de Alexandre Desplat, Godzilla enfim rouba a cena e faz jus ao seu título de Rei dos Monstros.

E aí, logo depois, o filme acaba. A sensação que fica é a de que houve muito barulho por nada: ao mesmo tempo em que se investiu no drama humano, os personagens se mostraram genéricos demais. E, ao guardar a aparição do personagem-título para o clímax, o filme acabou sendo vítima de suas próprias expectativas. Apesar disso, o trabalho ainda revela um pouco de dignidade, graças ao competente trabalho de direção. Resta saber se o filme sobreviverá ao tempo ou se tornará tão facilmente esquecível quanto o remake anterior. Se bem que, se depender das prováveis continuações, em breve seremos lembrados do rugido ancestral do Godzilla.

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