Dos indicados a melhor filme deste ano no Oscar, “A Grande Aposta”, de Adam McKay é aquele que possui o tema mais complicado de identificação junto ao grande público quando comparado aos concorrentes. Não é um blockbuster majestoso centrado em realidades apocalípticas ou planetas distantes. Também não é um filme de espionagem intricado ou a obra que discute a luta pela sobrevivência em uma natureza hostil. E passa bem longe de ser um drama sobre a imigração ou sobre as relações conflituosas entre pais e filhos. Assim como não envereda pela investigação jornalística para tratar de um tema polêmico como o assédio sexual.

Com cinco indicações (melhor filme, direção, ator coadjuvante, roteiro adaptado e montagem) ao grande prêmio da indústria, ele analisa o colapso financeiro americano de 2008 que afetou diretamente o mercado econômico mundial. É inspirado em fatos reais, no caso no livro “A jogada do século“, de Michael Lewis, um importante autor da área econômica que já teve outros best-sellers da sua autoria adaptados para o cinema: Um Sonho Possível (2009) e O Homem que Mudou o Jogo (2011).

É centrado em quatro núcleos de personagens que previram a crise, três anos antes dela acontecer: Michael Burry (Christian Bale, indicado a coadjuvante) é o excêntrico economista que é o primeiro a perceber a eminente “bolha” do sistema americano. O corretor vigarista Jared Vennett (Ryan Gosling) visualiza a oportunidade e passa a oferecê-la aos clientes. Um deles, Mark Baum (Steve Carell) resolve antes de investir na ideia de Jared, investigar a fundo a situação. Por fim, a dupla Charlie Geller (John Magaro) e Jamie Shipley (Finn Wittrock) compram a ideia de Vennett e bolam um plano para ficarem ricos, com a ajuda do experiente corretor de Wall Street, Ben Rickert (Brad Pitt). Todos investem dinheiro contra o mercado imobiliário, apostando em sua falência a fim de lucrar.

Apesar da premissa burocrática, “A Grande Aposta” passa longe de ser um trabalho estático. Na verdade, o estilo dinâmico e abusado é uma das maiores virtudes do longa metragem. É uma obra que caso você não seja um expert em economia ou tenha interesse pelo assunto, com certeza vai virar a cara para ela, até porque é muito fácil se perder nos diversos jargões do mercado imobiliário que o filme reproduz a cada segundo. Porém, é um passatempo divertido e interessante, muito em razão da direção dinâmica imposta por Adam McKay.

O diretor que começou a carreira no programa Saturday Night Live como roteirista, dirigiu várias comédias com o ator Will Ferrel (O Âncora, Tudo Por um Furo, Os Outros Caras) a qual batizou de sátiras sobre o americano medíocre da classe média. Aqui ele utiliza-se da sua experiência dentro do humor para fazer uma crítica ousada em relação à crise de 2008. É o responsável em traduzir os termos complexos do mundo financeiro como Swaps, CDS e subprime em uma linguagem acessível aos leigos. Se falar de economia já é complicado por natureza, McKay consegue transformar um assunto chato em algo minimamente envolvente, longe de entediante.

Este ritmo alucinado, repleto de deboche casa perfeitamente com o formato documental que o longa oferece principalmente pelos movimentos e posicionamentos da câmera, como se investigasse os fatos, focando em pequenos detalhes, com zooms nos rostos e gestos dos personagens o que dá uma nítida sensação de estarmos assistindo a um documentário.

Mas, sem dúvida, o maior mérito da direção são algumas sacadas técnicas como o uso de uma linguagem criativa em momentos complicados – em razão dos termos técnicos já citados – que se utiliza de celebridades como Margot Robbie e Selena Gomez para explicar os jargões econômicos de forma didática ao espectador. Não deixa de ser um truque esperto para fisgar nossa atenção. Isso também é visível no uso da quebra da quarta parede – quando o personagem se volta e fala diretamente com o público – recurso aproveitado diversas vezes por Gosling no filme para criar um ar de cumplicidade entre quem assiste com a história.  Esses elementos dão uma boa fluidez a narrativa e neste campo deve-se valorizar o ótimo trabalho de edição e montagem de Hank Corwin (também indicado ao Oscar) que torna tudo ágil, jamais deixando o filme confuso.

O roteiro cínico escrito pelo diretor com o parceiro Charles Randolph não deixa de trazer uma veia pop sobre Wall Street, pois utiliza vídeos do YouTube, citações literárias e músicas icônicas como Lithium do Nirvana, Fell Good Inc do Gorillaz e Master of Puppets do Metallica para dar um sabor nostálgico ao longa. Ele também encara a crise econômica sob o prisma tragicômico, ridicularizando o próprio sistema econômico americano – a sequência que o personagem de Carrel oberva o discurso de um analista e percebe que realmente o país vai quebrar consegue ser ao mesmo tempo hilária e melancólica.  É lógico que grande parte do carisma que o longa carrega, concentra-se no seu elenco. Ele como um todo, tanto os protagonistas, quanto os coadjuvantes, estão muito bem. Ainda assim, os destaques ficam para Carrel e Bale, sendo que o primeiro merecia também ser indicado a coadjuvante junto com o segundo.

É claro que o filme apresenta seus defeitos. O estilo extremamente didático do roteiro em certos momentos é o maior exemplo, pois interfere na organicidade da narrativa. É nítido que o filme utiliza tanto o recurso para ser entendido que esquece de desenvolver melhor os personagens e o ponto de vista crítico. Outro problema é o ritmo alucinado para um tema tão complexo, isso faz com que o público em vários momentos se sinta totalmente perdido dentro do enredo do filme.

Mas no geral, “A Grande Aposta” tem a vibe louca do Lobo de Wall Street de Scorsese e o olhar cínico e detalhista do mundo econômico de Wall Street – Poder e Cobiça de Oliver Stone, mesmo que McKay não tenha o talento do primeiro em manter sua narrativa equilibrada entre o real e o surreal, nem a visão crítica do segundo para aprofundar o olhar sobre o sistema capitalista e as relações de poder de Wall Street. Funciona como uma daquelas aulas de revisão de cursinho, cheia de macetes para você fazer aquela prova ou concurso no dia seguinte, mesmo que na outra semana nem se lembre mais o que estudou. Você até pode não entender bulhufas de economia, mas quando se trata de Hollywood, ela com certeza vai fazer um resumo bacana para corrigir sua ignorância no assunto.