Sem Johnny Depp, sem Helena Bonham Carter, sem personagens bizarros, sem estética gótica. Quem já estava acostumado com a extravagância do cinema de Tim Burton vai estranhar que Grandes Olhos seja dirigido pelo mesmo homem responsável por Alice no País das Maravilhas e Sombras da Noite. Até mesmo a trilha de Danny Elfman, parceiro recorrente de Burton, está mais contida. E é justamente ao deixar um pouco de lado o estilo que o consagrou que o diretor quase recupera a boa forma em seu novo longa.

Embora seja um filme mais convencional, a história por si só não deixa de ser insólita: Grandes Olhos volta aos anos 60 para acompanhar a pintora Margaret Keane (Amy Adams), que viveu anos sob a sombra do marido Walter Keane (Christoph Waltz), um canastrão que tomou para si a autoria das obras da esposa e fez fortuna e fama. Somente mais de uma década depois, a artista denunciaria a fraude e daria início a um processo contra ele, reivindicando as obras que retratavam crianças com os tais grandes olhos do título como suas.

O erro de Burton está em quase permitir que, assim como na vida real, Margaret se torne uma coadjuvante do próprio filme. Por boa parte do primeiro e segundo atos, a personagem incomoda pela sua passividade quase excessiva, e é o talento de Amy Adams em sua pele, tentando lhe atribuir novas camadas, que é capaz de criar a empatia necessária com o público. Se não fosse pela atriz, Christoph Waltz – que cada vez mais penso estar sempre interpretando versões mais ou menos rebuscadas do Hans Landa de Bastardos Inglórios – roubaria completamente a cena, visto que as falcatruas de Walter acabam ganhando muito mais espaço de tela e, conforme o longa avança, o personagem beire ainda mais uma caricatura que chama constantemente a atenção para si. Como um outro personagem enuncia em certo momento, “sutileza não vende”, e é justamente isso que falta à dinâmica entre Waltz e Adams.

Mesmo assim, o trunfo de Grandes Olhos está em explorar a relação de Margaret com sua arte, e no caminho levantar outras questões sobre o mundo artístico em geral. Se, por um lado, Walter é um pintor frustrado, por outro ele é um gênio do marketing, e sabe investir nas obras da esposa como verdadeiros produtos. Já Margaret, por sua vez, possui uma ligação muito mais emocional e expressiva com seus quadros, e sua culpa ao permitir que o marido se aproprie das obras é o motor que gera boas cenas, como seu passeio pelo supermercado e os lampejos de extravagância de Burton nos olhos aumentados dos transeuntes. Outras questões acabam passando apressadas, mas não deixam de ser interessantes, como, por exemplo, o consumo da arte como produto em escala industrial. Já o crítico vivido por Terence Stamp é novamente aquela figura egocêntrica e implacável que se acha dono da verdade absoluta (eu juro que não somos assim, gente).

Além disso, o filme de Burton acerta em elementos como a fotografia e a direção de arte e o figurino ambientados na década de 60, que também ajudam a estabelecer a figura frágil de Margaret Keane, quase sempre envolta em tons claros sufocados pelo marido. Por isso, é uma pena que o terceiro ato soe ainda mais apressado e perca a oportunidade de explorar melhor as mudanças da personagem. O que vemos, no entanto, é a cena de um julgamento tão bizarro que parece até mesmo deslocado do restante do filme.

No fim das contas, é pelo tom mais pessoal que Tim Burton imprime ao filme que Grandes Olhos se sobressai em sua obra recente. O cineasta americano tem uma clara admiração pela obra de Margaret Keane, e, aparentemente, é quando Burton deixa de ser refém do próprio estilo e se envolve também emocionalmente com o filme (vide Frankenweenie, a melhor de suas últimas produções) que ele atinge seus melhores resultados. Resta a torcida pra que no próximo ele faça ainda melhor.