Gravidade, o novo filme do cineasta mexicano Alfonso Cuarón, leva o espectador ao espaço. O longa se inicia com a visão gigantesca da Terra em meio às estrelas. Aos poucos, um veículo espacial se aproxima – a nave Explorer – e vemos um grupo de astronautas fazendo reparos no telescópio Hubble. Logo nos damos conta de não estarmos vendo algo comum, do ponto de vista cinematográfico: o astronauta Matt Kowalsky (vivido por George Clooney) flutua pela imensidão, e ao redor da câmera, com seu traje propulsor. Depois vemos a doutora Ryan Stone (Sandra Bullock) consertando o telescópio. A câmera passeia, focalizando ora um, ora outro. É o triunfo da ciência, perfeitamente igualado por uma tomada de concepção espetacular, sem cortes aparentes, concebida pelo cineasta.

Porém, esse triunfo é logo diminuído e percebemos o quanto o ser humano é pequeno e frágil naquele ambiente. Uma onda de destroços causados pela destruição de um satélite russo atinge a equipe e a nave americana, deixando Stone e Kowalsky à deriva no espaço. Ela tem pouco oxigênio, ele conta apenas com sua unidade propulsora para salvar a ambos. E é isso: ao longo da projeção acompanharemos a luta desses dois personagens para sobreviver nas condições mais adversas imagináveis.

Com essa história simples, Cuarón e sua equipe fazem uma das experiências cinematográficas mais incríveis dos últimos anos. Se no seu filme anterior, Filhos da Esperança (2006), o diretor já criava planos contínuos elaborados e aparentemente impossíveis, agora ele se supera. Não bastasse a tomada inicial que dura pouco mais de 10 minutos, ainda presenciamos a câmera se aproximar da doutora Stone enquanto esta gira no espaço, entrar dentro do seu capacete e logo em seguida, se transportar para o seu ponto de vista – aliás, presenciamos as coisas pela perspectiva dela em diversos momentos da narrativa.

Outro momento especial é a longa tomada no qual a atriz Sandra Bullock revela toda a solidão e o medo da morte da sua personagem, com direito a uma alucinação. E tem ainda a destruição da estação russa… São tantos momentos visualmente espetaculares, feitos com elaborada preparação, efeitos visuais precisos e à prova de falha, que o espectador simplesmente se sente como um terceiro astronauta, viajando com os dois personagens. Essa é a função da câmera de Cuarón, buscando aproximar ao máximo do publico de cinema a sensação de se estar no espaço. Uma grande ambição, sem dúvida, mas o fato dele conseguir fornece a devida medida do talento deste cineasta muito especial.

O diretor também sabia que, com apenas dois atores em cena e com uma narrativa eletrizante para contar, precisaria de dois astros para provocar uma rápida empatia no público em relação ao drama dos seus personagens. Bullock e Clooney não decepcionam: ele usa seu bom humor para acalmar a sua companheira novata espacial, conquistando assim o publico. E ela oferece uma performance bem natural, transmitindo de forma orgânica o medo e posteriormente a força e a determinação da sua personagem. A performance, aliada à já natural simpatia da atriz, faz com que o público invista emocionalmente na sua situação com facilidade.

Ao longo da história a doutora Stone passa a ser movida por algo além do mero desejo de sobreviver, e o filme se transforma quase numa metáfora para o processo de (re)nascimento. Não à toa, Cuarón enche o filme de simbolismos quase poéticos que representam um interessante subtexto dentro da narrativa. Ao encontrar um breve abrigo na estação russa, Stone tira seu traje espacial e por alguns momentos flutua em posição fetal. Outro simbolismo é o do cabo conectando os astronautas (A conexão humana, coisa que a doutora Stone parecia não ter, é explicitada visualmente aí, afinal quanto mais dentro da imensidão, mais importante se torna o outro). E o final da jornada da personagem é um momento belíssimo, que extrapola seu mero significado literal.

No espaço tudo é vasto e grandioso, e a qualquer momento algo pode encerrar a existência humana. Acredito que a maioria das pessoas, ao verem fotos da Terra ou do espaço, se sente pequena e insignificante. O filme de Alfonso Cuarón se inicia com esse assombro e passa a ser dominado por um deslumbramento. Não com a tecnologia e como ela pode criar imagens incríveis, mas sim com a beleza e grandiosidade do universo. Em meio a tudo isso, porém, o cineasta parece dizer que não somos assim tão pequenos, e podemos nos tornar maiores por meio do nosso intelecto e da nossa determinação – pelo que se sabe, tais características não existem em nenhum outro lugar desse universo.

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