Com o sucesso de Batman Begins (2005), e principalmente de O Cavaleiro das Trevas (2008), criou-se um estigma bobo de que filme de super-herói precisa ter, de alguma maneira, os pés num mundo realista, que seus personagens precisam ter densidade, e para isso precisam estar inseridos num drama que se leva a sério, sendo até meio carrancudo, com cara fechada, cara de mau, como diria Capitão Nascimento.

A Marvel até que tenta inserir humor, em situações específicas, nos seus filmes, mas sabe-se que isso funciona apenas como uma fuga repentina, uma piada pra descontrair o clima pesado proposto pelo vilão malvado. Tais trabalhos sempre priorizam a honra dos seus heróis, o quanto eles são patriotas, bonzinhos, cheios de qualidades e atitudes nobres.

E, ainda bem, parece que as coisas mudaram de figura com Guardiões da Galáxia, um filme que é grandioso justamente pela falta de interesse em ser grande.

O trambiqueiro Peter Quill (Chris Pratt), numa de suas viagens interplanetárias rouba um orbe pertencente ao terrível Ronan (Lee Pace), e com isso acaba conseguindo um grande problema para si mesmo, ao ser perseguido pelo próprio vilão, e por caçadores de recompensas. Só então ele se dá conta do quão poderoso é este objeto que ele tem em mãos, e que precisa ser cuidadoso com o destino que vai dar a ele. Portanto, ele acaba reunindo um time para realizar essa tarefa, que são a enigmática Gamora (Zoe Saldana), o ligeiro Rocket (Bradley Cooper), e o seu fiel escudeiro, Groot (Vin Diesel), além o explosivo Drax (Dave Bautista).

Finalmente temos um exemplo de filme feito para se divertir, sem querer ser mais que isso. Ao contrário do que as marveletes e transformetes grunhem nos comentários, encontrar um filme como Guardiões é raro. Aqui, não há heroísmo repetitivo, bondades e obviedades repetidas sem parar. No lugar disso temos algo bem menos importante, melhor dizendo, algo que não se coloca num lugar importante, são apenas interesseiros tentando se dar bem, um bando de idiotas em pé fazendo um círculo enquanto falam frases “emocionadas”.

A abertura já dá o tom de todo o filme, já diz que aquele ser misterioso, é na verdade um trambiqueiro, de caráter duvidoso, que gosta de se divertir, mais do que outras coisas. E assim são os demais personagens. Fazem o que fazem pra sobreviver, tem atitudes condenáveis, passam por cima de convenções da sociedade, e são divertidos e interessantes de serem acompanhados, muito por conta disso também.

A direção de James Gunn é muito inteligente ao trazer um tom leve para as situações, até mesmo para as mais importantes, narrativamente falando, o que tira o filme do lugar comum das ameaças interplanetárias. Soluções como a fita de áudio que vai sendo reproduzida durante o filme são tiradas inteligentes para inserir a boa trilha sonora do filme. Além disso, o filme tem momentos verdadeiramente engraçados, como a piada com a perna mecânica, as citações a elementos da cultura pop (Kevin Bacon), e praticamente todas as interações que acontecem entre Rocket e Groot.

Aliás, os personagens deste filme são muito divertidos. Rocket é um achado! Primeiro que ele é extraordinariamente bem feito pela equipe de efeitos visuais (trabalho comparável ao feito com Richard Parker, de As Aventuras de Pi), segundo que o seu humor é muito bem pensado, sendo garantia de boas piadas, mostrando um lado surpreendente do, cada vez melhor, Bradley Cooper. Groot também possui um magnetismo com o seu lado desastradamente bondoso, e vai crescendo bastante no decorrer da história, assim como Saldana e Bautista, que fazem de Gamora e Drax personagens com diversas camadas.

Mas é evidente que o maior destaque vai para o “desconhecido” Chris Pratt, que carrega nos ombros a missão de fazer uma subversão no gênero, e o faz com muita desenvoltura e carisma. Capaz de trazer várias faces a Peter Quill, Pratt comanda o elenco com uma atuação aparentemente fácil de se fazer, mas que esconde um raro domínio de tempo de comédia do seu intérprete. Se permanecer focado e disser mais não do que sim aos convites que certamente irão surgir daqui pra frente em sua carreira, este é um ator para ficarmos de olho.

Apesar das qualidades, o filme possui alguns problemas. As cenas de luta são bastante artificiais, coreografadas de maneira pouco convincente, sendo farsescas a ponto de perderem credibilidade, como na cena em que Pratt foge de Rocket e de Gamora, no início da película.

Além disso, o filme recorre, mesmo que timidamente, aos clichês do gênero ao trazer certo exagero de bondade a Quill em relação a Gamora, em determinado momento da projeção, meio que ignorando toda a porralouquice que fizera anteriormente, e que permaneceu fazendo após esse triste acontecimento. Poderia se encontrar, facilmente, outra maneira de resolver tal conflito, sem o uso dessa artimanha óbvia e piegas.

Mas fiquei pensando nisso por um tempo, após o filme terminar, e acredito que esteja exigindo demais deste trabalho. Fazer o que ele fez, ser subversivo como ele foi, já é algo digno de elogios entusiasmados. Talvez tenha que ter um pouco mais de calma, reconhecer que um passo importante já foi dado agora, que exigir ainda mais pode ser visto como uma falta de carinho com o que já se avançou, e esperar que nós próximos filmes da série se avance ainda mais.

Guardiões deu uma oxigenada neste universo de super-heróis, e mostrou que é possível subverter, que é possível oferecer algo diferente do que todos esperam, e mesmo assim causar uma boa recepção. Provavelmente irá decepcionar alguns que esperavam por algo mais “sério”, ou que se levasse mais a sério, mas este é um filme que brinca com as suas expectativas, e quase sempre acerta, como na ótima cena pós-crédito.

NOTA: 7,5