Quem vê as tenistas hoje levantando troféus por todo o mundo e lucrando com patrocínios talvez não entenda que Serena Williams e suas colegas de trabalho ainda são ridicularizadas pelos seus pares masculinos. Volta e meia, algum tenista – geralmente de talento e carreira medíocres – questiona a ideia de prêmios em dinheiro iguais para homens e mulheres. “Elas não jogam cinco sets” ou “elas erram muito e são instáveis emocionalmente” (porque John McEnroe era A serenidade em quadra, né?) são alguns dos argumentos pífios.

Se isso já é assim em pleno 2018, imagina no início dos anos 1970, quando o esporte ainda era recém-profissionalizado. A figura de Billie Jean King naquela época foi fundamental para que o tênis feminino ganhasse asas e respeito. A tenista norte-americana – contemporânea da nossa Maria Esther Bueno, com quem protagonizou disputas na era pré-Aberta – é um tesouro nacional dos Estados Unidos, muito por ter protagonizado um episódio que finalmente ganha as telas de cinema: a “Guerra (ou batalha) dos Sexos”.

Dirigido pela dupla Jonathan Dayton e Valerie Faris, “A Guerra dos Sexos” é um filme que serve como documento de uma era. Nomeado nas categorias de Comédia no Globo de Ouro muito provavelmente pelas palhaçadas sem graça do Bobby Riggs de Steve Carell, o drama acompanha um momento de decisão na vida de Billie Jean (Emma Stone): campeã e número 1 do mundo, ela se rebela contra as regras pré-estabelecidas do mundo do tênis e cria a Women’s Tennis Association (WTA), que rege até hoje o circuito feminino. Ao mesmo tempo, o filme mostra as descobertas amorosas de Billie Jean e, claro, a disputa com Riggs no jogo de tênis que parou os EUA. Bobby também ganha foco, ao que vemos toda a sua decadência como tenista, marido e ser humano e tudo o que o leva a propor a disputa com Billie.

Do ponto de vista visual, “Guerra dos Sexos” é uma viagem no tempo. A fotografia granulada merece destaque, ao emular o visual de filmes daquela época tão progressista do cinema norte-americano, sem deixar de ser uma extensão do que se vê na tela: o neon usado à exaustão nos filmes atuais aqui cria um clima lúdico para o momento em que Billie começa a se ver apaixonada pela cabeleireira Marilyn (Andrea Riseborough, ótima).

O design de produção e o figurino são impecáveis e reconstituem com precisão os universos de Billie e Bobby, sem deixar de destacar as disparidades entre os dois: se a primeira vive entre hotéis impessoais e solitários, o segundo é quase um objeto de decoração na casa em que mora com a esposa. A título de curiosidade, fãs de tênis vão ficar empolgados ao ver o cuidado com os vestidos que Billie e Margaret Court usavam em quadra.

O problema do filme reside em sua estrutura. Ao querer mostrar e evidenciar esses contrastes entre os dois competidores, o drama fica cansado e se arrasta até chegar à sua segunda metade. O mais interessante do filme – o dia-a-dia no circuito, o romance crescente de Billie Jean com Marilyn e os conflitos internos que ela sofre a cada vez que lembra do marido e do mundo conservador do esporte (que persiste; quantos atletas de renome assumiram a homossexualidade?) perdem a força a cada vez que vamos de novo para o lado Bobby Riggs. Steve Carell tem uma das melhores de sua carreira como o autointitulado “porco chauvinista” e consegue transmitir os excessos e a fome de Riggs com muito pouco, justiça seja feita.

O drama consegue dar a dimensão da persona de Billie Jean. Campeã que finalizou a carreira com 12 títulos de Grand Slam de simples, ela teve um papel tão importante nos bastidores quanto dentro das quadras, como falei no início do texto. Billie vivia para o tênis e o roteiro entrega momentos econômicos que mostram que para ela era “vencer ou vencer”, e aqui cito a cena onde a atleta diz que a única alternativa que encontrou para conseguir mudar as coisas era ser a melhor, e o momento em que ela se dedica a treinar o saque para controlar a raiva pela derrota da rival Margaret Court para Riggs, na primeira Guerra dos Sexos.

Esse momento, em particular, é importante ao nos mostrar que o medo de assumir um romance com outra mulher para o público não era a única coisa que a afastava de Marilyn. Assim como o marido de BJK, a personagem de Andrea Riseborough tem um papel de coadjuvante na vida da atleta, que acordava e dormia pensando na próxima partida, fosse ela de tênis ou contra os manda-chuvas do tênis masculino.

A sensação, no entanto, é que Emma Stone não segura o rojão de interpretar uma personagem tão importante e oscila entre momentos muito bons (a coletiva com Bobby Riggs, provando sua química com Carell) e outros onde é engolida por atrizes coadjuvantes, sejam elas a já citada Riseborough ou Sarah Silverman, em uma participação de roubar a cena.

Novamente, o filme acaba servindo para fãs do esporte darem alguns sorrisinhos de canto de boca, como o retrato de Margaret Court como um contraponto a tudo o que Billie Jean fazia. Triste é ver que até hoje a tenista australiana conserva preconceitos e não tem medo de expô-los. Também há de se citar Nathalie Morales, que surge idêntica a Rosie Casals, tenista e amiga de BJK.

“Guerra dos Sexos” tem sua apoteose tanto narrativa quanto estética na cena da partida que dá nome ao filme. Com duração de dez minutos e montada com a mesma dinâmica de uma partida de tênis transmitida na televisão (leram isso, pessoal de “Wimbledon: O Jogo do Amor”?), a sequência é grandiosa o suficiente para mostrar a importância daquele momento, e íntima ao mostrar, por meio das pessoas que rodeiam BJK e Bobby, os diferentes significados que aquela partida tem.

Esse é um filme um pouco decepcionante em sua execução total, apesar de apresentar alguns grandes momentos. Mesmo assim, não dá para negar que “Guerra dos Sexos” chega com um timing perfeito, em uma época onde ainda se discute a diferença de salários entre homens e mulheres com amostras acachapantes de machismo. Ainda que não dê para colocar o filme na prateleira dos (jovens) clássicos assim como foi a partida, “Guerra…” vale por dizer que é hora de reverenciar Billie Jean King.