*texto especial do jornalista Gabriel Machado para o especial de terror do Cine Set

Dois mil e dezoito surge como um ano promissor para os amantes de slasher – em específico, para os entusiastas da série ‘Halloween’. No início de 2017, fomos pegos de surpresa com o anúncio de que o tão aguardado novo filme da saga de Michael Myers estaria, enfim, entrando em fase de pré-produção, com roteiro e direção de David Gordon Green (da comédia ‘Segurando as pontas’). No entanto, pouco, ou quase nada, sabia-se sobre o novo capítulo da série: seria uma sequência direta de ‘Ressurreição’? Outro remake? Um reboot? Eram muitas as dúvidas e perguntas acerca do projeto – incertezas estas que, em meados de setembro, foram, por fim, esclarecidas.

Porém, antes que possamos entrar, de fato, neste novo filme, a fictícia cidade de Haddonfield merece uma revisita. ‘Halloween’ é considerada uma das sagas de maior sucesso do subgênero do terror, tendo transcendido por três décadas. Isso significa que a franquia se manteve em ponto alto o tempo todo? Definitivamente não. Mas, se existe um crédito que deve ser dado ao assassino mascarado, este é o de se reinventar. A série passou ‘do céu ao inferno’ (na falta de uma melhor expressão) em intervalos – alguns bem longos, vale-se ressaltar – de um filme. E isso, podemos afirmar com inúmeros exemplos, não é algo tão simples de ser alcançado no universo dos slasher movies.

Tudo começou em 1978, com o terror de baixíssimo orçamento ‘Halloween: A noite do terror’. Dirigido e roteirizado por um inexperiente John Carpenter (até então, ele possuía apenas três produções em seu currículo), o longa contava com a mais simples das premissas: serial killer mascarado foge de manicômio e passa a perseguir jovem e seus amigos. Cá entre nós, até mesmo para aquela época esse é um enredo ‘feijão com arroz’. E o que fez com que o filme orçado em US$ 325 mil arrecadasse impressionantes US$ 47 milhões, somente nos Estados Unidos? Ou melhor, o que faz com este capítulo da saga se sobressaia, até hoje, diante de tantos outros filmes do gênero que surgiram posteriormente?

‘Halloween: A noite do terror’ dispõe de três pilares que, por maiores que tenham sido os avanços cinematográficos nas últimas décadas, infelizmente, ainda são raros nas produções atuais. O primeiro deles é, sem dúvida, o seu comandante. Talvez ciente da simplicidade de sua trama, John Carpenter destrinchou outros campos pouco explorados por cineastas do gênero, na época. Um desses pontos foi a trilha sonora do longa, composta pelo próprio Carpenter. Realizada, segundo o diretor, “em uma hora”, a música-tema é um dos traços mais marcantes da série – ou você já esqueceu que o ringtone da composição que anunciava a chegada de Michael Myers era um dos disponíveis para baixar nos extintos aparelhos celulares da Nokia?

Os outros dois segmentos acertados por ‘Halloween: A noite do terror’ são seus protagonista e antagonista. Com apenas 19 anos de idade, Jamie Lee Curtis entregou aos espectadores a que talvez seja a melhor final girl da história dos slasher movies: a jovem babá e irmã mais nova do serial killer, Laurie Strode. A personagem da atriz balanceou, perfeitamente, todas as características que esperamos (e gostamos) de uma heroína de filme de terror. Strode é inteligente, carismática e enérgica; porém, sem soar pedante, ingênua ou ‘chiliquenta’. Definitivamente, um símbolo da franquia.

Michael Myers também merece ser creditado como um dos motivos do – tremendo – sucesso de ‘Halloween’. Ele carrega consigo um perfil semelhante a outro grande serial killer dos slasher: Jason Voorhees. Munido com uma máscara assustadora, uma arma prioritária (facão de cozinha) e uma força sobrenatural, além de possuir um passado trágico quando criança – aos seis anos de idade, Michael matou a irmã mais velha, na noite de Halloween, e acabou internado em um hospital psiquiátrico por conta do crime –, ele cai facilmente na categoria de um dos psicopatas mais assustadores (e imbatíveis) do gênero do terror.

Junte os dois – Laurie e Michael – e temos um dos melhores duos já apresentados, por um protagonista e um antagonista, em um filme de terror. A dinâmica presente na relação dos dois vai além da relação serial killer/vítima, até mesmo por conta do passado sombrio entre os dois. É algo maior, sobressaindo-se à violência física e se instalando, muitas vezes, na esfera psicológica.

Com o sucesso de crítica e comercial de ‘Halloween: A noite do terror’, uma sequência era inevitável. Em 1981, Rick Rosenthal dirigiu ‘Halloween II – O pesadelo continua’ (assinado, também, por Carpenter). A continuação se passa exatamente na noite posterior aos eventos do longa original e mostra Michael ‘fazendo a festa’ em um hospital de Haddonfield, local onde Laurie foi internada após quase ser assassinada pelo irmão, no Dia das Bruxas. A sequência consegue manter, em boa parte de seus 92 minutos de duração, o tom do primeiro filme, apesar de ser uma produção muito mais sanguinária e com bem menos suspense.

Em outras palavras, ‘Halloween II’ pode ser considerado o primeiro – mesmo que pequeno – passo da franquia rumo à superficialidade dos slasher movies.


Um estranho no ninho

Com o final de ‘Halloween II’ meio que impedindo que trouxessem de volta Michael Myers para um terceiro filme, os produtores tiveram a ‘brilhante’ ideia de transformar a série em uma antologia. Muitos consideram ‘Halloween III: A noite das bruxas’ (1982) como sendo o ponto mais baixo e constrangedor da franquia, eu o vejo, apenas, como um longa que não se encaixa, em momento algum, ao universo criado por Carpenter. Na trama, um médico investiga as mortes violentas de pacientes em seu hospital e descobre o responsável pelas atrocidades: um maníaco criador de máscaras de bruxas. É tão ruim quanto falam? Não. Isso é uma coisa boa? Não necessariamente – mas vale conferir, a nível de curiosidade.

Obviamente, a ideia de seguir com a série sem Michael Myers foi um tiro no pé dos produtores de ‘Halloween’. Para a nossa sorte, porém, eles não estavam dispostos a abandonar a franquia e, em 1988, o assassino mascarado voltou ‘Halloween IV – O retorno de Michael Myers’. Além de ser um ótimo recomeço para a saga do assassino, este foi o filme que passou a tratar Michael como uma força sobre-humana – até mesmo para tentar justificar o fato dele ter sobrevivido ao longa anterior.

Em ‘Halloween IV’, Laurie Strode sai de cena e dá espaço a sua filha, a pequena Jaime Lloyd (Danielle Harris). Mesmo não sendo fã de crianças como protagonistas de filmes de terror, o trabalho que a jovem Harris faz é soberbo, ainda mais se considerarmos que foi o primeiro longa-metragem da carreira da atriz. De quebra, a trama conta, ainda, com a irmã de criação de Jaime, Rachel (Ellie Cornell) – uma ótima adição à lista de final girls dos slasher movies. Na história, descobrimos que Laurie morreu em um acidente de carro (sugestão da própria Jamie Lee Curtis) e Michael retorna a Haddonfield para matar a sua sobrinha de 8 anos.

Em ‘Halloween V – A vingança de Michael Myers’ (1989), o caos volta a reinar. Os roteiristas ignoram tudo o que ‘O retorno’ tinha de bom, começando pela subutilização de Cornell – morta nos primeiros minutos de filme – e terminando na introdução de uma espécie de seita do mal que, para a nossa infelicidade, é desenvolvida de maneira ainda mais bizarra em ‘Halloween VI – A última vingança’ (1995). Numa analogia bem esdrúxula, se ‘A vingança’ cavou a cova de Michael Myers, a sua continuação, definitivamente, jogou a última porção de terra na trajetória do assassino.

Vinte anos depois e uma luz no fim do túnel

Pagando pela zona que foi a dobradinha ‘Halloween V’/’Halloween VI’, os detentores da franquia resolveram ignorar todas as continuações, com exceção do segundo filme, e retornaram à história original de Michael Myers. Intitulado ‘Halloween H20: Vinte anos depois’ (1998), o longa trouxe de volta Laurie Strode, agora com outro nome, Keri Tate, e diretora de um colégio interno para adolescentes – entre eles, seu filho John (Josh Hartnett) e a namorada Molly (Michelle Williams). Crente que havia deixado o passado para trás, ela se vê frente a frente com irmão, que não apenas a encontrou como, também, tem como próximos alvos o sobrinho e os demais estudantes da escola. O filme conta, ainda, com uma participação de Janet Leigh, mãe de Curtis e atriz de ‘Psicose’.

O capítulo foi um sopro de esperança para a série e é considerado por muitos – inclusive, por quem vos escreve – como sendo o melhor filme da franquia desde o original. Curtis está sensacional na pele Strode, que, desta vez, vai de vítima traumatizada à mãe imbatível e sedenta por colocar um fim, de uma vez por todas, no irmão. Além de Hartnett, Williams e Leigh, vale destacar a participações de LL Cool J, como alívio cômico da trama; e o retorno da personagem Marion Chambers (Nancy Stephens), enfermeira que trabalhou com Dr. Loomis (o saudoso Donald Pleasence) nos dois primeiros longas.

Com a calorosa recepção de ‘H20’, ‘Halloween’ parecia ter ganho forças para seguir com novos filmes. No entanto, mais uma vez, o tiro saiu pela culatra. É quase surreal imaginar que o responsável por ‘Halloween II’, Rick Rosenthal, tenha comandado a ‘Halloween: Ressurreição’. Na cola do sucessos dos reality shows, a trama acompanha um grupo de estudantes que é recrutado para passar uma noite na casa onde Michael Myers cresceu. Infelizmente (ou felizmente), o assassino retorna para o lar e começa a eliminar os jovens um a um. O filme até diverte – mesmo que pelos motivos errados –, mas o verdadeiro problema está em seu início: os roteiristas matam, novamente, a personagem de Curtis, e da maneira mais troncha possível. Para ter uma ideia da farofa que é ‘Ressurreição’, basta olhar para o seu elenco, encabeçado por nomes como o rapper Busta Rhymes e a supermodelo Tyra Banks.

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‘Halloween’ na era dos remakes

Em 2007, ‘Halloween’ foi mais um dos filmes de terror a ser ‘agraciado’ com um remake. Assinado pelo excêntrico músico/diretor Rob Zombie, o longa até teve um resultado satisfatório e, diferentemente do original, explorou (mesmo que superficialmente) a infância de Michael Myers. Um dos problemas da refilmagem está na nova Laurie Strode – interpretada, aqui, por Scout Taylor-Compton. Apesar de tirar o chapéu para o risco, Scout ignora completamente o perfil marcante da irmã de Michael e ‘brinda’ os fãs com uma Laurie infantilizada, mimada e irritante. Outro ponto é a relação protagonista/antagonista. Ao invés de querer matar a mocinha, Michael cria um tipo de obsessão pela mesma, querendo levá-la ‘de volta para casa’.

Um fator positivo foi o retorno de Danielle Harris à franquia que a consagrou. Afastada dos filmes de terror desde que enfrentou problemas com um stalker, a atriz regressou ao gênero na pele de Annie Brackett, amiga de Laurie.

‘Halloween: O início’ recebeu duras críticas por parte da imprensa, mas obteve um bom retorno comercial, o que deu carta verde para Zombie comandar uma continuação, ‘H2: Halloween’ (2009). Todo o estilo e a personalidade do diretor, que talvez tenham passado batidos em ‘O início’, estão presentes nesta sequência, que dividiu bastante a opinião dos fãs. Muitos aplaudiram Zombie pela abordagem diferente e exagerada que deu à história de Michael Myers, enquanto outros definiram a produção como sendo ‘equivocada’ e criticaram o fato do diretor ter se distanciado tanto do universo dos longas originais. Com uma fraca bilheteria, a série parecia adormecida… Até este ano.


Um novo recomeço

No início de 2017, fomos pegos de surpresa com a notícia de que Michael Myers retornaria, enfim, para a telona. Aos poucos, algumas novidades acerca do novo ‘Halloween’ foram sendo reveladas – e elas são as melhores possíveis. A começar pelos retornos de Jamie Lee Curtis, no papel de Laurie Strode; e John Carpenter, que assinará a produção dirigida por David Gordon Green. Ainda não se sabe muita coisa sobre a história, apenas que vai ignorar todas as sequências e partirá do filme original. Judy Greer (‘Homem-Formiga’ e ‘Jurassic World: O mundo dos dinossauros’) estaria em negociações para viver a filha de Curtis.

Mesmo com esse cenário ainda bastante incerto, pela equipe por trás da produção, pode-se esperar grandes coisas do novo ‘Halloween’, que será lançado em outubro de 2018. Em entrevista recente ao site Stereo Gum, Carpenter demonstrou estar animado em voltar a Haddonfield. “Vai ser divertido. Temos um diretor muito talentoso e foi tudo muito bem escrito. Fiquei impressionado”, revelou o cineasta, que, mais uma vez, comandará a trilha sonora do longa.

Expectativas à parte, é muito bom saber que Michael Myers terá uma nova chance nos cinemas. Por tudo o que representa ao gênero do terror, seria uma pena ver sua trajetória ser encerrada no confuso ‘H2’.