Encerrar uma série já é um negócio complicado em condições normais; no caso de House of Cards a tarefa foi muito mais difícil. A série estava indo para a sua temporada final quando em 2017 o astro Kevin Spacey implodiu: os assédios sexuais a diversos homens, inclusive menores, fizeram com que Spacey fosse demitido sem cerimônia da série da Netflix. A sexta temporada de House of Cards já estava até adiantada na produção – embora ainda não tivesse começado a ser filmada – quando os produtores decidiram jogar fora tudo que já tinham feito para recomeçar do zero. Por sorte, tinham um ás na manga: todo o desenvolvimento da Claire Underwood, personagem da atriz Robin Wright, que com o tempo se tornou até mais forte e interessante que o Frank Underwood de Spacey. Claire terminou o quinto ano olhando para a câmera, quebrando a quarta parede e afirmando “É minha vez”.

A quinta temporada também terminava indicando que a última abordaria o conflito máximo entre os dois Underwoods, com Claire e Frank em lados definitivamente opostos. Esse final de House of Cards, infelizmente, nunca veremos – os produtores executivos Melissa James George e Frank Pugliese, nesses últimos 8 episódios, nos jogam alguns meses no futuro. Frank morreu, fora da tela, e o que aconteceu com ele vira um mistério para alimentar o interesse do espectador. Claire continua como presidente, mas enfrenta opositores em todos os lados – os maiores antagonistas são os irmãos Shepherd, vividos por Greg Kinnear e Diane Lane. E Doug Stamper (Michael Kelly), o eterno cão fiel de Frank, é o coringa da temporada e é de onde vem a tensão dramática: Doug vai se aliar a Claire ou ajudar a destruí-la?

Frank é um fantasma assombrando a temporada – mais sobre isso depois. Mas é interessante a forma como os roteiristas e produtores a transformaram na “série da Claire”, dando força para as demonstrações de poder feminino – num episódio Claire afirma que “o reinado do homem branco acabou”, noutro reúne uma equipe de gabinete exclusivamente feminina, e até adota seu nome de solteira, Hale – e ao mesmo tempo mostrando como isso pode ser distorcido. Em vários momentos da temporada, Claire se esconde atrás da sua posição de mulher ou usa isso a seu favor. É uma postura interessante do seriado: ao mesmo tempo em que glorifica a força da mulher, nos relembra diversas vezes que esta mulher poderosa em particular não deve ser realmente celebrada.

Infelizmente, os acertos com a Claire são eclipsados pelos problemas da temporada. Os Shepherds são insossos como antagonistas e, no decorrer dos episódios, uma sugestão de incesto em torno dos personagens simplesmente parece jogada ali, sem ser desenvolvida de fato, apenas porque incesto “está na moda” em várias produções dramáticas. Outro grande problema é que a situação do Doug é esticada a ponto de perder a força, de acordo com a vontade dos roteiristas – numa hora parece que ele vai “tocar fogo no circo”, depois espera mais um pouco, até dar tempo de chegarmos mais próximo dos últimos episódios.

O mistério em torno da morte de Frank também é esticado até a indiferença chegar, sendo resolvido realmente apenas na última cena da temporada! O que nos traz ao elefante na sala: apesar de toda a força da Claire como protagonista e do fato desta ser “a vez dela”, uma enorme parte da temporada gira em torno do Frank, suas ações e do mistério em torno da sua morte – e seu testamento e diários, dois elementos de trama meio suspeitos e convenientes a essa altura do campeonato. É possível tirar o Frank de House of Cards, mas os roteiristas aqui mostram que não é tão fácil tirar House of Cards do Frank.

Esse mistério e o conflito Claire/Doug nos levam até o último episódio, que é bem exagerado e frustrante, com direito a uma “guerra nuclear em potencial” e um desfecho que não satisfaz a quem acompanhou a série desde o início. Realmente é muito difícil para uma produção de TV ter um arco final todo planejado e então precisar descartá-lo devido a fatores do mundo real, mas esse final foi o melhor que conseguiram?

House of Cards acaba concluindo com um suspiro meio de alívio, o que é uma pena e representa um tipo de fim de uma era para a Netflix. Afinal, foi a série que botou a Netflix no mapa da cultura mundial na sua estreia em 2012 com seus astros de cinema, grandes valores de produção, estratégia de lançamento diferenciada e um clima adulto e cínico. Ora, a primeira coisa que assisti na Netflix foi um episódio de House of Cards. A série foi perdendo a força durante os anos, mas o cinismo nunca se perdeu – até mesmo a conclusão, apesar de insatisfatória, é fiel ao espírito frio e amoral da série.

Esta última temporada também tinha como missão uma espécie de validação da série, uma afirmação do seu valor apesar de todo o problema com Kevin Spacey. No futuro, nos lembraremos dela como um bom entretenimento, às vezes exagerado, que nos divertia e às vezes fazia refletir sobre a eterna busca por poder dentro da política, ou como a série que Kevin Spacey perdeu quando ficou claro para todos que ele era um tarado? Só o tempo vai responder a essa questão. Infelizmente, este último ano tinha muitas responsabilidades e um grande peso em cima, talvez além das capacidades que um seriado de TV consiga administrar, e sucumbiu sob este peso. Robin Wright, grande atriz que é, não nos deixa sentir falta de Spacey, mas, ao mesmo tempo, não consegue elevar um seriado com poucas coisas ainda a dizer. Não é um desastre total, mas a sexta temporada de House of Cards é mais um lembrete do quanto encerrar é realmente difícil…