Com “Infiltrado na Klan”, Spike Lee segue uma via dupla na abordagem do racismo norte-americano nas telas: por um lado, apresenta seu domínio da linguagem fílmica, perceptível na cuidadosa ordenação das imagens da tela que caracterizam sua filmografia; por outro, ele se permite desvios da narrativa real sobre um policial negro infiltrado no grupo de supremacistas brancos Ku Klux Klan. Como resultado, o filme ganha ares de “cinema pipoca”, potencializando a atenção de um público não necessariamente afeito ao tema.

Como diretor para quem a representatividade dos negros na tela já foi muito mais complexa (vide “Faça a coisa certa”, de 1989), Lee encontra um momento histórico no qual o abandono da sutileza se faz necessária. A complexidade do roteiro e construção dos personagens perde com isso, uma vez que o andamento da narrativa apresenta várias soluções fáceis, em especial, na representação dos extremistas brancos (em suma, rasos e caricaturais). Mas esses elementos soam empolgantes para um público que se divide cada vez mais numa multiatenção, entre as redes sociais e os filmes pipoca. Temos, por exemplo, a opção por transformar Flip Zimmerman (Adam Driver) em judeu, ou de inserir um dispensável interesse amoroso heteronormativo para tornar os dilemas mais densos.

Mesmo dentro dessa opção narrativa questionável, há momentos de grande potência em “Infiltrado na Klan”. O conflito do protagonista é bem representado em cenas como aquela em que Ron (John David Washington), policial à paisana, empolga-se com as ideias expostas pelo ativista negro Kwame Ture (Corey Hawkins) ou debate a validade da “quebra do sistema por dentro” junto à companheira.

Indo além de seu verniz tradicional, associa-se essa escolha a uma estratégia antifascista emergente: potencializar a inserção de um conteúdo que, em seu sentido, é revolucionário, mas cuja superfície parece facilmente palatável. Percebe-se certa impaciência do diretor nessa escolha (didática, porém, menos rica) quando relacionamos a obra ao atual contexto histórico, marcado por backlashs acerca de temas progressistas. Lee abre mão de metáforas, mas reforça o ponto que busca defender: a institucionalização do racismo na sociedade norte-americana (e não apenas nela), o que reflete muito o espírito do diretor e dos espectadores de hoje.