Dario Argento disse que o horror é como uma serpente: sempre trocando de pele, sempre mudando. E que ele retorna a nossa consciência semelhante à culpa que tentamos negar. Essa fala, talvez ajude a compreender os motivos das pessoas gastarem parte do seu tempo numa sala escura de cinema para se assustarem diante de um filme do gênero. É uma espécie de sentimento perverso que guarda um fascínio em sentir medo, como uma válvula de escape para os problemas cotidianos. Logo, o cinema de horror para “alimentar” o seu público de tempos em tempos, precisa trocar a sua pele para compreender as necessidades que este cobra dele.

Isto não quer dizer que é necessário inventar algo novo, mas sim buscar elementos relevantes para audiência. O sobrenatural é o caminho ideal para isso: um medo universal que incomoda as pessoas em razão de desconhecerem o que rege a sua estrutura. O jovem cineasta James Wan parece ter abraçado está “fórmula de sustos” desde que lançou Gritos Mortais (2007), sua primeira experiência no cinema fantástico que apesar de mediana, denotava as particularidades do seu cinema como fantasmas, bonecos e casas bizarras. A franquia Sobrenatural (2010-2013) serviu como um ótimo campo de experimentações para o diretor, mas foi com Invocação do Mal (2013) que ele atingiu sua plenitude em moldar o cinema pipoca de sustos ao estilo clássico de filmes de fantasmas.

Como o primeiro filme foi um alento ao gênero de terror americano desgastado da época, além de um belo sucesso comercial, uma continuação era mais do que esperada. Para os amantes do terror, Invocação do Mal 2 (2016) é o filme mais esperado do ano. E de certa forma, Wan não decepciona: Potencializa seus sustos e atmosfera, oferecendo ao público um medo repleto de vitalidade, onde o horror e o lúdico se encontram na produção da catarse de sustos.

Vera Farmiga e Patrick Wilson estão de volta como o casal Lorraine e Ed Warren. A trama situa-se na Londres de 1977, quando a família Hodgson de Enfield se vê diante de fenômenos paranormais envolvendo a filha mais nova, Janet (a surpreendente Maldison Wolfe). Os Warrens investigarão o caso londrino, ao mesmo tempo em que terão que lidar com um conflito pessoal relacionado às suas paranormalidades.  Wan não é um Mestre do horror, bem como não inventou a roda. Mas ele sabe como poucos como funciona as engrenagens, de trocar “a pele da serpente” para nós assustar, de mexer naquele nosso medo mais primitivo em relação ao sobrenatural e brincar com os clichês de horror de forma lúdica através de referências a objetos (o jogo de Ouija e brinquedos infantis), ou pela vigorosa construção visual que explora os cantos escuros do cenário.

Invocação do Mal 2 é basicamente um ótimo truque de mágica, um ilusionismo puro de horror, onde a câmera de Wan instiga o público a um misto de terror e prazer, aquela sensação lúdica-perversa de quem deseja se assustar. Somos conduzidos através do olhar, a direcioná-lo para uma parte da imagem enquanto não vemos o truque sendo orquestrado na outra ponta da cena.

É nesta expectativa de brincar com nossos medos que reside uma das qualidades da produção, de fazer um jogo muito criativo entre mostrar e esconder. Vale ressaltar que esta mágica se torna mais divertida na atmosfera sempre forte nos filmes de Wan: ângulos de câmera pouco usuais, travellings longos que parecem espectros passeando livremente pelos corredores e quartos da casa assombrada e o interessante recurso de instigar a nossa imaginação ao desfocar a imagem em segundo plano e apresentar uma figura ao fundo, situação que funciona no ótimo e eletrizante ato final.

Apesar das belas qualidades de proporcionar medos e sustos, há elementos nesta continuação que são inferiores quando comparados ao anterior. A principal é a falta de cenas apavorantes como original. Isso não impede esta sequência a ter seus bons momentos, mas limitada a velha fórmula de sustos, desta vez sem o ineditismo do anterior. Inclusive Wan abusa do recurso de jumpscare  na metade do filme, o que diminui a experiência de querer assustar o espectador de forma eficiente, já que alguns sustos não apresentam uma finalidade narrativa consistente como acontecia no original.

Em contrapartida, há um elemento ambíguo quando se comparam ambos os filmes: o original era “certinho”, amarrado a uma fórmula classicista convencional de horror sobrenatural que arriscava pouco, mas que apresentava uma narrativa mais sólida. Já esta continuação não apresenta o mesmo cuidado narrativo, mas é mais ousada, enxertando elementos novos na narrativa desde o humor leve e cínico para quebrar o clima de tensão – a cena dos policiais é um exemplo disso – ao drama familiar, presente de maneira forte aqui, que culmina na bela cena de homenagem a música de Elvis Presley “Can’t Help Falling In Love”, uma saída poética e descontraída dentro do horror sobrenatural. Inclusive, o texto desta continuação deixa claro que o amor e os laços familiares superam o horror oculto, algo que difere do tom crítico ao catolicismo do primeiro filme.

Por fim, Wan parece mais solto para trabalhar suas releituras da metalinguagem cinematográfica dos seus filmes de cabeceira como é o caso de O Exorcista (1973) – A matriarca dos Hodgson é mãe solteira e vive em um país que atravessa mudanças sociais, fragilidades que abrem espaço para o oculto surgir semelhante ao clássico de 73 – e Poltergeist (1982), este último fonte de inspiração para o enredo da unidade familiar. Farmiga e Wilson continuam na composição firme de seus papéis, sendo o real destaque do filme a jovem atriz Maldison Wolfe.

Ainda que um pouco inferior ao original e apresente indícios de desgaste na sua fórmula, esta sequência é envolvente nos seus sustos e um ótimo exercício de encenar o cinema de horror clássico. Se no primeiro semestre de 2016 tivemos A Bruxa com o seu horror artesanal que pode até não assustar o grande público, mas que incomoda e gera medo por mexer nas nossas crenças pessoais, Invocação do Mal 2 surge no semestre que se inicia, como um produto de qualidade que se comunica muito bem com o cinema pipoca comercial da grande massa. A serpente do horror só tem a agradecer por estes dois belos exemplares, que apesar de diferentes nos seus estilos, são fieis em explorar o sobrenatural no seu viés mais assustador.