Stephen King, o renomado escritor americano de terror, uma vez escreveu que existem três níveis dentro do gênero, em qualquer manifestação artística. O primeiro é o do “nojo”, o mais básico e o mais fácil de ser conseguido – basta apresentar uma cena com sangue e vísceras e você consegue afetar seu leitor ou espectador. O segundo nível é o do horror, quando ocorre a revelação do monstro causador do medo, algo também destinado a chocar. Já o terceiro, o mais apurado e sofisticado, e aquele que muitas obras não alcançam, é o do terror propriamente dito, sustentado quando a história exercita a imaginação do publico, fazendo-o imaginar o monstro… E como se sabe, a imaginação é mais poderosa que qualquer efeito visual ou maquiagem concebível por um cineasta.

Tudo isso para dizer que Invocação do Mal, na maior parte da sua duração, situa-se neste terceiro nível. O filme do diretor James Wan vem com aquele proverbial “selo” destinado a aumentar o fator susto do espectador, o famoso “Baseado em fatos reais…”. O longa é ambientado em 1971, quando a família Perron – o casal Roger (Ron Livingston) e Carolyn (Lili Taylor) e suas cinco filhas – se muda para uma casa numa fazenda em Harrisville, Rhode Island. No primeiro dia, durante uma brincadeira das crianças, a família descobre um porão repleto de velharias, e os incidentes sobrenaturais têm início.

Uma das meninas passa a ter um amigo imaginário, outra vira sonâmbula, barulhos estranhos são ouvidos na noite, os relógios param sempre às 3:07 da manhã e, numa noite… bem, acontece algo assustador o bastante para fazer a família contatar o casal de estudiosos paranormais, e autoproclamados “demonólogos”, Ed e Lorraine Warren (Patrick Wilson e Vera Farmiga). Ambos têm experiência com esse tipo de fenômeno, mas o caso dos Perron entrou para os arquivos dos Warren como o mais assustador que eles já enfrentaram…

James Wan já tem experiência com o terror – afinal, ele despontou com o primeiro e melhor episódio da franquia Jogos Mortais (2004), e depois dirigiu Gritos Mortais (2007) e Sobrenatural (2010). De fato, Invocação do Mal parece uma versão melhorada de Sobrenatural, afinal ambos os filmes têm bastante em comum e seus roteiros seguem a mesma estrutura básica. Sobrenatural era muito bem filmado e tinha uma primeira hora muito efetiva, mas meio que decaía no terceiro ato. Isso não ocorre em Invocação, apesar deste filme também possuir alguns pequenos tropeços no seu ato final.

Impressionava em Sobrenatural o uso que Wan fazia dos elementos fílmicos para envolver o espectador num clima de medo. Em Invocação ele refinou ainda mais suas habilidades. A movimentação da câmera é precisa: num momento, quando uma personagem examina algo debaixo da sua cama e sobe de volta para ela, o movimento circular acompanhando-a contribui muito para o suspense da situação. Em outro momento, mais próximo ao final, a câmera de Wan fica de cabeça para baixo, ressaltando a anormalidade da cena. Wan rege o terror quase como se fosse música, contando exatamente os segundos precisos para extrair o máximo impacto de um pé sendo puxado no meio da noite ou para revelar uma presença no enquadramento que sempre esteve lá, mas nós não víamos… É um trabalho de direção muito interessante, capaz de consolidar a reputação de Wan como um dos mais interessantes diretores de gênero da atualidade.

Invocação também se beneficia e muito do seu ótimo elenco, composto de atores não muito conhecidos, para não estragar a suspensão de descrença, mas muito talentosos. Todos no filme funcionam, até o alívio cômico representado pelo policial, importante para dar um relaxamento para a plateia, mas merecem destaque especial as atrizes Vera Farmiga e Lili Taylor. Intérpretes sempre confiáveis, elas levam o material a sério e são responsáveis, em grande parte, pelo nosso investimento na história.

Somente no ato final Invocação chega a ter alguns problemas, principalmente por abandonar a estratégia de apostar na sugestão. O fim é o momento no qual os filmes de terror têm de finalmente mostrar alguma coisa, e Wan mostra um pouco demais e explica demais também, com um pouco de pressa… Mas são momentos que de forma alguma comprometem a experiência total. É uma história de casa assombrada, claro, com fortes influências de O Exorcista (1973) e de Poltergeist: O Fenômeno (1982) – este último deve ser o filme de terror favorito de Wan, pelo tanto que influenciou não apenas este, mas também Sobrenatural. Mas no fim das contas, o talento do narrador nos faz embarcar na história, e ele a conta de forma inteligente e verdadeira, criando assim um trabalho capaz de assustar ainda por muitos anos.

Há um momento em Invocação do Mal no qual uma garotinha aponta para um canto escuro do seu quarto, dizendo entre lágrimas que há alguém lá. Não há nada lá, mas a câmera de James Wan se detém nessa situação tempo suficiente para nós observarmos o lugar e começar a imaginar a presença ali. Neste momento, todos os espectadores ocupam o lugar daquela garotinha, e começam a imaginar coisas… É por funcionar tão bem neste nível que Invocação do Mal se torna um raro filme de terror cuja maior qualidade é apelar para a imaginação, para os nossos medos sempre vivos – do escuro, do desconhecido, do bicho embaixo da cama. É o nível mais alto mencionado por King.

E no fim das contas, não importa se foi real ou não (só de assistir ao filme é possível afirmar que houve certas “licenças artísticas”). Importa, sim, que enquanto estamos no cinema, assistindo, nós acreditamos. Acreditamos o suficiente para cobrir nossos pés direito quando formos dormir à noite.

Nota: 8,0