“O Que Não Te Disse” é o mais novo curta-metragem dirigido por nosso parceiro de Cine Set, Diego Bauer, o primeiro de sua carreira. O filme, que aborda a história de uma mulher em depressão pelo término de um relacionamento em busca de respostas para o que aconteceu, será lançado no dia 20 de outubro, às 20h, no Cineteatro Guarany. Para falar sobre a obra, convidamos sua atriz principal, Jéssica Amorim, que também elaborou o roteiro do curta-metragem. Conversamos com ela sobre a experiência de estrear duplamente no cinema.

Cine Set: Primeiro, me fala sobre a sua formação artística. O que você fez até chegar no “O Que Não Te Disse”?

Jéssica Amorim: Eu faço teatro desde os 12 anos. Sou de Fortaleza e comecei lá. Quando eu vim pra cá, dei uma parada, aos 16 anos; fiquei meio afastada por não conhecer as pessoas daqui e não conhecer os espaços. Quando entrei na faculdade, conheci um grupo de teatro lá e voltei. Depois de um tempo, me afastei de novo por causa da faculdade e outras prioridades, e quando decidi retornar, o Diego [Bauer] decidiu me convidou para fazer o “O Que Não Te Disse”. Esse é o meu primeiro curta, nunca tinha atuado em curta, só feito teatro.

CS: E você está em algum grupo de teatro agora?

J.A: No momento, estou fazendo o espetáculo “Inquietações”, do Núcleo de Teatro da Artrupe Produções, que será apresentado no Festival de Teatro no dia 12. Também sou do Núcleo de Dança da Artrupe.

CS: “O Que Não Te Disse” foi então seu primeiro trabalho envolvendo cinema e audiovisual?

J.A: Na verdade, na faculdade de Jornalismo temos módulos voltados para o audiovisual. A gente chegou a fazer um curta documentário de seis minutos sobre o cantor Nunes Filho, mas lá eu tinha exercido mais a função de produção e direção. Não cheguei a ficar com o roteiro, especificamente. Fora isso, eu também participo de um projeto chamado Human Connection Project, que é de uma professora da PUC-SP e um professor da Universidade de Harvard, e a proposta deles é dar imagens e sons pré-estabelecidos para fazermos um audiovisual de até 5 minutos com eles, da forma que quisermos, como ficção, reportagem, documentário. O projeto está na segunda edição esse ano. Nessa semana mesmo, acabamos de gravar todas as cenas. No ano passado, fizemos um vídeo mais experimental.

CS: Nesse projeto, você começou a se envolver com a questão da produção de roteiro?

J.A: Nessa edição desse ano, eu fiquei mais responsável por roteiro e direção. No ano passado, foi mais experimental e as funções não ficaram bem definidas.

CS: E de onde veio a ideia de escrever o roteiro de “O Que Não Te Disse”?

J.A: Na verdade, o Diego queria fazer muito um curta. Ele já tinha um roteiro, chamado “Zé”, que foi colocado em alguns editais, mas que não conseguiu ainda ser aprovado. Então ele começou a se questionar se não precisava de um outro roteirista. Eu sempre gostei de escrever, mas nunca tinha tentado nada para cinema, mas ele chegou e disse “Jéssica, eu queria que você escrevesse um roteiro pra mim”. Também explicou que queria que fosse um roteiro simples, com locações bem limitadas, uma ou duas, com poucos atores, e que fosse sobre uma moça saindo da depressão. Ele jogou o argumento. Foi quando eu escrevi o roteiro, e acredito que seja um roteiro meio literário, e que ele que colocou depois nos parâmetros da técnica cinematográfica. Acho que ele funciona como um co-autor, nesse sentido.

CS: Me chamou a atenção o roteiro ser sobre uma mulher e trazer a perspectiva da mulher, uma coisa que não é muito explorada aqui. Isso foi algo que o Diego impôs ou era uma ideia que já estava germinando pra você?

J.A: Eu nunca tinha pensado em escrever sobre uma mulher que estava saindo de um relacionamento, por exemplo. Mas a minha escrita acaba resultando feminina demais, eu diria assim. Acho que isso se exalta no roteiro, quando o Diego me passou o argumento. E quando ele me falou que queria que eu atuasse, eu acabei me colocando muito no roteiro; foi até difícil na hora de atuar.

CS: Já foi decidido desde o início que você seria a protagonista? Como surgiu essa ideia?

J.A: Eu confesso que já não tenho mais tanta certeza sobre isso! O Diego disse, antes de eu escrever, que queria que o filme tivesse poucos atores, e depois que eu escrevi ele perguntou se eu toparia atuar também, acho que até pela logística de tudo. Ele sabia que eu estava querendo voltar a atuar e foi assim que eu entrei, mas acho que no fundo não foi uma coisa que estava definida desde sempre, até porque se estivesse, eu não teria escrito tão livremente. Então depois que eu terminei o roteiro, ele revisou, discutimos algumas coisas como a presença dos muitos offs que o filme originalmente tinha, e depois ele falou com o pessoal da Artrupe e perguntou se estava ok para produzir com eles e se eu podia atuar também.

CS: Então esse não foi um curta que já nasceu ali no contexto da Artrupe?

J.A: Ele começou vendo tudo só comigo, desde o roteiro. Depois que o roteiro ficou pronto, ele levou à Artrupe.

CS: Nesse filme você não tem diálogos e praticamente não tem interação com outro ator. Como foi para você atuar assim, sozinha?

J.A: Eu acho que foi confortável por um lado, e ao mesmo tempo a gente sente falta do feedback de outras pessoas. Tirando uma cena em que o Diego aparece, eu realmente estou sozinha e me dava a sensação de que faltava preencher alguma coisa. Mas acho que para a atuação, o mais difícil foi que eu tinha me colocado muito no texto, e  aí na hora de atuar, acho que, até o momento em que o Diego disse “esse é o caminho que eu quero”, eu ficava sempre buscando o caminho que eu era. Isso foi o mais difícil de atuar sozinha, mas o Diego tinha muita consciência do que ele queria, então isso facilitou também.

CS: Como roteirista, o que você achou que foi mais desafiador?

J.A: Acho que essa é uma pergunta difícil de responder. Acho que, como roteirista, o mais difícil, e isso os meninos da Artrupe pontuaram, foi o fato de que o roteiro era muito literário. Acho que até hoje, ele é, porque de fato eu nunca tinha experimentado a linguagem do audiovisual. Eu sempre gostei muito de escrever, mas a minha parada sempre foi mesmo literatura, nunca tinha tentado outra coisa. Para mim, as questões técnicas de um roteiro cinematográfico foram um pouco complicadas de acompanhar. Também teve a relação roteirista-diretor, porque quanto eu escrevi, eu pensava uma coisa, e o Diego, dirigindo, transformou em outra, e no começo a gente ainda discutia tipo “Não, não é bem por aí”, e eu dizia “Mas quando eu escrevi, eu tinha pensado nisso e nisso”… a relação roteirista-diretor foi mais difícil que a relação atriz-diretor, mas depois de um tempo a gente se entendeu. Compreendi o que ele queria, e o Diego desde sempre não queria que o filme fosse muito explícito, e talvez por isso ele tenha tirado tanto os meus offs, que eram muitos. Como atriz, esses offs foram meio difíceis também, porque não é uma coisa que a gente use muito no teatro, por exemplo; mesmo quando você está num monólogo, você fala tudo na hora. Já gravando depois, para mim foi um pouco complicado.

CS: Acredito que, à primeira vista, uma coisa que chamará a atenção no filme serão as cenas de nudez. Isso também te deu alguma dificuldade?

J.A: Quando eu escrevi o roteiro, já tinha nudez. Não foi algo que, de forma alguma, foi sugerida pelo Diego em nenhuma das cenas. Escrevi de forma muito consciente, e quando ele me chamou para fazer, era uma coisa que eu sabia que tinha que fazer. Já cheguei a fazer algo semelhante no teatro, mas não daquele jeito, então acho que posso dizer que foi minha primeira vez. Pelo menos na hora de gravar, foi muito tranquilo. A única preocupação que surgiu foi depois, na hora de contar pros meus pais, porque eles me acompanham e apoiam muito, apesar de preferirem que eu invista mais na minha formação no jornalismo e não pela arte, mas eles nunca me param ou dizem para não fazer nada. Mesmo assim, contar para eles foi a parte mais difícil, eu acho, mas depois que eu contei, foi tranquilo.

CS: Já estava pronto mesmo, né?

J.A: É (risos)! Foi bem isso. De fato, eu esperei estar pronto para falar para eles, porque eu tinha medo que eles influenciassem de alguma forma na minha atuação, então preferi contar depois.

CS: Tem essa questão bem específica do filme, que é o fato de o Diego ser o diretor e ser também seu namorado. Como foi essa relação?

J.A: Desde o começo, antes de começarmos a gravar, conversamos muito, só nós dois nesse ponto, porque do mesmo jeito que o Diego queria fazer um trabalho digno, a gente não queria que nosso relacionamento nem influenciasse e nem fosse destruído relação profissional (risos)! A gente tentou realmente separar as coisas. Tivemos discussões, mas eram discussões de diretor e atriz ou diretor e roteirista, mas nossa relação pessoal não influenciou em nada disso. Mesmo depois do filme pronto, na pós-produção, o Diego me mostrou poucas vezes o filme porque ele sabe que eu sou muito chata, e ele sabia que se me mostrasse, eu ia falar um monte de coisas até fazer ele desistir, sei lá (risos), então acho que nossa relação até ajudou nesse ponto. Como ele me conhece muito, ele me deixou ter um contato mínimo com a pós-produção, e só fui ver mesmo o filme depois de praticamente pronto. Eu acho que era um pouco o que eu queria mesmo, porque acho que, nesse ponto, meu trabalho já tinha terminado: eu já tinha feito o roteiro, já tinha sido atriz, então o resto não dependia mais tanto de mim.

CS: “O Que Não Te Disse” vai ser lançado agora dia 20. O que vocês já estão planejando de trajetória pra esse filme?

J.A: O Diego e a Artrupe tem muito interesse em fazer cópias depois da estreia e também mandar para o máximo de festivais possíveis, tanto os do Brasil como festivais de curtas-metragens internacionais. A ideia é mandar, com certeza, para o Amazonas Film Festival, mas ele não será o único festival. Até o ano que vem, a gente pretende estar divulgando isso aí e eu acredito que, futuramente, o filme seja vendido após os festivais. No momento, a ideia é fazer o filme participar do máximo de festivais possível.

CS: O que você achou da experiência com o cinema? A gente pode esperar mais trabalhos seus no futuro?

J.A: Eu já gravei outro filme. “O Que Não Te Disse”, eu gravei em abril; em junho, o Rafael [Ramos, diretor de “A Segunda Balada”] me chamou para fazer um filme com roteiro e direção dele, chamado “A Menina do Guarda-Chuva”. Esse filme também está quase finalizado, acho que vai sair em breve. Ele tem uma história bem diferente, sobre um menino que tem problemas de perda de memória recente e conhece uma menina e isso afeta a forma como eles se relacionam. Eu, no caso, sou a menina do guarda-chuva, a Maria Castro. Eu acho essas experiências interessantes. É bem diferente do teatro, porque o processo do teatro é muito mais sugador. A gente fica seis, sete meses ensaiando e mudando o tempo todo, que é uma coisa que a produção de cinema não permite. Talvez se houvesse mais investimento de dinheiro, pudesse durar mais esse processo, mas é muito caro e não tem como fazer esse tipo de coisa. Foi bem diferente ficar uma semana em ensaio, e depois uma semana dentro de um set gravando direto, o dia inteiro. Foi um envolvimento que eu imaginava como seria, e ainda assim ultrapassou minhas expectativas. Uma desvantagem é que, no teatro, a gente pode continuar mudando; a gente erra e tem segundas chances. Tive muita dificuldade de lidar com essa diferença, e como o filme do Diego foi o meu primeiro, foi ainda mais complicado. No do Rafael, eu já tentei melhorar um pouco esse ponto, mas eu gostei muito de fazer cinema e espero muito fazer de novo, mesmo porque depois do espetáculo “Inquietações”, vou dar uma nova afastada do teatro, até por estar fazendo monografia na faculdade. No ano que vem, o Rafael está com um novo roteiro aprovado pelo edital da Manauscult. O filme do Diego, o do Rafael e esse segundo dele, todos foram aprovados nesse edital.

CS: E qual é o nome desse segundo filme do Rafael Ramos?

J.A: “E Se Essa Estrada Não Levar a Lugar Nenhum”. Mas é possível que ele mude o nome. Acho que vai ser gravado em janeiro, e provavelmente eu estarei nele de novo. É uma produção maior que o “O Que Não Te Disse” e o “A Menina do Guarda-Chuva”, porque ele é meio um road movie, então será uma produção mais complicada.

CS: Além de atuação, já tem alguma ideia em mente para um próximo roteiro?

J.A: O Diego já quer que eu faça um outro roteiro para ele (risos)! Mas minha prioridade nesse momento é a monografia, não tenho nada em mente ainda. Por enquanto, acho que vou ficar só na atuação. Vai demorar um pouquinho para voltar para o roteiro de novo.