A coluna Filmografia do Cine SET foi criada para apresentar nomes do cinema cuja consistência e inspiração levaram à criação de uma obra, um conjunto de filmes, e não apenas um ou dois grandes trabalhos isolados (supondo que haja muitos realizadores com um grande filme no currículo).

Mas a coisa se complica quando o homenageado é, em vários sentidos, um dos próprios artífices dessa coisa chamada cinema. John Ford (1894-1973) nasceu quase ao mesmo tempo em que essa arte (cuja data oficial de nascimento é 28 de dezembro de 1895) e, numa carreira longuíssima, que vai da primeira década do século passado até 1966 (ano de Sete Mulheres, seu derradeiro longa), enfileirou obras-primas, clássicos seminais que ajudaram a amadurecer e consolidar a própria linguagem do cinema, a maneira de se articular imagens em movimento para criar narrativas e expressar ideias e sensações. Nada mais justo, portanto – e aqui eu finalmente consigo prestar esse tributo – do que começar o ano com ele.

(Cabe avisar, porém, que apresentar de forma integral a filmografia de Ford está além do alcance desta coluna, ou mesmo de qualquer historiador. Não só a maioria de seus filmes mudos, e alguns dos talkies do começo da década de 1930, estão irremediavelmente perdidos, no todo ou em parte, como o próprio volume de filmes do homem – 140 (!), segundo o IMDB – tornaria penosa e enfadonha a tarefa de dar conta da obra inteira do cineasta. Portanto, mais do que um estudo com pretensões de profundidade, o Filmografia de hoje é apenas um convite ao leitor que ainda não conhece a magia de John Ford – ou, para os que já são íntimos e apaixonados, uma celebração do homem e sua obra).

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Nascido John Martin Feeney (há confusão quanto ao nome de batismo de Ford – em algumas biografias ele aparece como Sean Aloysius, e o Feeney é grafado como O’Fearna ou O’Fienne) em 1º de fevereiro de 1894, em Cape Elizabeth, no estado americano do Maine, John Ford esteve desde cedo impregnado da arte recém-nascida. Apesar da origem proletária, numa família de imigrantes irlandeses – tema que lhe seria caro em vários filmes importantes, como O Delator (1935) e Depois do Vendaval (1952) –, John, seguindo os passos do irmão mais velho, Francis, um ator de vaudeville que decidira embarcar no novo bonde, mudou-se para a Califórnia em 1914. À época, Francis Ford era um dos artistas mais populares do cinema americano, escrevendo, dirigindo e interpretando várias produções por ano, e trabalhando com luminares da época, como o diretor Georges Méliès (Viagem à Lua) e o produtor Thomas Ince. Na condição de assistente de Francis, John (usando o nome artístico de “Jack Ford”) fez de tudo um pouco – atuação, câmera, efeitos, até trabalhos como dublê –, e essa formação ampla, somada à demanda por novos cineastas, mais a liberdade de criação e experimentação da nova arte, ainda incipiente, dariam a Ford um know-how privilegiado do ofício.

E ainda havia a sorte. John participaria como ator (ele é o homem que ergue o capuz – da Ku Klux Klan, no less – numa cena marcante) do filme que é considerado a invenção do cinema – ou, ao menos, da gramática do cinema como o conhecemos: O Nascimento de uma Nação (1915), de D. W. Griffith. Com tudo isso, John Ford tinha de se tornar o que se tornou.

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Na imensa (e não só na quantidade) produção do diretor, é difícil determinar qual foi, de fato, o seu primeiro filme. Há estudiosos, como o americano Ephraim Katz, que afirmam que em 1914 ele já dirigia filmes, mas o primeiro trabalho comprovadamente realizado por “Jack” Ford como diretor é O Furacão, de 1917, há muito considerado perdido. Em seus primeiros dez anos na indústria (1917-1928 – o período é contado a partir de O Furacão), Ford fortaleceria as fibras fazendo até quinze filmes por ano, a maioria curtas, em gêneros que iriam do drama ao western – este último considerado a marca registrada do diretor, graças à beleza insuperável de obras como No Tempo das Diligências (1939), Paixão de Fortes (1946) ou Rastros de Ódio (1956). Muitos se provariam bastante populares, como O Último Cartucho (agosto de 1917), seu primeiro filme em longa-metragem (67 minutos), e sua obra mais antiga preservada, além de ser um dos únicos sobreviventes da longa colaboração de Ford com seu primeiro intérprete icônico: Harry Carey (1878-1947, estrela em 25 filmes do diretor). A partir de Sota, Cavalo e Rei (1923), John Martin abandona de vez a alcunha de “Jack Ford”, e passa a atender pelo nome com o qual se imortalizaria: John Ford.

Apesar do sucesso, não seriam essas dezenas de curtas (e eventuais longas) iniciais que fariam os amantes de cinema suspirar por John Ford. Para esses, a carreira do diretor decola de fato a partir de O Cavalo de Ferro (1924), sua épica versão para a construção da Ferrovia Transcontinental americana. Uma produção cara, complicadíssima para os padrões da época, com dezenas de sets e milhares de figurantes, o filme foi uma aposta arriscada do diretor junto à cúpula do estúdio Fox, que ameaçou cancelar a produção várias vezes. Foi somente com a intervenção de William Fox, o próprio dono da raposa, que garantiu os custos, que Cavalo afinal chegou às telas, para se tornar uma das grandes bilheterias da década de 1920, arrecadando dez vezes mais do que os 280 mil dólares empenhados na produção. Por sinal, a obra é um deleite: avançando mais e mais no estilo elegante, de precisão absoluta, do diretor, e com cenas que até hoje impressionam pela beleza épica, ele só não envelheceu tão bem quanto, digamos, Murnau ou Keaton, por carregar vestígios daquela solenidade pomposa de Griffith – elemento que o diretor despojaria de vez do seu cinema em pouco tempo.

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Já um dos principais nomes da nova indústria, John Ford revelaria uma capacidade única para se adaptar às mudanças do cinema americano. Com a chegada dos filmes sonoros, caberia a ele filmar a primeira sequência musical num filme da Fox, Minha Mãe (1928) – que, aliás, traz uma ponta do ator que seria o mais perfeito intérprete do cineasta: John Wayne (1907-1979). Não seria aqui, porém, que começaria a parceria entre os dois. Em vez disso, Ford continuou mergulhado no trabalho, experimentando diferentes gêneros e abordagens. O western, estilo que o consagraria e do qual ele foi talvez o maior artífice, atravessaria a década de 1930 em baixa, relegado aos estúdios mais pobres, como o Grand National e o Republic. Para o diretor, ligado nessa época à Fox, o período é marcado principalmente por filmes urbanos, com uma forte influência do cineasta alemão F. W. Murnau (1888-1931), um dos pais do Expressionismo e autor do clássico Aurora (1927).

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Por sinal, foi nos sets desse filme que Ford ambientou o longa Quatro Filhos, de 1928. Maravilhado com as soluções narrativas ousadas, o uso inovador da iluminação e da profundidade de foco pelo alemão, Ford começaria a experimentar ele mesmo essas técnicas, em filmes como Justiça de Amor (1928) e Médico e Amante (1931 – o primeiro filme de Ford a ser indicado ao Oscar, incluindo Melhor Filme). Suas melhores obras do período, porém, são A Patrulha Perdida (1934), um drama ambientado na 1ª Guerra Mundial e estrelado por Victor McLaglen, parceiro do diretor em vários filmes, e o magnífico O Delator (1935), sua primeira obra-prima.

Ambientado na guerra de independência da Irlanda, na década de 1920, com o mesmo McLaglen à frente, O Delator, como o nome diz, trata de um caso de “informação” motivada por desespero, e com resultados desesperadores para o protagonista “Gypo” Nolan (McLaglen). Se hoje o final aparentemente redentor soa ingênuo, a atmosfera gélida, implacável do filme até ali, com a fotografia espetacularmente sombria e contrastada de Joseph H. August, bastante influenciada por Murnau, criariam um trabalho atípico, muito mais alinhado à moralidade dúbia dos filmes noir do que às produções alegres e escapistas que eram a norma dos grandes estúdios americanos no período. Exaltado em seu lançamento como possivelmente o melhor filme já feito, O Delator não chega a tanto, até em comparação com filmes posteriores de Ford, mas é um clássico que segue imune à passagem do tempo. Primeiro dos quatro Oscars de Melhor Diretor de Ford (recorde que ele mantém até hoje, por sinal).

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Até aqui, foram vários filmes importantes, mas a verdade é que ainda nem chegamos à melhor fase do cineasta. Para os fãs de Ford, ele só vira um gigante do cinema americano a partir de 1939, ano em que ele emplaca uma sequência quase perfeita de clássicos até 1941, quando se alistaria para participar da 2ª Guerra Mundial. Abrindo os trabalhos, um filme estarrecedor pela qualidade e pura beleza: No Tempo das Diligências (1939). Na opinião deste escriba, trata-se do maior filme do diretor, uma daquelas obras perfeitas, mesmo com o retrato pejorativo das populações indígenas que seria a marca do western até pelo menos a década de 60.

Primeiro faroeste do homem desde Três Homens Maus, de 1926, o filme é um recomeço, em mais de um sentido, para o gênero. Aqui Ford inaugura uma série de marcos do estilo: entra em cena o Monument Valley, uma vasta extensão de rochas e montanhas no estado do Utah que seria o emblema máximo do western, com seus picos e formações planas, lembrando mesas, dando uma moldura épica aos embates dos pioneiros; o nível das cenas de ação também se eleva, com as eletrizantes perseguições a cavalo, os stunts pioneiros dos dublês, como o famoso salto da diligência, a tensão dos duelos e a surpreendente cena da flechada, que inclui até um tímido esguicho de sangue; personagens que são quase uma coleção de arquétipos do western, como a donzela, o médico bêbado, a prostituta e o justiceiro fora-da-lei – este último, por sinal, vivido pelo homem que é a própria personificação do western: John Wayne, que retorna em grande estilo como o carismático e sedutor Ringo Kid. Acima de tudo, estão a perfeição formal de Ford no ritmo, tom e nos enquadramentos, que elevariam o bangue-bangue a uma forma de arte, e o sucesso popular da obra, que restauraria a confiança dos grandes estúdios e abriria caminho para os grandes filmes de Howard Hawks (Onde Começa o Inferno), George Stevens (Os Brutos Também Amam), Fred Zinnemann (Matar ou Morrer) e Sergio Leone (Três Homens em Conflito) no estilo. Orson Welles, então um prodígio do Mercury Theatre, confessou ter assistido mais de 40 vezes a No Tempo das Diligências, na preparação para Cidadão Kane. Mais comentários sobre o maravilhoso encontro de nove estranhos numa diligência são desnecessários.

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Incrivelmente, 1939 ainda veria a biografia A Mocidade de Lincoln e o western Ao Rufar dos Tambores, ambos com Henry Fonda, grandes filmes por direito próprio. 1940, por sua vez, seria o ano de As Vinhas da Ira novamente com Fonda, uma história sobre injustiça social que soa incrivelmente de esquerda, quase comunista, para o cinema americano da época (ainda mais quando se considera que foi o filme rendeu o segundo Oscar de direção a Ford), além, claro, de ser outro esplendor de imagem e drama; e A Longa Viagem de Volta, drama com ecos da Odisseia de Homero, sobre um grupo de marinheiros que enfrenta perigos na volta para casa, estrelado por John Wayne. O incrível surto criativo de Ford continua com a comédia Caminho Áspero e o drama nostálgico Como era Verde o Meu Vale, ambos de 1941. Vale, hoje em dia, é mais lembrado por ter sido a obra que rifou o Oscar de Cidadão Kane, mas o filme também é um clássico à sua maneira singela, obviamente atrás dos maiores filmes de Ford. Sua bonita (e, vá lá, sentimental) história de uma infância insular no País de Gales, apresentada como uma elegia ao mundo pré-Grande Guerra, renderia o segundo Oscar de direção para o artista.

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Durante a 2ª Guerra Mundial, Ford se alistaria no exército americano, como diretor de documentários para o esforço de guerra. Ele era o chefe da unidade cinematográfica durante o desembarque das tropas americanas na Normandia, registrando em primeira mão (e em cores, como George Stevens conseguiu apenas de forma privada em D-Day to Berlin) o fogo cerrado enfrentado pelos soldados durante a conquista da praia. Esse filme, que hoje teria um valor incalculável, foi arquivado e talvez destruído pelo governo americano, possivelmente, segundo Ford, por registrar a morte e a mutilação de centenas de soldados americanos. No Pacífico, o diretor foi atingido por disparos de combatentes japoneses, mas conseguiu levar a cabo outro registro valioso, o curta documental A Batalha de Midway (1942). Recebido com honras militares nos Estados Unidos, o diretor dirigiu o drama de guerra Fomos os Sacrificados (1945), com Robert Montgomery e John Wayne, que ele depois descartaria como um de seus piores filmes. Como aconteceria também a Stevens, que depois de voltar da guerra faria filmes cada vez mais dramáticos e complexos, a paisagem moral dos filmes de John Ford se adensa nos anos após o conflito.

Seu primeiro filme de destaque do pós-guerra é o maravilhoso western Paixão de Fortes (1946). Uma recriação do confronto de Wyatt Earp e Doc Holliday contra a quadrilha Clanton, um dos eventos mais icônicos do Wild West, o filme traz performances inesquecíveis de Henry Fonda, como Earp, Linda Darnell, como a prostituta Chihuahua, e especialmente Victor Mature (de Sansão e Dalila), como um Doc Holliday improvavelmente apaixonado por Shakespeare. O lançamento em DVD no Brasil traz o corte original de Ford, com uma música menos reiterativa e final diferente. O sucesso e aclamação do filme levariam o diretor a recusar um contrato milionário com a Fox para fundar sua própria produtora, a Argosy Pictures, que ele usaria para despejar uma série de filmes que poderia ser quase uma lista dos maiores westerns da história: Domínio de Bárbaros (1947), com Fonda, um grande favorito do próprio diretor, com fotografia de Gabriel Figueroa, futuro colaborador de Luis Buñuel; Sangue de Herói (1948), reunindo Wayne e Fonda, o primeiro de sua celebrada “Trilogia da Cavalaria”, que incluiria ainda Legião Invencível (1949) e Rio Grande (1950), todos impecáveis; O Céu Mandou Alguém (1948), um dos favoritos deste que vos escreve, com sua história sobre três foras-da-lei que têm de cuidar de um bebê recém-nascido, trazendo Wayne, o mexicano Pedro Armendáriz e Harry Carey Jr., filho do grande caubói dos anos 20; e o sensacional Caravana de Bravos (1950), com o velho conhecido Ben Johnson (de A Última Sessão de Cinema) e roteiro do próprio Ford, algo que ele não fazia desde 1930. O sucesso modesto desse último obrigou Ford a desfazer a Argosy, levando-o à pequena Republic, onde ele rodaria Rio Grande em inacreditáveis 32 dias, para poder se concentrar em outro ponto culminante de sua carreira: Depois do Vendaval (1952).

Já seria um dos filmes mais bonitos do cinema apenas com a força de suas imagens fabulosamente coloridas da Irlanda, mas Depois do Vendaval é muito mais: um tributo elegíaco à paisagem dos ancestrais de Ford, um retrato pitoresco e amoroso, que cristalizaria a imagem da Irlanda e seus homens fanfarrões, mas firmemente apegados a noções de honra e tradição. E, claro, um festival de grandes atuações da trupe de Ford, com John Wayne, Ward Bond, a belíssima Maureen O’Hara, Victor McLaglen e o extraordinário Barry Fitzgerald, como o filósofo de rua Michaeleen, todos criando personagens que ainda são fascinantes sessenta e tantos anos depois. Entendo o argumento de quem acha que esses machões irlandeses, que disputam aos socos a autorização de um dote para não “desonrar” a mulher recém-casada, são datados e ridiculamente reacionários. Mas quer saber? O humor do filme em relação a tudo isso, os personagens densamente caracterizados, mais a beleza estupenda das imagens só fazem Depois do Vendaval ficar mais poético, como pinturas sacras ou esculturas de deuses que já não nos dizem nada, mas nunca deixaram de encantar o olhar.

O Sol Brilha na Imensidão (1953), outro favorito pessoal do diretor, funciona com a mesma percepção. Sua história de um juiz bondoso, William Priest (Charles Winninger – o papel é o mesmo vivido pelo promissor Will Rogers na década de 1930), que, às vésperas de uma eleição em que ele é candidato, tem de tomar medidas “impopulares”, como impedir o linchamento de um jovem negro, ou acompanhar o enterro de uma prostituta, acaba se revelando mais poético e humanista do que revelador dos possíveis preconceitos de Ford.

Em 1955, brigas entre o diretor e seu intérprete de longa data, Henry Fonda, nas filmagens de Mister Roberts, acabariam por encerrar a maravilhosa parceria iniciada em A Mocidade de Lincoln. Vivendo um inferno pessoal por conta do alcoolismo, Ford conseguiu reunir forças para produzir o que, para muita gente, é o seu testamento cinematográfico definitivo: Rastros de Ódio (1956).

Outro dos filmes que definem o cinema: não há quem não conheça os famosos planos de abertura e encerramento, onde uma porta aberta encontra a silhueta altiva e solitária de John Wayne, ou sua maravilhosa resposta para os desafetos: “o dia vai chegar” (“There’ll be the day”). Ou, ainda, o famoso clímax, onde o rancoroso e racista Ethan Edwards (Wayne), após anos caçando os índios que raptaram sua sobrinha, Debbie (Natalie Wood), a encontra integrada aos comanches, e pensa em matá-la por isso. O ápice do adensamento moral nos filmes do diretor, Rastros de Ódio é também um dos pontos altos do gênero outrora mais fértil do cinema americano, um monumento às possibilidades de ação, suspense, comédia e tragédia do western, tão leve e acessível quanto denso e visceral.

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Trabalhando no cinema desde 1914, é espantoso constatar como Ford se manteve um artista tão alto na qualidade e relevante para o público até a década de 1950. Mas, um pouco como a própria Hollywood que ele ajudara a criar, Ford começaria a perder no terreno no fim da década. A revolução dos cinemas novos em todo o mundo, estimulada pela Nouvelle Vague francesa, inspiraria movimentos de questionamento e subversão da estética clássica hollywoodiana, que era a própria essência da arte de Ford. Mesmo com a admiração irrestrita de gente da própria NV, como Godard, ou de criadores então hipermodernos, como Ingmar Bergman e Akira Kurosawa, os filmes tardios de John Ford passariam a dialogar apenas com o público que cresceu vendo seus filmes, e não mais com os jovens.

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Mas ainda houve espaço para surpresas. O Homem que Matou o Facínora (1962) é geralmente tido, com justiça, como o último grande filme de John Ford. Com sua história desiludida sobre aparências, memória e a injustiça da fama, a obra reuniu as lendas John Wayne e James Stewart num glorioso western em preto e branco, crepuscular e triste, mas que mostrava que o gume do diretor continuava tão afiado quanto sempre fora. Apesar da aclamação geral, e de ser mais reverenciado do que nunca, Ford não conheceria mais o mesmo sucesso. Suas obras tardias ainda repercutiriam, como o épico A Conquista do Oeste (1962), com um elenco estelar, ou a comédia O Aventureiro do Pacífico (1963), a derradeira colaboração com John Wayne, mas, com a visão e a memória espantosas (Ford compunha todos os seus planos de cabeça, sem nunca ter feito um storyboard) em franco declínio, e a limitação de ser considerado apenas um diretor de westerns, julgamento injusto diante da amplitude de seus trabalhos, restaria a Ford lutar para levar a cabo seus últimos projetos.

Apesar disso, Crepúsculo de uma Raça (1964), sua despedida do Velho Oeste, espécie de expiação pelas injustiças cometidas contra os nativo-americanos, bem como sua última obra, Sete Mulheres (1966), um drama sobre mulheres missionárias na China dos anos 30, são testemunhos eloquentes da espantosa precisão do cinema de Ford. Econômicos, austeros, com planos de elegância insuperável, os últimos filmes de John Ford comprovam a vocação do homem que nasceu junto com o cinema, e que viveu para torná-lo uma arte maior, tão sublime, evocativa e intrigante quanto a pintura, a música ou a literatura mais perfeitas.

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John Ford, cujos filmes eram considerados por seu único colega à altura no cinema americano, Alfred Hitchcock, como uma “gratificação visual”, ficaria completamente cego. Ele morreria em 1973 no conforto de sua residência em Palm Springs, Califórnia, uma casa cujos interiores eram decorados por reproduções de um de seus clássicos, A Longa Viagem de Volta. Ele tinha 79 anos. Sua obra estará para sempre no panteão dos que amam o cinema.

P.S.: agradecimentos ao site da Mostra John Ford, por disponibilizar gratuitamente a ficha técnica e os títulos em português de todos os filmes do diretor.