A carreira do fotógrafo e cineasta Jorge Bodanzky tem uma forte ligação com a Amazônia. Nascido em 1942, Bodanzky se formou em cinema na Alemanha. Ao voltar para o Brasil no final dos anos 1960, começou a trabalhar como repórter fotográfico para a revista “Realidade”. Nas suas andanças pelo Brasil, conheceu a região amazônica, onde seu clássico filme Iracema: Uma Transa Amazônia (1974) viria a ser rodado.

Até hoje impactante por misturar características de documentário com uma narrativa ficcional, Iracema seria apenas o primeiro trabalho de Bodanzky na Amazônia, pois ele acabou retornando à região para filmar outros projetos no decorrer dos anos – incluindo Navegar Amazônia – Uma Viagem com Jorge Mautner (2007), vencedor do prêmio do público de melhor documentário no Amazonas Film Festival.

O Cine Set entrevistou Jorge Bodanzky durante a sua participação no seminário “O Documentário na Amazônia” do Navi (Núcleo de Antropologia Visual) da UFAM.

Cine Set – Fale um pouco do início do seu envolvimento com o cinema.

Jorge Bodanzky – Eu era estudante na Universidade de Brasília, entrei lá em 1964. Ingressei em Arquitetura, mas a universidade tinha como proposta de ensino você não se especializar de início. Você fazia dois anos e era obrigado a fazer matérias de todas as áreas. E havia um curso de apreciação cinematográfica na central de artes, ministrado pelo crítico e fundador da cinemateca de São Paulo, o professor Paulo Emílio Sales Gomes. Ele dava esse curso todos os sábados, e deu o curso em cima de um filme, Hiroshima Mon Amour (1959) de Alain Resnais.

Foi tão interessante a maneira como ele apresentou esse filme, que nos ensinou a olhar o cinema. A partir desse momento, eu me interessei pelo cinema de uma forma mais profunda. Eu já apreciava o cinema, mas nunca tinha imaginado que podia me interessar a ponto de querer fazer cinema. Mas a universidade foi fechada depois do golpe de 1964, e em 1965 eu comecei a trabalhar como fotógrafo de imprensa, e consegui uma bolsa para a Alemanha.

Lá, entrei numa escola de cinema mesmo, a Escola de Design de Ulm, departamento de cinema. Em 1967 voltei para o Brasil. Me sustentava como fotógrafo, mas também fazia câmera para correspondentes estrangeiros. Numa dessas viagens como fotógrafo para a revista “Realidade” de Editora Abril, fui parar na Belém-Brasília e a matéria não deu certo, por alguma razão qualquer. Fiquei num posto de gasolina esperando o repórter, observando a movimentação à beira da estrada, e aí surgiu a ideia de contar a história da estrada através de dois personagens importantes, o chofer de caminhão e a menina que se prostitui.

Na época a Belém-Brasília era uma estrada de terra ainda, mas a história ficou na minha cabeça e anos depois eu consegui produzir esse projeto a partir de um programa da TV alemã que deu origem ao Iracema: Uma Transa Amazônica. Esse foi o inicio do meu primeiro filme de direção que fiz junto com o Orlando Senna, o início do meu cinema amazônico.

Cine Set – Quais foram suas influências iniciais?

Bodanzky – Uma influência importante foi o documentarista francês Jean Rouch, que trabalhava com som direto, foi um dos pioneiros do som direto. O Iracema, eu fiz com som direto. Ele também foi um pioneiro na mistura de elementos de ficção com documentário, técnica que utilizei neste filme. Outro cineasta, embora eu não diria que foi uma influência, mais uma inspiração, é o Werner Herzog, que fez Aguirre: A Cólera dos Deuses (1972), Fata Morgana (1971), e outros filmes importantes do cinema alemão. Ele fez também Fitzcarraldo (1982), rodado aqui.

Cine Set – Você realizou filmes em co-direção. Quais os prós e contras de não ser o único diretor de um filme?

Bodanzky – Cinema, você não faz sozinho. É um trabalho de equipe. Se a gente se une com alguém para ajudar na direção, é com um objetivo. Por exemplo, no caso do Orlando Senna, ele tinha uma experiência de teatro, ele sabia dirigir atores, coisa que eu não sabia. Então, nós nos complementávamos dessa maneira. Já o Wolf Gauer [com quem trabalhou em Os Muskers (1978)] é um germanista alemão que fazia roteiros. Ele tinha conhecimento das tradições alemãs que eu não tinha… Então, essa é uma forma de você complementar a sua vocação.

Cine Set – O senhor é muito envolvido com o ensino acadêmico: Deu aula na USP, na Unicamp, na UnB… Ao mesmo tempo, no seminário na UFAM, o senhor falou que só se aprende a fazer filmes vendo filme e “botando a mão na massa”. Como encara os cursos de cinema?

Bodanzky – Temos pouca produção de cursos de cinema no Brasil, poucas escolas, e seria tão importante ter mais. Acho que, quando se tem uma cinematografia expressiva, é preciso formar as pessoas, e somos muito carentes nessa formação. Acho fundamental se dedicar à formação. São poucas escolas, algumas caras, mas quem tem a oportunidade de estudar cinema leva uma grande vantagem.

Cine Set – O que despertou seu interesse em retratar a Amazônia?

Bodanzky – Foi o meu trabalho como repórter fotográfico. Eu por acaso vim parar aqui, e uma vez que você começa a conhecer e abordar os temas locais, uma coisa puxa a outra. E a partir do sucesso de Iracema, nunca mais parou o interesse meu pela Amazônia e também o interesse de produtores em me procurar para que eu fizesse filmes sobre a Amazônia.

Cine Set – Iracema ainda é o seu filme mais lembrado. O que acha da atenção que ele desperta, mesmo passados tantos anos do seu lançamento?

Bodanzky – Ele ainda chama a atenção por vários motivos. Primeiro, pela linguagem, inovadora para a época, hoje jamais corriqueira, mas ainda inovadora. Segundo, por causa da temática. Tudo que é abordado nesse filme, apesar dele completar 40 anos esse ano, é de uma triste atualidade. O filme não perdeu a atualidade, ao contrário, ele hoje é mais solicitado do que na época em que foi feito. Não há semana em que eu não receba uma solicitação sobre esse filme, não só no Brasil, mas também no mundo todo.

Cine Set – Foi uma escolha consciente misturar ficção e documentário em Iracema?

Bodanzky – Foi sim, porque nós queríamos contar a história através dos seus personagens. Esses personagens são representados por atores que nós colocamos nos ambientes reais. Essa era a ideia inicial, além de fazer esses atores interagirem com esses ambientes. E o filme contava com não-atores também.

Cine Set – Na sua palestra, você destacou a necessidade de “educar o olhar” para ver e fazer filmes. Sua produção em novas mídias como CD-ROM e na internet com o Navegar Amazônia exigiu de você uma reeducação do seu olhar por conta do meio?

Bodanzky – Acho que não, porque acredito que o olhar é um só. O meio que você usa, pode mudar, mas isso não mudou o meu olhar. Mudou a forma de apresentar, mas não o olhar.

Cine Set – O senhor acompanha a produção de documentários local? Quais documentários feitos na região amazônica chamaram sua atenção recentemente?

Bodanzky – Na Amazônia, acompanho menos essa produção, mas acompanho. Não me lembro de nenhum chamando minha atenção, mas talvez eu não tenha conhecimento da produção mais recente.