A comédia é um gênero cinematográfico no qual o público normalmente não exige grande verossimilhança nas situações que permeiam a trama desse tipo de filme. Tanto quanto nas fitas de aventura e fantasia, na comédia o absurdo é um elemento aceitável e, em muitos casos, essencial, pois o estranho sempre foi uma alternativa para intrigar e gerar risadas como reação. Dito isso, é interessante notar como a atual safra de comédias brasileiras se prende às mesmices de comediantes stand-up que sempre fazem as piadas mais manjadas sobre os temas mais batidos (vide “Copa de Elite”). Pelo menos há “Julio sumiu”, uma tentativa não muito bem sucedida de reversão desse quadro. Melhor que nada.

Como o título bem indica, na trama o tal Julio desaparece. Seus pais, Edna (Lilia Cabral) e Eustáquio (Dudu Sandroni), e o irmão Silvinho (Fiuk) tentam desvendar o mistério do sumiço. Sem notícias do filho, Edna sobe o morro por acreditar que o filho é refém de um traficante, Tião Demônio (Leandro Firmino), e um tiroteio repentino a obriga a ficar com sacolas cheias de droga. Sem entregar mais detalhes da trama, basta dizer que Edna e Silvinho acabam usando a venda das drogas como moeda de troca para a segurança de Julio. E sim, isso é a sinopse de uma comédia.

A situação absurda bem que poderia servir de fio condutor para piadas afiadas sobre conflitos de gerações, pois Edna e Silvinho não poderiam ser mais diferentes, ou sobre classes sociais diferentes, a partir do claro contraste entre a tradicional família de classe média e o traficante e os policiais corruptos que ainda aparecem no decorrer da trama. Porém, “Julio sumiu” aposta no terreno seguro da representação através de estereótipos, o que faz não só o filme perder a chance de gerar risos como também de causar qualquer reflexão. Aliado a um elenco que, à exceção de Lilia Cabral, não faz lá grande esforço para dar alguma dimensão aos personagens, o filme se perde entre algumas sacadas engraçadas (vide a “viagem” de Edna e Eustáquio ao consumirem drogas) e muitas, muitas bolas fora.

Depois de dirigir documentários interessantes como “Herbert de perto” (2009) e “A pessoa é para o que nasce” (2003), é estranho ver Berliner dirigir um filme tão fora de compasso. Assim como não é fácil fazer um filme, não deve ser fácil sair do documental ao ficcional, ainda mais pousando direto numa produção cheia de cabrestos e estrelada por atores globais. O roteiro de “Julio sumiu” tem furos claros, mas que poderiam até ser contornados com uma mão menos pesada na direção. Em especial no primeiro quarto de filme, quando o fio da meada da trama começa a se desenrolar, esses problemas são mais perceptíveis, em especial a partir da montagem de cortes tão bruscos que pode até confundir o espectador quanto a relação entre o núcleo de personagens da família de Edna e o núcleo de personagens da delegacia, composto por J. Rui (Augusto madeira), Delegado Barriga (Stepan Nercessian) e Madalena (Carolina Dieckmann).

Falando em Carolina Dieckmann, sua personagem é apenas uma desculpa para mostrar coxas, seios e bumbum da atriz em uma série de closes e câmera lenta. Madalena (Madá, para os íntimos) poderia ser totalmente eliminada do filme sem prejuízo algum ao desenrolar da trama. “Julio sumiu” traz personagens femininas que seguem a risca o padrão da maioria dos filmes populares, mostrando mulheres agindo apenas em função de homens e suas escolhas, mas no caso de Edna, a mãe, é até compreensível tal atitude; já Madá é uma completa bola fora.

No geral, irrita como “Julio sumiu” apresenta relampejos de momentos cômicos e originais, mas seu grosso insiste em se prender ao óbvio e sem graça. A sacada de brincar com a montagem nas cenas que expõem a venda de drogas por parte de Edna e Silvinho, a obsessão de J. Rui com o fato de Edna tirar sarro com seu nome ou a participação especial de um membro do “Porta dos Fundos”, por exemplo, são até divertidos. No entanto, esses momentos perdem o brilho quando percebemos o quão sem sal são os sumiços inexplicáveis de Eustáquio, a inutilidade de Madá ou como o temido traficante Tião Demônio é “bobinho”.

Mesmo com esses problemas, “Julio sumiu” merece uma medalha de honra por ser lançado na cola de comédias brasileiras tão bestas quanto “Crô”, “SOS – Mulheres ao mar” ou “Copa de Elite”. O filme pode ter os problemas aqui citados e muitos outros como cenografia e iluminação, mas não comete o pecado de ser “novela filmada para o cinema”, e pelo menos tem a decência de se dar ao trabalho de trazer uma trama de verdade, ainda que mal desenvolvida. Que esse seja o prenúncio de melhores comédias nacionais ao público!

Nota: 5,0