Já são incontáveis os documentários sobre uma das bandas de rock mais conhecidas do mundo, o Nirvana e, em especial, sobre o seu vocalista, Kurt Cobain. Do bombástico “Kurt & Courtney” (1998), de Nick Broomfield, ao curioso “Kurt Cobain: About a Son”, de A.J. Schnack, foram muitas as tentativas de recriar a história da pequena banda alternativa que, como que magicamente, torna-se a voz de uma geração ao redor do globo até o seu atormentado líder cometer suicídio em 1994.

E sabendo o quão conhecida era a história que tinha em mãos, o documentarista Brett Morgen não perde tempo sendo expositivo e recontando toda a trajetória do Nirvana. O diretor elabora seu “Kurt Cobain – Montage of Heck” como um documentário de linhas mais poéticas e subjetivas, explorando a poluída estética grunge em belas animações e colagens como suporte para a escolha de fincar seu filme em depoimentos pessoais de Kurt Cobain.

Come as you are

É assim que o espectador vai ganhando, aos poucos, a sensação de adentrar de fato no universo de Cobain. As falas contundentes em entrevistas com o vocalista são um guia periférico nessa empreitada, assim como os depoimentos de pessoas próximas como os pais de Kurt, com quem ele teve uma relação conturbada, a viúva roqueira Courtney Love, o parceiro de banda Krist Novoselic e uma de suas ex-namoradas, Tracy Marander.

Com vários trechos retirados dos diários de Kurt Cobain, a empatia entre público e personagem se fortalece. Ajuda também o vasto material de vídeos caseiros que mostram o cantor desde criança numa festinha de aniversário ou já adulto, segurando a filha para o primeiro corte de cabelo do bebê.

Crítica: Kurt Cobain – Montage of Heck, de Brett Morgen

Principalmente para os fãs, é um belo presente o acesso a imagens íntimas revelando que a melancolia do artista abria brechas eventuais para momentos felizes. Apesar de apresentar e destacar os elementos preocupantes da vida de Kurt como as tentativas de suicídio, os transtornos psicológicos e o problema no trato digestivo que lhe causava muita dor, o documentário encontra pequenos pontos de equilíbrio, sendo inclusive muito mais benevolente com a figura de Courtney Love, e infinitamente mais simpático a ela que um “Kurt & Courtney”, para citar apenas um exemplo.

All apologies

Curiosamente, os mesmos elementos que podemos apontar como interessantes em “Kurt Cobain – Montage of Heck” conseguem enfraquecê-lo em certas partes. Ao investir em pequenas animações, Morgen por vezes perde a mão e se estende demais nas viagens, como quando dá movimento às ilustrações infantis de Cobain, recheadas de violência. Na primeira vez que as expõe, causa impacto e dimensiona os traumas do cantor, uma criança criativa, mas com transtornos psicológicos complicados, e renegada pela família; ao se repetir várias vezes ao longo do filme, em segmentos nos quais o simbolismo das imagens perde o propósito, tira-se toda a sutileza da montagem.

Crítica: Kurt Cobain – Montage of Heck, de Brett Morgen

Outro ponto é que, ao partir do pressuposto de que todos conhecem a história do Nirvana, Morgen restringe o seu público. Ele parece esquecer que, de 1994 pra cá, toda uma geração já surgiu sem necessariamente ter uma ideia clara do impacto do Nirvana (da postura contestadora da banda e, principalmente, de Kurt) no mundo da música; no máximo, conhecem as músicas mais pop do Foo Fighters, banda do ex-baterista do Nirvana, Dave Grohl. Aliás, a ausência de Grohl deixa um buraco estranho nos depoimentos dos entrevistados. Morgen bem que poderia ter esperado mais para fechar a versão final do documentário para incluir o baterista, que na época das filmagens estava atarefado com outros compromissos.

Dessa forma, tudo pode parecer um tanto confuso para quem não está acostumado à “sinopse” informativa “jovem rebelde de Aberdeen se torna estrela do rock, lança álbuns considerados icônicos, sucumbe à pressão da fama e das drogas e dá um tiro na cabeça”, que configura o básico da história de Cobain. Calcado na fragmentação, “Kurt Cobain – Montage of Heck” é uma joia preciosa para connoisseurs. Porém, avaliando-o exclusivamente como produto cinematográfico para o público em geral, o filme deixa um pouco a desejar ao não dosar sua inventividade com alicerces que permitiriam a uma nova geração se aproximar da obra de Cobain, e não apenas de sua figura cada vez mais romantizada no mundo do rock.