O que é “Argo”?

Ok, esta é a crítica de “A Lei da Noite”, porém, a resposta à pergunta acima explica muito do novo filme dirigido por Ben Affleck.

O ganhador do Oscar 2013 nada mais é do que um ótimo e divertido filme de ação. Apesar de ter todo um contexto geopolítico envolvendo a conflituosa relação Irã-EUA, “Argo” não envereda por esse caminho, optando pela leveza ao mostrar o cinema como um instrumento para o resgate de refugiados americanos presos no país. O agitado clímax do filme na pista do aeroporto simboliza bem o espírito do projeto.

Para o quarto longa da carreira (antes, ele fizera os competentes “Medo da Verdade” e “Atração Perigosa”), Ben Affleck resolveu comandar o trabalho mais ambicioso da carreira: a adaptação do romance escrito por Dennis Lehane (“Sobre Meninos e Lobos”, “Ilha do Medo” e também de “Medo da Verdade”), “A Lei da Noite”. Não satisfeito apenas com o trabalho de diretor, o atual ‘Batman’ resolveu assumir sozinho o roteiro do projeto e ser o protagonista.

Tanta gana, porém, levou ao naufrágio do filme.

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“A Lei da Noite” acompanha Joe Coughlin, um ex-soldado americano que, ao voltar traumatizado da Primeira Guerra Mundial, decide entrar no mundo do crime em Boston, cidade dominado por dois mafiosos. Após cair em uma armadilha preparada por um deles, se alia com o outro lado para se vingar e segue para Tampa Bay, onde lidera um milionário esquema de contrabando de bebidas. Para fazer o negócio prosperar, ele terá que enfrentar o submundo do crime, a Ku Klux Klan, o fanatismo religioso e a elite da região.

A própria complexidade da trama mais atrapalha do que ajuda. O suspense pretendia abordar o dilema de um homem consigo próprio e até onde as escolhas dele o tornam uma pessoa pior do que imaginava ser, além de fazer um retrato maior do podre sistema em que os EUA constituiu a sua riqueza marcado por violência, corrupção, subornos, racismo, explorações e a perda de muitas vidas inocentes. Ben Affleck até consegue entender a riqueza temática que possui, porém, não parece ter bagagem suficiente para conseguir dar unidade a isso de modo satisfatório.

“A Lei da Noite” peca no ritmo da narrativa. Diretores como Martin Scorsese e Paul Thomas Anderson sabem da importância da construção gradual do ambiente em que a trama acontece. Isso pode vir de diálogos banais sobre as peculiaridades de cada personagem ou de uma trilha sonora bem colocada capaz de sintetizar o espírito da região ou daquele povo. Além disso, grandes cineastas valorizam cada detalhe, gesto, colocação da frase, ou seja, a sequência não precisa ser rápida ou ter aquela sucessão de cortes para um dinamismo corriqueiro de Hollywood.

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Ben Affleck, infelizmente, erra ao sempre acelerar a trama com uma montagem que impede as cenas de se desenvolverem em planos mais longos. Grande partes das sequências não possuem o impacto necessário por essa pressa devido ao pretenso dinamismo. A execução de um empresário em uma fábrica, por exemplo, não alcança metade do impacto necessário justamente pelo ritmo rápido com que o momento é feito. Quando isso acontece, “A Lei da Noite” até consegue ganhar complexidade como, por exemplo, ao vermos a reação de Affleck ouvindo uma importante conversa telefônica do personagem de Cooper e o diálogo entre o protagonista e Elle Fanning em uma cafeteria. Porém, são momentos raros.

Essa incapacidade narrativa se torna pior ainda com os diálogos cheios de pompas do roteiro. Momentos como a bronca de Coughlin com um banqueiro sobre a forma como a elite branca americana predomina nos EUA parecem mais discursos saídos da boca de Bernie Sanders do que de um personagem criminoso. A sensação que fica é que Affleck parece não confiar na capacidade do público em entender todos os contextos e precisa deixar isso transparente em falas para dar noção do que estamos vendo na tela.

Em mais uma atuação abaixo da crítica, Ben Affleck não consegue dar todas as nuances de Coughlin e o personagem fica sempre sendo um ponto de interrogação. Para piorar, por toda a trama ser centrada nele, “A Lei da Noite” acaba deixando sem espaço suficiente os ótimos coadjuvantes. São os casos, por exemplo, do policial frustrado em barrar o avanço do crime na região (Chris Cooper em trabalho apagado) e os líderes mafiosos relegados a meros vilões. Zoe Saldana, coitada, quando surge até parece que vai ter um papel digno, porém, à medida em que o tempo passa, vai sendo relegada a um vergonhoso segundo plano em um romance sem química. Já Elle Fanning é a única com destaque para aproveitar os poucos bons momentos em cena.

Com muito estilo no figurino, uma bela fotografia, tomadas áreas da bela região de Tampa Bay e competentes cenas de ação, Ben Affleck tenta subterfúgios para disfarçar o rumo perdido da trama. Perto das ambições de Ben Affleck com “A Lei da Noite”, “Argo” era um passatempo agradável. O diretor, roteirista e ator, porém, demonstrou ainda não estar preparado para dar um salto cinematográfico tão grande a este ponto.

Quem sabe no futuro?