Em X-Men 3: O Confronto Final (2006), víamos numa cena o herói mutante Wolverine, interpretado por Hugh Jackman, vestido com uma camiseta branca e correndo por uma floresta, atacando seus inimigos numa sequência de ação. Pois Logan, filme derradeiro de Jackman no papel do herói, traz uma cena que parece evocar a lembrança daquela de mais de dez anos atrás. De novo o vemos correndo numa floresta com uma camiseta branca, porém em Logan o herói está cansado, envelhecido: seu fator de cura não funciona mais como antes e até suas garras já não saem das suas mãos com tanta facilidade. E do lado de cá da tela, Jackman ainda permanece com uma forma física invejável, mas já não é mais o cara super-ágil e cheio de energia que fez a cena do longa de 2006. O cansaço visto no filme de 2017 talvez não seja 100% atuação, um fingimento completo.

O tempo passou, mas Jackman permaneceu Wolverine/Logan. É um caso de identificação completa entre ator e personagem, a ponto de não mais conseguirmos dissocia-los, igual ao que ocorreu, por exemplo, entre Sean Connery e James Bond, entre Christopher Reeve e Superman, entre Harrison Ford e Indiana Jones. Mas o tempo é mesmo implacável, e este é um dos propósitos de Logan, o filme: apresentar, com base na nossa familiaridade com o personagem, uma nova experiência com ele e uma nova visão do herói mutante. Uma visão dele perto do fim, radical e sem concessões, e ao mesmo tempo bastante humana. A mais humana já vista do personagem nas telas, uma para o qual o tempo realmente passou.

A visão do diretor James Mangold, o mesmo do apenas mediano Wolverine: Imortal (2013), é baseada no passado, não apenas do personagem, mas do cinema. Exceto pelas armas e carros vistos em cena e pelos ocasionais efeitos visuais necessários para os poderes mutantes, Logan é basicamente um faroeste. Mas há também alguns toques de Filhos da Esperança (2006). Ambientado daqui a alguns anos no futuro, encontramos Logan trabalhando como motorista de limusine (!) no Texas, ganhando dinheiro para ajudar seu velho mentor e amigo Charles Xavier (Patrick Stewart), que está doente. Surge uma oportunidade de ganhar mais dinheiro ajudando uma mulher mexicana e sua filhinha Laura (Dafne Keen). Porém, a garotinha está sendo perseguida por alguns mercenários, e logo o velho Logan se vê forçado a dar vazão à sua natureza animalesca para protegê-la, e a Xavier.

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E, pela primeira vez em 17 anos de X-Men nos cinemas, essa natureza animalesca é mostrada de forma crua, sem a suavização inerente à “censura 13 anos” que a franquia sempre apresentou. É o efeito Deadpool (2016): Finalmente o estúdio 20th Century Fox se animou a realizar um filme do Wolverine com sangue em abundância, palavrões (às vezes excessivos) e até um par de peitos em cena. O Wolverine de Logan é brutal e violento, como geralmente é nas histórias em quadrinhos, e essa violência serve à história – o niilismo e o tom sombrio presentes na visão de Mangold também são características de muitas HQs de super-heróis, e esse sentimento torna mais poderosos alguns momentos do enredo.

O diretor também cria momentos de ação visceral, como a já referida batalha na floresta. Mas além de filmar bem a ação, Mangold e Jackman estão mais interessados em explorar a psique do protagonista, um sujeito praticamente imortal e para quem seus poderes lhe trouxeram mais problemas do que benefícios. O peso do herói é transferido para a narrativa: o universo de Logan é sombrio, onde a luta é sem fim e onde a esperança de uma vida melhor é frágil e pode não passar de uma ilusão (e o fato dela vir, dentro da história, de revistas velhas dos X-Men é um belo e sutil toque do roteiro).

E, obviamente, os atores ajudam e muito na construção dessa atmosfera dura e impiedosa. Stewart parece tão frágil, distante da figura de autoridade dos primeiros X-Men, que imediatamente desperta a empatia do espectador. Já Keen é intrigante e selvagem, uma atriz interessante. E Jackman vive Wolverine com uma pitada de Clint Eastwood em Os Imperdoáveis (1992), e ao mesmo tempo dando tudo de si na sua ultima oportunidade de viver o personagem. Frágil, sempre com os olhos vermelhos e tossindo, ele é humano acima de tudo, e não são todos os grandes astros que se dispõem a mostrar facetas mais fragilizadas das suas conhecidas personas de ação – Eastwood foi uma exceção, e Jackman não foi comparado a ele quando estrelou o primeiro X-Men?

O filme não é perfeito, no entanto. Os vilões são muito ordinários: basicamente um cientista louco e um grupo quase inesgotável de soldados. E fazer o herói enfrentar uma versão dele mesmo, em dado momento do enredo, é um clichê dramático para lá de batido e que raramente foi bem usado.  Algumas ideias do roteiro são questionáveis também, como a demora de alguns personagens em agir – os vilões passam um tempo no acostamento, literalmente – e o fato de uma personagem muda começar a falar do meio para o fim parece mais uma necessidade da trama do que um desenvolvimento orgânico.

Esses problemas enfraquecem Logan, mas não chegam a derrubá-lo. Tal como o herói, este é um filme duro que se recusa a se render. Jackman e Mangold criam o fim de uma era dentro do cinema de herói nos seus próprios termos, e graças a imagens poderosas (como a final) e à trilha sonora sutil, mas sempre forte, de Marco Beltrami, fazem um ícone das telas se despedir num trabalho que é ao mesmo tempo faroeste, drama e filme de super-herói. Uma mistura de gêneros bem sucedida e realmente emocional devido ao relacionamento que tivemos, por 17 anos, com o personagem e o ator que o viveu.

Isso, aliás, invoca comparações. Connery nunca pareceu ter resolvido a sua relação com James Bond – afinal, ele gostou ou se ressentiu de ter vivido o agente 007? Reeve nunca teve uma despedida digna do Superman. E a última vez em que Ford usou o chapéu e chicote de Indiana Jones serviu mais para manchar a saga do arqueólogo do que para lhe dar uma despedida. Ao considerarmos isso, Jackman sai por cima, encerrando o ciclo do personagem de maneira forte e emocional. É meio raro ver tanta dedicação e carinho de um ator por um personagem, mais raro ainda é quando a relação entre eles termina positiva e amigável. Despedidas satisfatórias são difíceis de ver, tanto na vida quanto no mundo do entretenimento, mas de vez em quando aparecem, e Logan é uma delas, um filme de super-herói, no mínimo, especial.