Em 2010, o jovem cineasta Derek Cianfrance estreou com o pé direito no cinema com o belo Namorados para Sempre. Já o seu segundo trabalho, O Lugar Onde Tudo Termina (2013), seguia a cartilha do mexicano Iñárritu de mostrar três histórias de vidas marcadas por decisões nada fáceis. Tinha um bom elenco, mas ficava refém de um roteiro engessado que não explorava as ideias e conflitos morais primordiais do seu enredo.

A situação por sinal, melhora um pouco mais no seu novo trabalho, a Luz Entre Oceanos, ainda que não impeça a sensação de estarmos diante de um romance de Nicholas Sparks e o seu melodrama excessivamente choroso, só que encenado de forma elegante com ótimos atores, trilha sonora refinada e imagens acachapantes – ok, este último você também encontra nas obras adaptadas de Sparks.

Adaptado pelo diretor do Best-Seller de sucesso de M.L.Stedman, o filme se passa após o final da primeira guerra mundial, onde o ex-combatente Tom Sherbourne (Michael Fassbender) se torna o faroleiro de uma ilha situada em uma pequena cidade australiana para expurgar seus traumas da guerra. Lá, se apaixona e começa a trocar cartas de amor com uma moradora local, Isabel (Alicia Vikander) que também traz o peso da guerra nas costas por ter perdido dois irmãos.  Ambos decidem se casar e viver na ilha, mas a relação de felicidade do casal começa a ser afetada pela dificuldade de Isabel em gerar um herdeiro. A chegada de um bote contendo um bebê vai afetar ainda mais a dinâmica dos dois.

No seu aspecto inicial, a Luz Entre Oceanos funciona pelo modo como constrói o seu romance: Isabel e Tom são personagens carismáticos e que trazem no sentimento de perda–  enquanto ele perdeu o sentido da vida por presenciar os horrores da guerra, ela precisa lidar com a perda de entes queridos vitimados no evento histórico – a muleta ideal de conexão para se apaixonarem. Cianfrance encena este primeiro ato como um ótimo melodrama de época, introspectivo na sua essência, de deixar os personagens e seus conflitos – principalmente de Tom – assumam um tom natural que mesmo refém de um ritmo narrativo moroso, ganhe a atenção do espectador pela espontaneidade como costura o amadurecimento do amor entre os personagens, reforçado também pela ótima química entre Fassbender e Vikander.

Outro grande diferencial é que Cianfrance realmente é um diretor que entende do riscado, pois utiliza a sua câmera de forma elegante para captar os diversos planos de pôr do sol, assim como explorar as belas imagens da natureza melancólica da ilha para captar a solidão de Tom. Neste ponto o filme é certeiro na sua atmosfera romântica em retratar dentro do seu texto uma peça literária de época – a dor emocional do casal protagonista – e a embalar de forma sutil nas imagens como se a mesma fosse uma pintura artística. Estes elementos refletem na ótima sequência em que Isabel grávida corre no meio de uma tempestade em busca de Tom que está trancado no farol.

Por isso é uma pena constatar que quando o filme atinge o seu conflito principal, Cianfrance o discuta de forma extremamente superficial, valorizando mais o melodrama excessivamente açucarado ao invés de debater os efeitos morais e as possíveis consequências geradas pelas escolhas do casal. O próprio ritmo não apenas oscila como se mostra cansativo diante de tantas tragédias e coincidências casuais que o roteiro cria a cada 10 minutos – próximo do dramalhão –  para mostrar ao espectador que a vida não apresenta escolha fácil, mas esquece de construir estes argumentos como pontos vitais para a finalidade narrativa sem deixá-los como exageros dramáticos.

Dentro do filme, não faltam questionamentos pertinentes que saltam aos olhos: a culpa, o ato de amar, a escolha sobre o ponto de vista moral e ético e principalmente sobre o sentimento de perdão. Porém, o longa demonstra despreparo em lidar com as questões problematizadas. Parte das ações éticas e emocionais dos personagens que são complexas no processo de argumentação da obra, ganham simplificações banais que acabam diminuindo em muito a intensidade narrativa e psicológica do drama de Tom e Isabel.

O próprio texto faz escolhas convenientes apenas para estender o drama do conflito. De um início intimista e orgânico, o filme se torna didático e expositivo, na qual tudo se resolve magicamente. Podemos esperar isso de uma adaptação de Nicholas Sparks, mas não de um drama com potencial enorme como este. Cianfrance também escorrega na hora de construir a trama de um terceiro personagem, Hannah vivida por Rachel Weisz cujos arcos emocionais são construídos por um frágil recurso narrativo de flashbacks entre ela e o ex-esposo apenas para justificar a deficiência narrativa do roteiro que não deu a devida atenção a personagem.

 É claro que estes furos narrativos são compensados pelas dignas atuações do casal na vida real Fassbender e Vikander que começaram a namorar nos bastidores da produção. O ator de origem germânica mostra que até em produções medianas consegue se sobressair. Expressa em poucos gestos, a culpa e sofrimento do seu Tom com intensidade e cada vez comprova mais que é um dos maiores atores atuais. Já Vikander mostra a mesma desenvoltura da esposa em conflito, situação semelhante vista no papel que lhe rendeu o Oscar de melhor atriz coadjuvante este ano por Garota Dinamarquesa. Sua Isabel provoca sentimentos de amor e ódio no público que só poucas atrizes versáteis conseguem. Não se pode deixar de elogiar a bela trilha sonora de Alexandre Desplat que em suas notas melancólicas, consegue ser mais real e intenso nas emoções que o próprio roteiro.

No fundo, A Luz Entre os Oceanos tinha o potencial de ser um grande filme até pela premissa repleta de questionamentos interessantes: afinal é melhor viver uma mentira por mais que magoe uma terceira pessoa ou abrir mão da felicidade pelo o que é certo moralmente? Cianfrance se esforça e realmente faz um trabalho elegante, interessante pelos seus argumentos e que sabe tirar o melhor proveito do seu trio de atores, levando parte do público a se emocionar com história de superação do casal – o barulho do uso de lenços na sessão indica isso. Contudo, deixa o público à deriva como um farol solitário diante da fragilidade como oferece respostas simples para a complexidade do seu texto. Evidencia que a verdadeira tempestade que ataca o oceano criado por Cianfrance é a sua dificuldade de delimitar a real fronteira entre o drama e o melodrama, deixando seu cineasta cada vez mais a sombra da sua aclamada obra de estreia.