Desde Shrek os contos de fada sofreram uma reinvenção perante o público. Deixou-se de lado a história tradicional que conhecemos anteriormente, para descobrirmos outros lados das mocinhas indefesas e dos príncipes encantados nobres e corajosos, num jogo de metalinguagem em que ninguém se leva a sério. Evidentemente isso também se aplica aos vilões das tais histórias, que agora têm a chance de mostrar que não são tão ruins quanto os contos de fadas contam, mostrando que todas as suas ações são motivadas por injustiças e/ou vinganças, que o vilão estava ali, na dele, e alguém foi lá, levá-lo para o mau caminho.

Infelizmente, como acontece na maioria dos casos, a ideia que era boa vai se desgastando com o passar do tempo, pelos estúdios não quererem largar o osso enquanto o negócio está lucrando, chupando a fruta até o caroço. Não à toa que quase todo final de semana estreia algum filme com algum elemento desses. Por conta disso, o que mais se vê por aí são filmes que apostam no efeito fácil, no que já é previsível e comprovadamente eficiente (em termos financeiros, claro), nos apresentando, assim, trabalhos sem o mínimo de criatividade, ou razão de existir.

E essa é uma ótima definição para Malévola: um filme sem razão de existir.

Conhecemos Malévola (Angelina Jolie) uma fada linda e carinhosa que ama a natureza, os animais, as plantas e todos os seres que vivem no universo. Ainda criança, ela conhece Stefan (Sharlto Copley), um humano que conquista o seu coração, mas os dois não podem ficar juntos devido à ganância do rapaz. Passam-se muitos anos, e o Rei Henry (Kenneth Cranham) declara guerra ao reino de Malévola, dizendo que quem a matar será o novo Rei. Stefan, então, aproveita-se da relação que tivera com a fada e tenta matá-la, embora consiga apenas retirar as suas asas. Com esse acontecimento, Malévola torna-se amargurada e jura vingança ao novo Rei, e lança um feitiço para a sua filha, Aurora (Elle Fanning), que só será salva se beijada pelo amor verdadeiro.

Quando se lê a premissa até que é possível se interessar pelo filme, e esperar que ele seja simpático. Mas quando acompanhamos o desenrolar, é muito claro que se trata de um filme bobo, bobíssimo, no mau sentido. O artificialismo e a canastrice são tão fortes, que em determinado momento cheguei a pensar que eles eram de propósito, que o filme queria assumir um tom trash e fazer piada de si mesmo, mas não é o caso. E se não é o caso, somos brindados com um poço sem fim de artificialidade, como na cena em que Malévola chora por ter tido suas asas roubadas.

O roteiro e a direção foram extremamente incompetentes em dar o mínimo de relevância à história que está tentando contar, apresentando situaçõezinhas uma após a outra de Malévola observando Aurora e as três fadas, bem como, paralelamente a isso, as enfadonhas tentativas dos humanos de invadirem o reino dos Moors, deixando o meio do filme insuportavelmente desinteressante.

Aliás, isso passou uma clara impressão de que o trabalho não sabe o seu público alvo, pois ele tem características bastante específicas de vários estilos, ao mesmo tempo que não se decide sobre qual priorizar, chegando assim a lugar nenhum. Quer assumir um tom de O Senhor dos Anéis com aquelas longas e repetitivas cenas de batalha; quer manter o tom clássico de A Bela Adormecida, e ainda parece ser um filme de Sessão da Tarde (mais uma vez no mau sentido da coisa) quando mostram as três fadinhas atrapalhadas com trilha sonora pueril. O resultado é um longa sem identidade, que assume diversos estilos por não saber exatamente em qual se enquadrar.

Como se não bastasse tanto desinteresse, o filme ainda apresenta uma inacreditável narração em off que conta uma série de obviedades que a imagem já nos comunica, deixando claro a total falta de sutileza da direção, subestimando o público, mastigando tudo para a plateia.

Uma questão séria de Malévola é o seu visual. Logo no início somos apresentados a um reino que beira o plágio de Pandora de Avatar. As semelhanças são tão absurdas que creio que é impossível eles não terem se “inspirado” no visual do filme de James Cameron, e ainda assim terem alcançado um resultado inferior. Ele ainda tem uma forte “influência” de O Senhor dos Anéis em suas cenas de batalha, o que agrega um tom ainda mais genérico ao filme, embora há de se reconhecer que o design de som dessas cenas é primoroso, bem como a maquiagem, ambos dignos de premiação. O longa ainda assume um visual bastante escuro em boa parte da sua duração, que quase dificulta o entendimento do que é visto, assim sabotando o design de produção do trabalho.

Mesmo com o charme de Jolie, Malévola é um personagem claramente criado para agradar ao público, mantendo uma vilania sempre numa zona de conforto, nunca deixando a possibilidade do público desgostar da personagem. O seu arco dramático é pobre e previsível, apoiado em clichês dos mais batidos, sustentado apenas pelo carisma de Angelina Jolie, que se diverte com a bobagem do filme.

Quem não se diverte tanto é Sharlto Copley, que tem um personagem muito problemático nas mãos, e que nunca nos convence dos seus objetivos. Movido por uma ganância injustificada (?), Stefan muda depois de ter a filha enfeitiçada, mas em nenhum momento ele se importa com a criança, pois está mais focado na guerra que nunca acontece, e se envolve numa bolha de indiferença.

Acredito que o destaque do filme é mesmo Elle Fanning, que apesar de ter uma personagem de pouca densidade, que não mostra muitas faces, tem uma beleza e charme impossíveis de resistir, um daqueles talentos puros que raramente se vê por aí. Quem também exerce um bom papel são as três fadas interpretadas por Juno Temple, Imelda Staunton e Lesley Manville, que têm uma ótima química em cena, sendo responsáveis pelos momentos mais divertidos do filme.

Acompanhando o desfecho do trabalho, e testemunhando que ele cai em todos os clichês possíveis, fico ainda mais com a convicção de que Malévola jogou no caminho fácil, na zona de conforto, e por isso o resultado é um filme enfadonho, que não nos diz nada do que já não saibamos, e ainda o faz sem nenhum elemento que o tire da mesmice.