Por mais que o estigma ainda seja forte para parte do público, há muito tempo a produção audiovisual que é ou se pretende cinematográfica no Amazonas vai além da “piada filmada” ou do desenrolar de clichês sobre o que é ser caboclo. Com temáticas extremamente maduras, dois curtas de Manaus participarão do Festival de Cinema Underground de Munique, na Alemanha, mostrando a diversidade e o potencial de nossa produção. Um deles é “Histeria”, de Rummenigge Wilkens, já resenhado aqui no Cine Set, e o outro é “Memórias dos Esquecidos”, de Sâmia Litaiff.

Assim como o curta de Wilkens, “Memórias dos Esquecidos” é um filme de época, passado durante a ditadura. Ao longo de seus pouco mais de 17 minutos, são apresentadas personagens que sofrem violência física e psicológica por serem presos políticos, cenas essas entrecortadas por depoimentos que apresentam e aprofundam cada um dos homens e mulheres.

O início do curta já dá o tom de tensão e desequilíbrio da trama, principalmente pelo fato de que cada personagem fala de si no passado, evidenciando a morte como destino. Sendo o curta calcado totalmente na atuação, ele comete o mesmo erro observado em várias produções locais recentes: a carência de uma preparação de atores adequada. O resultado não chega a ser comprometedor, pois se percebe que o elenco teve exigências óbvias graças ao tema pesado do filme, que conta com cenas de nudez e tortura, mas, em vários momentos, também são perceptíveis as suas deficiências nesse aspecto.

Outro ponto que deixa a desejar é o desfecho. Sem dar mais detalhes, fica ao espectador a impressão de uma incompletude ao final do curta, o que não é necessariamente ruim. Apenas para citar um exemplo, o diretor austríaco Michael Haneke é mestre em trabalhar esse tipo de sensação, mas em “Memórias dos Esquecidos”, fica a dúvida se essa sensação de “mas sim, acabou o filme?” seria proposital ou não.

Do ponto de vista técnico, o curta de Sâmia Litaiff é bastante simples, mas correto. Salvo raros momentos, a fotografia de fortes contrastes e tons avermelhados funciona bem quando aliada aos movimentos de câmera errantes. Estes, aliás, são essenciais para a construção da atmosfera da trama ao evitar vários cortes e fazer o olhar do espectador ser o de um inseto invasor no claustrofóbico local onde a trama se passa sem dar um ar tão amador a esse artifício.

De maneira geral, “Memórias dos Esquecidos” é um curta que aponta mais na direção de um potencial interessante em sua realizadora que como um trabalho marcante por si só. Talvez por ser o primeiro trabalho solo de Sâmia Litaiff, ele ainda carece de mais segurança na direção, mas apresenta elementos que, isolados, prometem a agregação de um ponto de vista interessante para as produções locais dessa nova safra.

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