A tarefa de avaliar comédias brasileiras tem sido ingrata nas últimas semanas, como vocês têm acompanhado aqui no blog. Uma após outra, elas mostram uma assustadora incapacidade de tratar o espectador como adulto, despejando personagens infantilóides ou recalcados, carregando nas situações inverossímeis, e, o que é pior, não tendo a menor preocupação em elaborar uma trama. Por isso, chega a ser um alívio assistir a este filme, a estreia do comediante Paulo Gustavo no cinema.

Não que Minha Mãe é Uma Peça seja uma maravilha, mas ao menos representa um passo adiante, ao evitar o acúmulo indiscriminado de gags e mostrar preocupação com a construção de uma história, além de criar personagens que vão além do estereótipo ou do histrionismo vazio.

Tive de grifar o “vazio”, porque a protagonista, dona Hermínia (Gustavo), é uma gritaria só. Versão extrema e tresloucada da típica mãe brasileira, dona Hermínia foi abandonada pelo marido (Herson Capri), que a trocou por uma beldade fútil (interpretada com muita graça por Ingrid Guimarães) e teve de segurar as pontas do lar. Seus filhos são Garib (Bruno Bebianno), rapaz tranquilo e passivo, e o único que já deixou a casa da mãe; Juliano (Rodrigo Pandolfo), doce e gentil, que esconde a homossexualidade para não desapontar a genitora; e Marcelina (a espoleta Mariana Xavier), menina mimada e preguiçosa que é o martírio vitalício de dona Hermínia. O filme se concentra na protagonista e seus dois filhos menores, e suas relações de amor e ódio vão ser o centro da história.

A comédia familiar é um tema recorrente no cinema brasileiro, e, em mãos menos talentosas, esse mote descambaria em piadas batidas e grosseiras. Gustavo e o co-roteirista Felipe Braz, porém, foram além do óbvio e tentaram dar uma cara mais definida a seus personagens. Assim, dona Hermínia alterna suas diatribes contra o marido e os filhos para expressar afeto e tecer considerações sobre o tempo que passa e as escolhas dos jovens. Juliano e Marcelina também driblam o aborrecente fácil e sabem demonstrar o devido apreço pela mãe. Nada disso, claro, de forma profunda ou marcante, e o mais das vezes com o mais deslavado sentimentalismo. Mesmo assim, merece elogios, porque mostra para os demais realizadores de comédias nacionais o quanto as gags e os diálogos saem valorizados no processo. Os embates de dona Hermínia com Marcelina, o ex-marido ou a nova mulher deste ficam bem mais engraçados quando há um contexto e uma trama bem definidos por trás. Paulo Gustavo contribui com seu talento cômico e cria uma personagem verdadeiramente engraçada, a melhor, talvez, da comédia nacional dos últimos anos.

Elogios feitos, Minha Mãe é Uma Peça acaba caindo em vícios que a comédia brasileira não parece disposta a abandonar. Há cenas de gritaria sem sentido, situações forçadas, momentos de grosseria. As apresentações dos personagens Juliano, usando collant e ouvindo Perlla, e da tia de Hermínia, Zélia (Suely Franco), dançando Sandra Rosa Madalena, de Sidney Magal, são desnecessárias e constrangedoras. As breves esquetes envolvendo a síndica do condomínio e a vizinha com um karaokê (interpretada por Mônica Martelli) não acrescentam nada à história. Os personagens secundários são fracos ou têm pouco tempo em cena, com exceção de Marcelina – pena que Samantha Schmütz, como a empregada de  dona Hermínia, e Ingrid Guimarães não sejam mais aproveitadas no filme. Paulo Gustavo, por mais engraçado que seja, é por vezes estridente no papel de dona Hermínia. Há piadas com gases, fezes e obesidade, e corrosivas trocas de farpas entre a protagonista e a irmã (Alexandra Richter). E o final é longo, piegas e bastante frustrante, considerando a verve mostrada por Gustavo até ali.

Por seus bons momentos, contudo, Minha Mãe é uma Peça vai além das estreias de outros comediantes famosos no cinema, e pode ser incluído na lista dos “Com boa vontade, até que vai” do nosso destemido ranking.

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