Já na vinheta de abertura, A Morte te Dá Parabéns entrega o que vem pela frente – a famosa logo da Universal, com o globo terrestre, é interrompida pela metade e se repete, algumas vezes, como num loop. A ideia é uma brincadeira bem bolada com o que vem pela frente – um filme que se reconhece como uma mistura pouco original, e tenta fazer graça disso, mas soa apenas batido e sem-graça, quase tanto quanto a expressão bem bolada.

Na verdade, dadas as constantes referências de A Morte te Dá Parabéns, mais um equivocado apelo às massas do triste pacote 2017 da Universal (A Múmia e seu “Dark Universe” foi outro) – sobretudo a si mesmo –, era de se esperar que o filme fosse mais fundo na paródia e na cafonice. Curiosamente, porém, A Morte… só arrisca percorrer uma certa distância – até o ponto em que a brincadeira acaba soando tímida, o terror previsível e o tom que se pretendia irônico complacente.

Pegando como mote a premissa de Feitiço do Tempo (1993), o clássico de Harold Ramis em que Bill Murray vivia o mesmo dia de novo e de novo, A Morte te dá Parabéns faz a mesma coisa com Tree (Jessica Rothe), uma típica garota insatisfeita como os homens de Hollywood a imaginam: egoísta, insensível, dada a bebedeiras e sexo com desconhecidos, procurando uma tábua emocional no romance com um homem mais velho (e casado), olimpicamente alheia a pessoas menos dotadas de beleza ou dinheiro – e habitando a colmeia de seu tipo, numa fraternidade de garotas arrogantes que rechaçam o hábito de tomar café como “coisa de gordo”.

Um dia, Tree acorda no dormitório de Carter (Israel Broussard), um garoto que, por agir como um ser humano decente (todos os dias, ela acorda sem a calça, mas Carter não transou com ela – ela estava muito bêbada e ele só a pôs para dormir, deixando-lhe a sós no quarto), logicamente vira seu par romântico. Outro encaminhamento previsível é que ela é perseguida todas as noites por um estranho mascarado, que, à maneira de Pânico e afins, é meio estabanado na caça às vítimas, mas acaba conseguindo seu intento. Com a ajuda de Carter, Tree percebe que só mesmo se submetendo a mortes sangrentas, dia após dia, ela vai poder examinar os eventos e chegar à identidade de seu matador.

Os sinais de filme “esperto”, autoconsciente e querendo fazer troça de si mesmo, estão em todo lugar: os pôsteres de clássicos dos anos 1980 no quarto de Carter (Repo Man: A Onda Punk e Eles Vivem entre eles), a citação nominal a Feitiço no fim do filme, as sátiras mais óbvias a Meninas Malvadas, o já citado Pânico e à própria repetição inerente ao gênero terror (uma boa sacada do filme é que a ideia do pesadelo que se repete, como em Feitiço, seria o fundamento do gênero), mas isso não o torna mais sofisticado ou crítico que outros filmes de terror – pelo contrário, só mostra o quanto o roteiro de A Morte te dá Parabéns é derivativo e preguiçoso. Os momentos de humor explícito – os vários diálogos em que os personagens repetem clichês de suas figuras estereotipadas, ou tentam subvertê-lo, também falham, porque soam mais bobos que as fontes parodiadas (a sequência do policial talvez seja a menos tosca). Especialmente agravante é o final, não só porque as conclusões que levam a ele são forçadas até para os padrões frouxos de A Morte…, mas porque estas levam a um desfecho ainda mais bobo, e que mais uma vez cai no retrato feminino bastante questionável do resto da história.

Felizmente, temos um ponto positivo em meio a tantas desgraças (ou, para cunhar uma imagem à altura, um progresso em meio a tanta repetição): Jessica Rothe, a protagonista. Com sua presença fácil e suave na tela, e um empenho impressionante para fazer o papel render, em suas diversas nuances dramáticas e cômicas (elas existem, ao menos enquanto Rothe está em cena), em seu esforço físico – ela dá conta tanto de viver uma heroína de ação quanto uma clássica scream queen do terror –, Rothe não só faz querer vê-la em filmes que lhe façam justiça, como é o único elemento satisfatório da obra – aliás, o único elemento que faz entrever o que A Morte te Dá Parabéns podia e queria ter sido: uma revisita, entre irônica e afetuosa, dos arquétipos do terror pop, que compreende e abraça o ridículo inevitavelmente inerente a ele, mas não o toma pelo todo.

Do jeito que está, saiu um filme indeciso, impotente, que, não fosse a atuação expansiva e impetuosa de Rothe, faria parecer que vivemos e morremos várias vezes, nós mesmos, ao longo de sua breve hora e meia de projeção.