Basicamente, há muita coisa errada como este novo A Múmia.

Não é só o uso desmiolado e racista do conflito no Iraque como moldura “atual” para a aventura de Tom Cruise. Não é só a absoluta falta de necessidade de requentar uma franquia que viveu momentos de glória nas décadas de 1930 e 40 e que gerou um filme delicioso em 1999, mas cujos últimos frutos foram dois capítulos pavorosos de uma trilogia equivocada e os medíocres spinoffs do personagem Escorpião Rei. É, principalmente, a carência: de ideias, de ritmo, de personagens cativantes, de uma narrativa original, até mesmo de sequências de ação empolgantes, ou pelo menos distintas.

Primeiro produto da série “Dark Universe”, da Universal, que pretende dar um reboot em todos os seus monstros famosos – dentre os quais Frankenstein, Drácula e até o Fantasma da Ópera – para rivalizar com os “universos” Marvel e DC, A Múmia é mais um triste representante dessa mania de reduzir o cinema de espetáculo ao nível mais rudimentar de narrativa, para investir todo o orçamento (como dizer invenção?) na criação de sequências de correria, trocas de socos e explosões. É uma fórmula que vem dando muito certo ao longo da mortificante série Transformers – incrível como o público vem se contentando com tão pouco – e tem deixado sua marca em todos os blockbusters, dos últimos filmes Marvel a Piratas do Caribe. Nada se salva: os diálogos são constrangedores – vide a interminável gag onde o Dr. Henry Jekyll (Russel Crowe – atenção, fãs de monstros!) argumenta que a melhor saída para a humanidade é matar Nick Morton (Cruise), na frente do aparvalhado Morton; as sequências de ação repetem de forma piorada ideias que deram certo em filmes anteriores, inclusive o próprio A Múmia de 1999, “homenageado” na sequência em a personagem-título produz uma bizarra tempestade de areia em Londres; e velhos estereótipos de Hollywood voltam mais grotescos do que nunca, como o elenco todo branco e a troca do vilão masculino de filmes anteriores por uma Sofia Boutella (de Star Trek: Sem Fronteiras) seminua e se contorcendo da forma mais sexualizada possível.

É a triste mentalidade de que o cinema de ação precisa apelar aos instintos primitivos dos rapazes, ou a sustos, para os casais (as moças, por si, não entram na equação dos estúdios), excluindo a porção da humanidade que não é nem homem, nem adolescente, nem com algum nível de exigência na hora de comprar o ingresso. Peguei uma sessão lotada, e foi chocante notar como o cálculo manipulativo do roteiro (a três mãos!) de David Koepp, Christopher McQuarrie e Dylan Kussman funcionou – os sustos, todos previsíveis e numa irritante insistência, provocaram gritinhos e abraços apertados, e os momentos de humor canhestro, como todas as aparições do parceiro de Cruise, Vail (Jake Johnson, da série New Girl, que morre logo no começo e volta como um zumbi sarcástico), fizeram a plateia rir, mesmo sendo todos truques velhos.

É sintomático, nesse sentido, que a Universal tenha confiado o primeiro capítulo de seu “Dark Universe” a Alex Kurtzman, um velho colaborador de Michel Bay, J. J. Adams e Zack Snyder, cujo maior momento de glória até aqui foi produzir e escrever clássicos kitsch da televisão como Xena: A Princesa Guerreira e Hércules: A Lendária Jornada. A fórmula imbecilizante de roteiros célebres seus, como o primeiro Transformers (2007) e A Lenda do Zorro (2005) foi um elemento importante na guinada liderada por Bay, que até hoje define o cinema de ação de Hollywood.

Nesse lamaçal, o “elemento humano” – os atores – importa muito pouco. Cruise é o leading man carismático de sempre, só mais apático, preguiçoso e automático que em seus últimos projetos. E olhe que não desprezo o ator, capaz de desempenhos brilhantes, como em Magnólia (1999) e De Olhos Bem Fechados (mesmo ano), mas que voltou sua carreira ao cinema de ação (nada de errado nisso), e é responsável por alguns dos bons exemplares recentes do gênero em Hollywood. Annabelle Wallis (de Annabelle [2014]) como o par romântico de Morton, a arqueóloga Jennifer Halsey, mostra carisma, mas não muito. E Crowe, o outro grande nome do cartaz, finalmente se parece com a caricatura de si mesmo (Gerard Butler?) que ele vinha perseguindo há tempos. Boutella se presta ao triste papel já citado, quando não está gemendo, urrando e arfando como a Múmia.

Mas, enfim, se cinema é só para divertir, se ideias mais do que gastas são embaralhadas em sequências de ação intermináveis e soam novas, se Cruise discutindo com Wallis sobre a infâmia de a transa deles ter durado só quinze segundos soa muito engraçada, se todo plano com mais de cinco segundos invariavelmente conduzir a um susto e ainda assim funcionar como susto, então A Múmia vai ser pelo menos uma experiência agradável, se não perdurar na memória por mais do que a primeira virada à esquina. Ou você pode ter doze anos. Ou adorar Transformers.