Conheci Narciso Lobo quando ainda jovem me vi envolvido com questões do Centro Acadêmico Plácido Serrano, no Colégio Estadual, hoje Dom Pedro II. Não sei bem como foi a aproximação, mas logo me vi, tímido, engrossando as fileiras de jovens entusiastas pela liberdade política do país, em meio à ditadura militar. Dentre eles, Narciso. Um jeito franzino, mas já demonstrando uma liderança, me diz se topava fazer o programa de rádio da UESA, na Rio Mar. E assim me vi envolvido com todos eles, que passaram a dirigir a instituição. Narciso era versado em letras, literatura, poesia, música, cinema, política. Era o ano de 1968.

Depois dessa convivência, soube que ele havia ido para o Rio de Janeiro estudar jornalismo, o mesmo curso que mais tarde eu faria, aqui em Manaus. Encontrei-me novamente com Narciso quando de seu regresso e seu envolvimento com a produção do jornal Porantim, do Cimi, no qual estava colaborando. Eram os últimos anos da década de 70. Logo em seguida, em 1980, ele ingressaria na Universidade do Amazonas, como professor do Curso de Comunicação Social e nossos caminhos voltariam a se cruzar quando também ingressei na UA, em 1986. A partir daí, descobrimos afinidades e debatíamos divergências, estas nunca capazes de resistir a nossa união quando assim politicamente o momento exigia. E formamos parcerias ao longo do tempo seja dentro do próprio Departamento de Comunicação Social, seja na administração superior, quando ele esteve à frente da Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários, no final dos anos 80.

Uma outra particularidade nos ligava: a paixão pelo cinema. Enquanto me envolvia com o cineclubismo prático, Narciso experimentava o vigor da pesquisa acadêmica na dissertação de seu mestrado na ECA/USP com a preocupação do cinema no Amazonas. Sua pesquisa sobre as motivações, os meandros e as dificuldades que levaram alguns jovens manauaras, nos anos 1960, a criarem o Grupo de Estudos Cinematográficos – um coletivo de pessoas que não só exercitou o cineclubismo como enveredou pela difusão do cinema nos jornais e rádios e estimulou a produção de curtas-metragens – resultou na publicação do livro A tônica da descontinuidade. Cinema e política na década de 60, até hoje uma referência obrigatória para aqueles que querem compreender o cinema no Amazonas, até porque o grupo foi o responsável pela descoberta do pioneiro Silvino Santos.

Mais tarde, junto com a antropóloga Selda Vale, Narciso aprofundaria sua investigação exatamente na busca das raízes desse pioneiro do cinema amazônico, que nas décadas de 1910 e 1920 revelou para o Brasil as imagens da Amazônia. Dessa parceria surgiu o livro No rastro de Silvino Santos, hoje peça quase inexistente, e toda uma trajetória de incentivo a jovens de Manaus pela produção de filmes. A luta empreendida pelos dois pesquisadores sobre a preservação do Cine Guarany, que sacudiu a sociedade manauara, não foi o bastante para evitar não só que ele – um traço físico imponente da cultura da belle époque na cidade – mas todos os outros cinemas do centro fossem derrubados em nome de um “progresso” avesso a qualquer coisa que sugerisse uma lembrança do passado. Também sua participação na criação do Núcleo de Antropologia Visual da UFAM voltou a nos aproximar, sendo fundamental sua presença para a concepção das Mostras Amazônicas do Filme Etnográfico, que proporcionou a existência, hoje, de uma rede de comunicação entre documentaristas da região.

A importância de pensadores como Narciso Lobo, que sempre esteve à frente do tempo presente, seja como um visionário crítico, seja como um articulador político sutil, seja como um pesquisador atento dos aspectos dominantes da comunicação e do cinema, está na mesma dimensão da necessidade que temos de nos alimentar. Ou seja, é fundamental, é vital. Pessoas como ele não ficarão apenas na lembrança. Não nesse sentido lacônico, até porque ele compartilhava a definição de memória como algo em construção, algo que pulsa vivo. Depois de sete anos de sua partida para outras dimensões, a presença de Narciso ainda é forte na vida acadêmica, cultural, literária e política da cidade de Manaus. Fica a certeza de contarmos com ele através de suas obras, de suas palavras, de suas observações críticas.

Com saudades,

Tomzé Costa