Vamos tirar logo o elefante da sala, caro leitor: aí vai um alerta de spoiler histórico. Caso você não tenha acompanhado noticiário nesses últimos vinte e poucos anos, ou não tenha dado uma pesquisa no Google para aprender ou refrescar a memória após ver a primeira temporada de Narcos, é preciso dizer que nesta segunda o Pablo Escobar morre. O primeiro ano se encerrava com a fuga de Escobar da prisão de La Catedral em 1992, já o segundo se inicia logo após e é dedicado a mostrar a caçada ao maior traficante que o mundo já viu. E as coisas não acabam bem para ele, é melhor dizer logo. Esse não é um acontecimento sem força, ele é instrumental para a trama, é o ponto para o qual toda a temporada caminha.

A primeira temporada foi bastante elogiada e até rendeu uma indicação ao Globo de Ouro de Melhor Ator em Drama para Wagner Moura, pela sua interpretação de Escobar. Por isso, não deixa de ser um lance de ousadia para a série da Netflix se livrar do seu personagem mais importante e representativo. E nos bastidores, o caminho para esta segunda temporada foi meio atribulado, com produtores deixando a série e tendo que serem substituídos. Nesta temporada Chris Brancato, um dos criadores e um roteirista e profissional experiente em Hollywood, deixou a produção – ele ainda é creditado como produtor-consultor – e não há nenhum episódio comandado pelo cineasta brasileiro José Padilha – este, no entanto, se manteve como produtor-executivo.

Porém, a produção de uma série televisiva hoje é um negócio tão profissional, tão “azeitado”, que Narcos praticamente nem sentiu esse solavanco na estrada. A segunda temporada mantém o ritmo ágil e até o humor cortante da anterior, resultado do contraste entre a gravidade dos atos de traficantes, policiais e políticos, e o absurdo das situações retratadas. Mas este segundo ano é mais focado e mais sombrio. Se a primeira temporada às vezes lembrava Traffic (2000) pela ambição e escopo, esta lembra O Fugitivo (1993) em alguns momentos: a diferença é que ninguém (espera-se) torce de verdade para o fugitivo escapar em Narcos, apenas acompanhamos o desenrolar da sua fuga, esperando o momento da “batida do carro”, por assim dizer, como espectadores sedentos de sangue. Porque Escobar fez por merecer essa sede com seus atos terroristas e violentos, e ainda guarda mais alguns para este segundo ano…

Esta temporada também é mais compacta: enquanto a primeira abrangia um longo período cronológico, esta basicamente aborda apenas um ano, o ano da fuga de Escobar. Neste período, as forças envolvidas no processo da guerra contra as drogas se articulam. Escobar pode ser o motor da narrativa, mas de novo os roteiristas da série são hábeis em montar o “painel”, o retrato mais amplo da guerra. Assim, durante a temporada surgem os traficantes rivais interessados em acabar com Escobar e assumir seus negócios – um deles é uma mulher, a interessante personagem Judy Moncada vivida por Cristina Umaña. Vemos também os dois agentes americanos, Murphy (Boyd Holbrook) e Peña (Pedro Pascal), em alguns momentos se convertendo em meros peões desse jogo. E vemos as pressões políticas sobre o Presidente colombiano (Raúl Méndez), e também o grupo de vigilantes Los Pepes, que elevam a violência da luta contra o maior dos traficantes a outro nível. E como sempre, quem realmente se dá mal em todo esse processo são os cidadãos comuns…

Não se pode realmente dizer que todos esses personagens são desenvolvidos, ou mesmo que despertem fortes sentimentos no espectador. Mas Narcos apresenta uma proposta narrativa diferente: o protagonista da série é o tráfico da cocaína, seu objetivo é montar o já mencionado painel e que ele seja o mais abrangente possível. O mais importante para a série fazer isso é manter as coisas em movimento, como algumas das suas eletrizantes cenas de ação e perseguição.

Mesmo assim, isso não significa que os atores não possuam espaço para brilhar. Numa série com um enfoque tão predominantemente masculino, é bom ver que neste segundo ano Narcos dedica mais atenção a algumas personagens femininas – a já mencionada Umaña brilha, mas Tata, a esposa de Escobar, também tem mais destaque e sua intérprete, Paulina Gaitan, se mostra forte e capaz de criar empatia no espectador. Pascal tem mais oportunidades dramáticas neste ano que Holbrook, o que deixou seu personagem mais interessante, e até a narração em voice-over do agente Murphy foi usada de forma mais pontual e precisa, mas sem perder o tom irônico de antes.

Mas o dono da série, em termos de atuação, permanece sendo Moura. Neste ano, o ator até consegue despertar, em alguns momentos, um pouco de empatia por Pablo Escobar. Em outros, retoma a auto-ilusão do personagem, que mesmo em fuga ainda se vê como o herói da sua própria história. Visualmente, a direção dos episódios também encontra maneiras de evocar o declínio de Escobar por meio de detalhes: uma piscina seca numa cena; em outro episódio, um plano-sequência que mostra a invasão à casa do traficante e as suas forças em clara desvantagem. Nas mãos de Moura, Pablo Escobar é um sujeito ora poderoso, ora patético, mas sempre determinado e perigoso, e sua atuação nesta segunda temporada é até mais magnética que na primeira.

Narcos, na verdade, não é a história de ninguém em específico. É a história de uma guerra e de um momento histórico, e por mais que Pablo Escobar tenha representado o Sol em torno do qual tudo gira, é possível visualizar o futuro da série sem o famoso traficante. Essa certamente é a aposta da Netflix, e a temporada, tão sombria, se encerra apropriadamente não com uma nota de esperança, mas com a sensação de que a guerra parece não ter fim. No universo, sóis as apagam, mas há muitas outras estrelas para brilhar: Como a série vai manejar a ausência da sua figura mais emblemática é algo que descobriremos em 2017.  Mas, acima de tudo, o segundo ano representa um momento de consolidação e de superação de problemas para o seriado. A partir de agora, o futuro para Narcos está indefinido.