Natalie Wood foi um daqueles raros casos de atriz mirim que conseguiu crescer perante as câmeras sempre realizando trabalhos de destaque. Isso não significa que a estrela tenha tido uma vida tão glamourosa quanto as fotos do Google Imagens podem sugerir.  Natalie, como muitos sabem, teve um fim trágico e ainda muito mal explicado, quase 40 anos atrás.

A vida pessoal da estrela foi conturbada e, ainda que dona de uma carreira relativamente longa (principalmente para uma vida tão curta), ela não ficou imortalizada no imaginário popular como alguns de seus contemporâneos (Marlon Brando, Audrey Hepburn ou Marilyn Monroe, para citar alguns exemplos).

Mas, aqui no Cine Set, vamos fazer justiça a essa pequena pérola que esteve presente em clássicos indiscutíveis, como “Amor, Sublime Amor” e “Juventude Transviada”.

Uma profecia

Ela nasceu em São Francisco, na Califórnia, mas o nome de batismo não nega: Natalia Nikolaevna Zakharenko tinha origens no Leste Europeu. Sua mãe russa e seu pai ucraniano imigraram para os Estados Unidos e na Califórnia constituíram família. A pequena Natalia foi “descoberta” pela equipe de produção de “Filho Querido” (1943) e, de cara, ganhou uma ponta no filme. Aos quatro anos, foi assim que teve início a história de Natalie Wood na indústria do cinema.

Seria isso a confirmação de uma previsão feita à mãe de Natalia por uma cigana, que lhe disse que sua segunda filha seria uma mulher mundialmente famosa? A outra previsão da cigana era que a menina deveria tomar cuidado com água e possíveis afogamentos, mas mais sobre isso falarei daqui a alguns parágrafos.

Nasce Natalie Wood

A ponta em “Filho Querido” foi o start para que a mãe de Natalia resolvesse apostar na carreira da garotinha.

Não demorou para que ela fosse contratada pela RKO e que o nome ucraniano (já mudado pela família para o mais legível Gurdin) fosse mudado para o americanizado “Natalie Wood”.

O incentivo de Maria Stepanova (mãe de Natalie) foi fundamental para que a garota e depois sua irmã, Lana, enveredassem pelo cinema. Demorou um tempinho até que a futura estrela chamasse a atenção, de verdade. Diferente de Shirley Temple, ela não tomou as telonas de assalto logo de cara. Foram participações cativantes, porém menores, em filmes como “O Amanhã é Eterno” (1946) e “O Fantasma Apaixonado” (1947).

Aos sete anos, ela foi escalada para um filme que não apenas a tornou uma estrela mirim, mas que também virou um dos títulos mais conhecidos de sua carreira. “De Ilusão Também Se Vive” (1947) talvez seja mais lembrado pelas gerações mais novas por sua refilmagem, “Milagre na Rua 34” (1994), mas o filme de George Seaton é um deleite, e muito disso se deve ao trabalho doce de Natalie junto ao Papai Noel de Edmund Gwenn. A menina-prodígio não atua como tal, e parece realmente estar imersa naquele mundo. Depois, atuou com Bette Davis (‘Lágrimas Amargas’, de 1952), Margaret Sullavan (‘Destino Amargo’, de 1950), Barbara Stanwyck (‘Duelo Romântico’, de 1946), Bing Crosby e Jane Wyman (‘Filhos Esquecidos’, de 1942).

Nos bastidores, Maria já se mostrava uma mãe de miss, com relatos de que não deixava Natalie conviver com as outras crianças no estúdio. “Eu me sentia mal por Natalie, porque ela sentava no camarim e olhava eu e a minha mãe e a minha professora jogando cartas. Ela queria vir e participar, mas Maria não deixava”, conta Bobby Hyatt, que faz uma ponta em “De Ilusão Também Se Vive”.

Uma profecia, parte 2

A previsão da cigana sobre Natalie e a sua subsequente morte em 1981, aos 43 anos, se tornam ainda mais macabras quando se descobre que a atriz passou por diversos episódios de afogamento ao longo da vida, o que lhe conferiram um medo gigante de entrar na água.

Esse pavor da água nasceu em um set, quando a garota tinha apenas 10 anos. Em “A Grande Promessa” (1949), a personagem de Natalie precisava atravessar uma ponte para resgatar carneirinhos, mas durante a filmagem, a estrutura quebrou e a jovem caiu na água.

Em vez de gritar “corta!”, o diretor William D. Russell prosseguiu com a cena, como se o desespero de Natalie ao se afogar fosse uma atuação de primeira. Como resultado, Natalie quebrou um dos punhos e ganhou um trauma que a seguiu por toda a vida (assista à cena abaixo).

A verdade é que Natalie está bem no filme. Não era uma grande atriz mirim, mas tinha carisma e presença suficientes para fazer valer as cenas. No caso de “A Grande Promessa”, assistir o momento em que a jovem se afoga é estarrecedor, principalmente por sabermos todo o mistério que cerca a morte dela. Arrepios à parte, esse é o primeiro filme onde a atriz realmente tem um trabalho desafiador e, além do carisma e da presença que citei acima, ela começa aqui a mostrar que seria uma talentosa atriz dramática na vida adulta.

Rebelde sem causa

A fase adolescente de Natalie chegou com participações em dois clássicos do cinema. O primeiro foi “Juventude Transviada” (1955).

Muito além de ter definido a persona de James Dean (astro com fim ainda mais precoce que o dela), o filme de Nicholas Ray foi para a atriz o que (guardadas as devidas proporções) “Closer” foi para sua xará Natalie Portman e “Um Lugar Ao Sol” foi para sua quasi-contemporânea, Elizabeth Taylor: o trabalho de transição entre a estrela mirim e a jovem adulta, a prova de que ela poderia ser uma estrela de cinema.

Assim como em “A Grande Promessa”, há ainda uma certa imaturidade, principalmente perante o trabalho explosivo de Dean, mas a indústria já começava a ficar de olho na jovem, tanto é que ela foi indicada ao Oscar de atriz coadjuvante pelo papel (perdeu para outra co-estrela de James Dean, Jo Van Fleet, de ‘Vidas Amargas’) e ganhou o Globo de Ouro de revelação do ano. Ou seja: apesar de já estar trabalhando há uma década, aquela era a primeira vez que seu trabalho era levado a sério.

Em seguida, veio “Rastros de Ódio”, o faroeste que, como muitos exemplares do gênero, tem sua genialidade desafiada por aquela velha imagem dos nativos norte-americanos como vilões, e a participação de Natalie vem bem a calhar, já que é a sua personagem o ponto de conflito entre os índios e os brancos. É uma atuação que mostra mais maturidade, mas que, sejamos sinceros, fica no plano de fundo quando lembramos deste filme de John Ford. A fotografia irrepreensível e a presença do cowboy supremo do cinema norte-americano, John Wayne, tomam este western para si.

Vítima da indústria

Ao mesmo tempo, Natalie começava a sentir o que era a máquina dos grandes estúdios e a pressão de sua mãe: os primeiros namoros e a vida de adolescente foram limados e a vida pessoal seria moldada para uma imagem mais séria. Forçada a terminar um romance com um jovem chamado Jimmy, ela se envolveu com o diretor de “Juventude Transviada”, Nicholas Ray, 27 anos mais velho que ela.

No entanto, em tempos de #MeToo e de reavaliação de atitudes que sempre passaram em branco, é de se questionar que Natalie realmente tenha tido um breve romance com Ray. Afinal, ela tinha 16 anos. Era “comum” (abra muitas aspas aí) ver moças menores de idade com homens bem, bem mais velhos.

Durante muito tempo, o envolvimento entre Ray e Wood foi resumido como um “teste do sofá”, mas há um sexismo inerente a esse termo que só ficou mais evidenciado com as recentes acusações a Harvey Weinstein. No filme “O Mistério de Natalie Wood”, produzido por sua irmã Lana, vemos a jovem atriz ser convencida pela mãe a jantar na casa do já quarentão Frank Sinatra (que, anos depois, casou com Mia Farrow, outra estrela décadas mais jovens).

Se o que realmente aconteceu entre Wood e o diretor de “Juventude Transviada” é turvo, outra história envolvendo a estrela voltou a reverberar no início do ano. Quando, meses atrás, Kirk Douglas foi homenageado no mesmo Globo de Ouro que virou palco de protesto contra os crimes cometidos por Harvey Weinstein e companhia, o boato de que ele teria estuprado Natalie voltou a ser discutido.

Douglas nunca foi formalmente acusado, mas em “O Mistério de Natalie Wood”, Lana Wood diz que a irmã realmente foi estuprada por um ator conhecido. Anos atrás, um blogueiro (que muita gente acusou ser Robert Downey Jr). detalhou o crime, sem citar nomes, mas todos logo associaram a história ao pai de Michael Douglas e a estrela de “Juventude Transviada”. É mais um mistério que ronda a vida de Wood, mas, a depender dos relatos de sua irmã (que a conhecia muito bem), a situação está bem clara.

O terceiro ato

Em 1957, Natalie se casou pela primeira vez com Robert Wagner. Não, não há vírgula depois de “primeira vez”, porque eles se divorciariam em 1962, apenas para casar de novo em 1972. A união com ele desesperou sua mãe, que ficou com medo de ver a filha tão jovem “se render a um casamento” com apenas 19 anos em vez de se dedicar à carreira. À ela, Natalie prometeu que não teria filhos, já que eles atrapalhariam seu trabalho.

O casal apareceu junto no morno “Apaixonados Impetuosos” (1960). Essa foi uma das primeiras oportunidades de Natalie aparecer como adulta e independente de outro personagem: até então, ela era apenas a filha da protagonista ou a namorada do mocinho. O filme foi um fracasso e funciona mais para ver a dinâmica de Wagner e Wood em cena, e os dois não fogem à regra de casais da vida real que não conseguem transmitir a química para a telona.

Não que isso seja uma regra, afinal o filme seguinte de Natalie foi uma explosão de química e, mais do que isso, uma obra-prima e outro futuro clássico para a filmografia da atriz. Era um passo para fora do cinemão tradicional de estúdio, conduzido pelo mesmo diretor de uma das atuações que mais impactaram Wood: Elia Kazan (e a atuação em questão era a de Vivien Leigh em ‘Uma Rua Chamada Pecado’).

Natalie aparece despida de todo o glamour Hollywoodiano em “O Clamor do Sexo”. Ao lado dela, um jovem ator, parte da escola do Método. Poderia ser um desastre, mas é a dobradinha entre Wood e Warren Beatty que faz do romance dirigido por Kazan um daqueles títulos que não deixam o espectador. O filme é explosivo desde a primeira cena e dá para perceber que a nova forma de trabalhar foi um desafio que empolgou Natalie: era uma personagem com início, meio e fim. Nada de mocinha indefesa. Tudo isso culmina na melancolia impressa nos minutos finais da projeção. Não se vê mais a jovem de 20 e poucos anos.

“O Clamor do Sexo” também é lembrado pelos fãs da estrela por ser mais um episódio em que o pavor de água de Natalie se torna palpável. Sabendo que Elia Kazan costumava trabalhar com atores do Método Stanislavski, não há como assistir à cena do lago ou, principalmente, o momento da banheira e não imaginar como foi a produção.

Hoje em dia, assistir “Amor, Sublime Amor” requer um esforço de “não problematização”. A despeito das cenas milimetricamente coreografadas (dá vontade, “La La Land”), da trilha sonora reconhecível até hoje e do trabalho impecável de Rita Moreno, não há como não ignorar que é um filme que padece do whitewashing. Muito se fala sobre o fato de Natalie não cantar (a voz que ouvimos nas músicas é de Marni Nixon, que também dublou Audrey Hepburn em ‘My Fair Lady’), mas o que incomoda mesmo é ver uma atriz praticamente europeia como a porto riquenha Maria (ou o grego George Chakiris com blackface vencedor de Oscar), enquanto tantas estrelas latinas eram relegadas a papéis menores.

Ainda assim, “Amor, Sublime Amor” é um filme icônico. Como falei acima, há cenas de coreografia impecável e a direção de Robert Wise aliada ao design de produção e à fotografia justificam as láureas que o musical recebe até hoje. Apenas o uso do vermelho em todo o filme já valeria um texto, pra dizer a verdade.

Quando “Amor, Sublime Amor” estreou, Natalie já estava separada de Robert Wise. Ela engatou um relacionamento muito público com Warren Beatty, que já ganhava fama de conquistador. Depois, casaria pela segunda vez, com Richard Gregson.

No cinema, as coisas estavam interessantes, com o musical “Gipsy – Em Busca de Um Sonho”, que, sem canções de tom quase operístico de “Amor, Sublime Amor”, acabou proporcionando a ela a chance de finalmente cantar em cena.

Natalie surgiu ainda mais madura no interessantíssimo “O Preço de Um Prazer”, que lhe rendeu sua terceira e última indicação ao Oscar (a segunda foi por ‘O Clamor do Sexo’). Nunca ter vencido o prêmio foi fonte de frustração para a estrela, mas, se há consolo, o trabalho no filme de Robert Mulligan prova o talento da atriz para comédias românticas. Assim como foi com Warren Beatty, há magnetismo quando a vemos em cena com Steve McQueen nesse filme bem divertido e por vezes esquecido na filmografia dela.

A química entre Natalie e o seu colega de cena foi a fonte de sucesso de mais um filme, “Essa Mulher é Proibida” (1966). Aqui ela aparece com um jovem que ainda buscava se estabelecer em Hollywood e que, até hoje, é só elogios para a estrela e o apoio que ela deu no início de sua carreira. É verdade que o filme de Sydney Pollack pertence mesmo ao ator em questão, Robert Redford. O jogo de gato e rato e o interesse de Wood no personagem de Redford são tão intrigantes quanto o cenário que cerca a história, roteirizada por um jovem promissor chamado Francis Ford Coppola em cima da obra de Tennessee Williams.

Além desses filmes, Natalie trabalhou ainda com Tony Curtis em ‘Médica, Bonita e Solteira’ e ‘A Corrida do Século’, e voltou a colaborar com os Roberts Redford e Mulligan em ‘À Procura do Destino’. Seu último trabalho de destaque veio em 1969, quando a jovem de 30 anos já começava a se considerar velha demais (!) para a indústria: “Bob, Carol, Ted e Alice” é espirituoso e mostra o potencial de Natalie para seguir trabalhando nos filmes mais progressistas que o cinema norte-americano viriam a produzir na década seguinte.

Os anos 1970

Mas Natalie já não tinha interesse no cinema. Após tentativas de suicídio, se dedicou à terapia e chegou a desistir de ser a Bonnie de “Bonnie e Clyde” porque não teria como seguir no tratamento. Após virar mãe, em 1970, ela preferiu diminuir o ritmo. Seus últimos anos foram divididos entre participações (‘O Candidato’, de 1972) e principalmente filmes para a TV, com direito a remakes, como um telefilme bem insosso de “Gata em Teto de Zinco Quente” (1976) e a uma versão em minissérie para “A Um Passo da Eternidade” (1979).

Nesse meio tempo, a relação com Gregson terminou e Natalie se reconectou com Robert Wagner, com quem casou de novo, como falei mais acima. Os dois trabalharam algumas vezes nesses projetos televisivos e também no cinema.

Um fim cercado de mistério

Natalie parecia caminhar para a vida tranquila que tanto almejava até que, na noite de Ação de Graças de 1981, ela aproveitava uma folga nas filmagens de “Projeto Brainstorm” em um iate com o marido e o colega de elenco, Christopher Walken.

Tudo o que ronda aquela noite é um grande mistério.

A única coisa que se sabe é que, em dado momento da noite, Wood caiu na água e se afogou. Quando foi encontrada, ela já estava morta. Wagner chegou a dizer que os dois brigaram antes de ela desaparecer. Christopher Walken nunca comentou o ocorrido.

O caso voltou a ser aberto mais de uma vez. O depoimento do capitão do barco levantou suspeitas e, em 2011, a investigação foi retomada, sem conclusões. No início de 2018, Robert Wagner se tornou suspeito do caso. Segundo o G1, há cinco anos ele se recusou a falar com os investigadores – naquele mesmo ano, um relatório do IML de Los Angeles apontou que a atriz pode ter sido agredida antes de morrer.

Em entrevistas, a filha de Natalie, Natasha (que assina como Gregson-Wagner e considera os dois maridos da mãe como seus pais) disse que não acredita que Robert seja culpado da morte da mãe.

O mistério que ronda a morte de Natalie Wood virou uma daquelas anedotas hollywoodianas sem solução. Caso Wagner realmente tenha culpa no cartório, é bem provável que ele (e potencialmente Walken) leve a verdade sobre o ocorrido naquela noite para o túmulo.

Independente do resultado da investigação, Natalie é uma vítima de Hollywood. Jogada como bola de vôlei entre estúdios e, a exemplo de outras estrelas como as que citei no primeiro parágrafo, moeda de troca de tabloides e rodeada de traumas, ela talvez nunca tenha sido feliz de verdade com a vida de estrela de cinema. Quando se escolhe o que fazer da vida com quatro anos (ou quando escolhem por você) e se é bem-sucedido desde cedo, esse sucesso pode ser uma prisão.

Há uma linha tênue entre Natalia e Natalie, que a dona desses dois nomes talvez nunca tenha conseguido encontrar. No fim das contas, a Natalie atriz-estrela-de-cinema não deixa de ser um enigma: carismática, mas por vezes estrela relutante; talentosa, mas com altos e baixos. E talvez essas dicotomias sejam o que fez sua persona ser tão intrigante para quem a vê cantar sem cantar em “Amor, Sublime Amor”, recitar Shakespeare em “O Clamor do Sexo” ou simplesmente pedir um presente ao Papai Noel em “De Ilusão Também se Vive”.