De gênio do xadrez aclamado pelos EUA a persona non grata exilado, conhecido pela paranoia e pelas declarações antissemitas: assim poderia se resumir a triste trajetória do enxadrista americano Bobby Fischer. Claro que a figura de Fischer é muito mais complexa e até difícil de ser decifrada – e não à toa, eventualmente, rende material para o cinema, como no documentário Bobby Fischer Against the World, de Liz Garbus. A mais recente incursão, porém, é o drama O Dono do Jogo, de Edward Zwick, que até finge que vai tentar, mas se esquiva de mergulhar nas profundezas do que torna Fischer tão enigmático.

Na verdade, Zwick segue quase à risca a cartilha da cinebiografia inofensiva no começo, mostrando Fischer como se fosse uma espécie de rock star problemático daqueles que sempre vemos nos filmes afora – e, por isso, dá-lhe edições dinâmicas ao som de músicas dos anos 50 e 60 e imagens de arquivo. Acompanhamos Fischer desde a infância, ao lado da mãe comunista e da irmã, à medida que ele começa a embarcar naquilo que se tornaria sua principal obsessão: o mundo do xadrez. Se Rocky treinava para os ringues, Fischer treina para os tabuleiros. Já adulto, é em seu primeiro campeonato mundial que ele enfim parece encontrar seu oponente à altura para toda a vida: o russo Boris Spassky.

A partir daí, o filme de Zwick concentra seus esforços a mostrar os esforços de Fischer em derrotar Spassky no xadrez. Afinal, como o diretor gosta de frisar, mais do que para o esporte, tratava-se de uma conquista simbólica em jogo, em mais um embate entre os “ianques” e os russos em pleno contexto da Guerra Fria. Na pele do protagonista, Tobey Maguire compra a ideia da obsessão que rodeia Bobby Fischer e encarna o enxadrista com arrogância e dedicação, e com doses de paranoia cada vez maiores à medida que a projeção avança. Detalhes como sons atrás da porta ficam ainda mais altos, reforçando a confusão em torno do personagem.

Aí reside o maior problema do longa de Zwick: a visão simplista de seu protagonista. Conforme fica mais egocêntrico e obcecado, Fischer acaba se tornando uma espécie de garoto mimado aos extremos aos olhos do espectador, e é difícil criar empatia com ele, uma vez que o background psicológico do personagem nunca é explorado o suficiente. Por que Fischer, antes tido como esperança redentora dos EUA por meio do xadrez, se tornou o homem que morreu isolado na Islândia? O que aconteceu no meio do caminho? São algumas perguntas que o roteiro assinado por Steven Knight até levanta, mas prefere não se aprofundar. Não que fosse necessário chegar a respostas exatas, mas o desenvolvimento do personagem se perde pela falta de coragem em investir nisso.

Todavia, O Dono do Jogo prefere se concentrar na parte mais óbvia e superficial da história de Fischer: o confronto com Spassky. Na pele do campeão, Liev Schreiber tem pouco a fazer, a não ser resmungar em russo e agir como um pop star acompanhado por meia dúzia de seguranças engravatados enquanto vai à praia nos EUA. Uma vez frente a frente no confronto decisivo entre os dois, Zwick acaba mostrando o quão complicado é filmar uma partida de xadrez sem recorrer a clichês que tentam dinamizar ao público um jogo tão cerebral, desde a trilha sonora condutiva a personagens secundários explicando cada movimento dos protagonistas. Às vezes funciona, outras nem tanto. A ideia de popularidade do xadrez levada aos extremos é divertida, no entanto, embora difícil de comprar como “real”.

Assim, O Dono do Jogo acaba sendo muito mais sobre um monte de partidas de xadrez jogadas por um homem neurótico e problemático do que sobre o homem em si. É curioso, pois Zwick dá a entender que queria contar a história de Fischer, mas deixou para fazer tudo isso numa longa sequência de créditos finais que explicam toda a trajetória do protagonista. É como se o que poderia fazer a diferença para o filme todo ficasse relegado a uma apresentação de slides anexa ao longa. Fischer acharia isso potencial desperdiçado.