Quando “O Espetacular Homem-Aranha” teve sua produção anunciada, em 2010, muitos fãs do herói no cinema ficaram apreensivos quanto ao futuro da franquia – sem seus pilares centrais, o diretor Sam Raimi e os atores Tobey Maguire e Kirsten Dunst, responsáveis pelo sucesso da empreitada, a série poderia perder o rumo.

Certo, o último filme da trilogia de Raimi não foi lá grande coisa – sou um dos poucos a achar que ele é mais do que “bom”, embora admita que ele está longe do excelente nível alcançado pelo primeiro e segundo episódios – mas foi essa série, e não o “X-Men” de Bryan Singer ou o “Batman” de Christopher Nolan, que, durante a década passada, deu sucesso e consistência suficientes aos “filmes de super-herói”, a ponto dos grandes estúdios resolverem investir maciçamente neles. Estragar essa trajetória vitoriosa seria um insulto.

Felizmente, não foi o que aconteceu. A aposta foi alta: entregar uma franquia que rendeu mais de 2,5 bilhões de dólares no mundo todo a um diretor novato (Marc Webb, do interessante “500 Dias com Ela”) e a dois atores promissores, mas que ainda não são “astros” (os excelentes Andrew Garfield, de “A Rede Social”, como o protagonista, e Emma Stone, de “Zumbilândia”, como sua namorada, Gwen Stacy). Tirante a decisão discutível de “recomeçar” a saga, “O Espetacular Homem-Aranha” sai-se bem acima das expectativas.

De início, o filme já toma uma distância considerável da trilogia de Raimi – no que faz muito bem, uma vez que a comparação seria inevitável: Peter Parker, o Homem-Aranha, não é aqui o rapaz franzino e tímido da interpretação de Tobey Maguire, mas um garotão enérgico e inconsequente, carregado de angústia pela morte misteriosa dos pais.

Na caracterização vívida e empolgante de Garfield, que parece estar se divertindo bastante no papel, ele é interessado em Gwen, aluna brilhante de ciências, que estagia numa grande companhia do ramo bioquímico (fãs dos quadrinhos e da trilogia de Raimi vão reconhecer aqui a Oscorp, empresa de Norman Osborn, o vilão Duende Verde). Numa associação improvável de eventos, o chefe de Gwen, Dr. Curt Connors (Rhys Ifans, também ótimo), foi parceiro do pai de Peter em experimentos científicos do passado. Com um braço amputado, Connors ambiciona criar um soro capaz de regenerar os membros humanos, à maneira dos lagartos.

Pois cabe a Peter ajudar o cientista na criação desse soro, que, mais do que regenerar membros, torna Connors uma criatura monstruosa, com garras, escamas e cauda: o Lagarto. Para completar a ciranda, o pai de Gwen vem a ser o chefe da Polícia de Nova York, cuja missão é… capturar o Homem-Aranha.

Certo, o roteiro de “O Espetacular Homem-Aranha” não é tão “redondo” quanto o do primeiro filme de Raimi. Mas, em certos aspectos, é melhor: Parker é um personagem ainda mais complexo, a sua relação com a namorada toma caminhos mais diversos e surpreendentes, e mesmo a motivação de Connors, que soa falha, subentende tragédia e desespero genuínos.

Mais ainda do que Maguire e Dunst para a trilogia – dois grandes atores, aliás –, Garfield e Stone soltam faísca em cena, exprimindo com fidelidade a paixonite adolescente dos protagonistas. O filme, aliás, recupera a personagem de Gwen – nos quadrinhos, a primeira namorada “séria” do Homem-Aranha, que cativou o herói durante sua fase mais popular, no final dos anos 60.

E as sequências de ação são excelentes, explorando bem os recursos de efeitos especiais e câmera subjetiva, com a tensão suspensa sempre até o último segundo, para que possamos experimentar, com a máxima aflição, o aperto vivido pelo herói.

O “Espetacular Homem-Aranha” consegue ser, de fato, um novo começo para o herói mais querido dos quadrinhos. Embora ainda não tenha atingido o escopo épico do segundo filme de Raimi – comparação persistente, mas inevitável –, promete chegar a alturas ainda maiores, a depender da sintonia e da disposição mostrada pelo trio Webb-Garfield-Stone neste filme.