“O Filho de Saul”, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro neste ano, é uma verdadeira viagem ao inferno. E não estou falando do inferno bíblico conforme descrito em escrituras sagradas, mas sim de um inferno terreno, criado pelo próprio homem, cujas motivações e frieza necessárias para executar tamanhos atos de crueldade desafiam qualquer lógica.

Estamos no fim da Segunda Guerra Mundial e o filme nos apresenta a Saul, um dos vários judeus que foram recrutados pelos nazistas para auxiliar na execução do seu próprio povo, levando-os para dentro das câmaras de gás. Em troca, Saul e seus companheiros ganham apenas mais alguns meses de vida, pois no final eles próprios também terão o mesmo destino. Um dia, Saul testemunha um garoto sobreviver à câmara de gás, apenas para no momento seguinte ser morto pelos médicos nazistas. Ele então inicia uma missão praticamente impossível para resgatar o corpo do garoto e encontrar um rabino entre os prisioneiros que possa lhe dar um enterro digno.

Com a câmara sempre na mão e próxima do rosto do protagonista, o cineasta húngaro László Nemes, naquele que é o seu primeiro filme, imprime um senso de urgência sufocante. Construído a partir de vários planos-sequências que se estendem por longos minutos, o filme nos transporta diretamente para a rotina do campo de concentração e presenciamos a sequência de atividades que, em ritmo quase industrial, permitiram que se colocasse em prática a “Solução Final”.

No entanto, longe de ser sensacionalista, o filme encontrou uma forma bastante interessante para retratar o horror que ocorria entre aquelas paredes. Afinal, a câmera nos faz compartilhar a mesma perspectiva de Saul, uma pessoa que já testemunhou a barbárie por meses a fio e agora encontra-se em um estado quase que completamente anestesiado. Assim, todos os corpos e sangue que restam após as sessões nas câmaras de gás são vistos apenas como imagens borradas ao fundo, sem nunca entrar em foco. É um artifício muito inteligente, ainda mais se pensarmos que, como um prisioneiro cumprindo ordens, Saul deveria manter sempre a cabeça abaixada e nunca poderia examinar em detalhes os seus arredores, observando tudo apenas de soslaio.

Isso, porém, não diminui a nossa percepção das atrocidades cometidas ali. Ainda que sem foco, as imagens são nítidas o suficiente para que a nossa imaginação preencha as lacunas que faltam. Além disso, o trabalho de som do filme é magnífico, com diversas passagens que causam arrepios ao apenas ouvirmos gritos e disparos distantes, mas cujos significados são bastante claros.

Mas apesar de todas suas qualidades técnicas, confesso que o filme não despertou em mim uma forte conexão emocional. Claro, a situação absurda de um dos episódios mais atrozes da história recente da humanidade naturalmente desperta a empatia do espectador, mas isso é conquistado através do nosso conhecimento prévio sobre o Holocausto. O filme não se preocupa em fornecer nenhuma informação sobre o passado, os relacionamentos ou até mesmo as motivações que levam Saul a ser tão determinado em cumprir a sua missão. O que o protagonista tenta realizar é um feito admirável, sem dúvida, mas que se torna de difícil compreensão à medida que os obstáculos no seu percurso vão aumentando.

Sem um grande envolvimento emocional e com seu estilo de filmagem propositalmente caótico, o filme acaba se tornando um pouco cansativo à medida que a projeção avança. No final, a sensação é a de que estamos diante daquele tipo de projeto destinado a ser admirado, mas não necessariamente amado.