Ao contrário dos outros gêneros cinematográficos, a comédia parece sofrer mais intensamente os efeitos do tempo. Muitas piadas perdem a graça depois de serem ouvidas pela primeira vez, ou então o roteiro, copiado posteriormente ou ele próprio cópia de algum modelo anterior de sucesso, desgasta-se a olhos vistos. Por isso, assistir a “O Grande Lebowski” hoje, 16 anos após seu lançamento, é constatar um feito pouco comum entre as comédias: ele envelheceu muito bem!

Nessa comédia de erros, os diretores Joel e Ethan Coen mostram porque seus nomes são garantia de curiosidade por parte de público e crítica. Afinal, quem imaginaria que o personagem título, um tiozão hippie para quem toda hora parece ser 4:20 e que passa grande parte do filme de pijamas, se tornaria um dos anti-heróis mais icônicos do cinema? Quando os Coen, que escreveram o roteiro além de dirigir o filme, decidem que bandidos irão confundir esse despreocupado Lebowski (Jeff Bridges) com um ricaço devedor também chamado Lebowski, as piadas mais inusitadas surgem na tela, para a satisfação do espectador.

A atuação de Jeff Bridges como Lebowski é provavelmente uma das melhores de sua carreira já pontuada por ótimos trabalhos. Ele usou várias suas próprias roupas como peça de figurino (o que nos faz pensar como um renomado ator se veste daquela maneira), fez questão de conferir com os Coen o nível de entorpecimento de Lebowski em cada cena para imprimir nelas algum cacoete e fez juz ao fato de que o roteiro foi elaborado com ele em mente. Em “O Grande Lebowski”, Bridges tem o palco perfeito para exercitar seu timing para a comédia em união com um cuidadoso trabalho de composição de um personagem totalmente fora de seu tempo.

Figuras como o próprio Lebowski (ou melhor, The Dude, como prefere ser chamado) beiram o caricato. Assim o são seus “fieis escudeiros” do boliche, interpretados pelos afiados John Goodman, Steve Buscemi e John Turturro, ou a ousada Maude (Julianne Moore). Porém, essa característica casa de maneira harmoniosa com os absurdos introduzidos, um a um, no alucinante roteiro do filme, que mistura a confusão das identidades com drogas, feminismo, filmes pornôs, maternidade, violência e uma crítica ao fim do sonho de “paz e amor” (do universo ao qual The Dude insiste em tentar reviver) perante o sabor amargo dos anos 1990.

Fosse apenas estranho, o roteiro de “O Grande Lebowski” contribuiria para torná-lo datado como tantas outras comédias das quais rimos apenas na primeira vez que as assistimos. No entanto, os Coen foram mais além ao desenvolver o filme com um refinamento muitas vezes dedicado apenas aos gêneros “sérios” do cinema.

Dessa maneira, vêem-se em “O Grande Lebowski” novas camadas a cada vez que retornamos a ele. Amparados por um amplo conhecimento fílmico, os irmãos permitem-se travar uma ligação implícita da montagem de “O Grande Lebowski” e filmes Noir ao colocar o protagonista como narrador e figura onipresente, fazer uma inusitada homenagem aos musicais de Busby Berkeley calcados nas formas geométricas criadas a partir da coreografia ou mesmo auto-referenciarem seus filmes anteriores a partir da rivalidade entre os personagens Walter (Goodman) e Donny (Buscemi).

Esses momentos são mais que tiradas bacanas para divertir os cinéfilos. Elas harmonizam com o andamento da trama e geram riso mesmo para os espectadores sem o background para contextualizá-las. Tal domínio, aliado à rebeldia de se arriscar não apenas com o roteiro, mas também com a montagem, mostra o quanto uma comédia ganha ao ser bem trabalhada e por que ela permanece objeto de culto ao redor do mundo depois de tanto tempo.

Nota: 9,0