Um ditado comum no cinema afirma que um diretor ruim pode fazer um filme decente se tiver um bom roteiro, mas o melhor cineasta jamais conseguirá redimir uma história medíocre. A tese é de certa forma contrariada por este filme, que traz um trabalho (previsivelmente) brilhante de Robert Downey Jr. (série Homem de Ferro) e Robert Duvall (O Poderoso Chefão, Apocalypse Now).

Não que O Juiz seja um mau filme. Há vários bons momentos, garantidos sobretudo pelo grande elenco de apoio (Vera Farmiga, de Amor sem Escalas; Billy Bob Thornton, de O Homem que Não Estava Lá; Vincent D’Onofrio, de Nascido para Matar), mas a trama clichê, calculada para emocionar, e um gosto rançoso daquela mentalidade conservadora, subúrbio-do-bem-versus-cidade-do-mal, que já deu tantos filmes aborrecedores (confesso que até Forrest Gump me incomoda nesse aspecto), pesam contra as virtudes deste trabalho.

Hank Palmer (Downey Jr.) é um advogado especializado em salvar figurões, um indivíduo arrogante e pouco afeito a escrúpulos, que tem carrão, esposa-modelo e filha na melhor escola da cidade. Mas, desde o início, vemos que seu mundo perfeito guarda rachaduras: seu casamento está em ruínas, ele anda insatisfeito com a rotina fútil, e há anos não revê os parentes na cidade natal, Carlinville, que abandonou há muitos anos. A morte da mãe vem, literalmente, mudar esse cenário.

Logo de cara, o reencontro entre Hank e os irmãos (Glen, vivido por D’Onofrio, e Dale, interpretado por Jeremy Strong) é amigável, mas cheio de desconforto, sobretudo porque Henry, com seu estilo cosmopolita, urbanóide, se sente deslocado entre os parentes caipiras. Mas a relação mais tensa é a de Hank com o pai, Joseph (Duvall), há décadas o juiz principal de Carlinville e considerado o bastião moral da comunidade, e que despreza o filho como frívolo e mimado.

Palmer que dar o pé dali o mais rápido possível, e quase consegue, mas o pai é envolvido em um acusação grave de assassinato, e só Hank é capaz de defendê-lo. No processo, ele irá redescobrir o valor da família e as delícias da vida suburbana.

O filme é dirigido por David Dobkin, cineasta especializado em comédias ligeiras, como Penetras Bons de Bico e Eu Queria Ter a Sua Vida. Em sua primeira incursão pelo drama, a experiência no gênero lhe permite alternar, com leveza, momentos de humor e ironia com os embates mais duros entre Henry e Joseph. Mas sua opção por ênfases gastas – trilha sonora alternando canções country bonitinhas e música orquestral lacrimejante, a cargo de Thomas Newman (Um Sonho de Liberdade), iluminação escura e uso de vento e chuva nos momentos tristes e, principalmente, o endosso à mensagem moralizante do filme, como no plano da bandeira dos Estados Unidos perto do final – acaba por arranhar boa parte da experiência emocional que a história propõe.

Resta, então, como razão para ver o filme, os atores. Downey Jr. aparece mais uma vez como o milionário esperto e escorregadio, mas de bom coração, que vimos em Homem de Ferro; como o grande ator que é, porém, ele consegue extrair novas nuances desse personagem, e nos envolve na jornada de Hank Palmer sem se deixar enredar nas armadilhas sentimentais do roteiro. Duvall, por sua vez, também vive um personagem clichê, o do velho ranzinza que guarda delicadeza e ternura, mas sua postura a um só tempo altiva e frágil também consegue driblar a tentação do banal.

Farmiga continua uma ótima parceira de cena, versátil e cativante, e D’Onofrio e Strong, como os irmãos de Hank, também têm seus momentos, o mesmo valendo para Thornton, que faz o promotor (com o péssimo nome de Dwight Dickham), mas todos estão ali para fazer escada à grande dupla central.

O Juiz traz boas chances de indicação ao Oscar, para Downey e, principalmente, Duvall, e marca o ponto de partida para uma carreira possivelmente mais ambiciosa e madura de Dobkin. Se ele comer mais feijão, e continuar atraindo grandes nomes para seus projetos, arrisco até dizer que ele pode vir a se tornar o novo David O. Russell (Trapaça). Fica a torcida, então, e a sugestão para você conferir, sem medo, o trabalho de dois atores fabulosos.

Nota: 6,5