ALERTA: texto contém SPOILERS

Sem medir esforços, a Netflix continua investindo em séries destinadas ao público jovem, desta vez, com ‘O Mundo Sombrio de Sabrina’. O seriado escolhe propositalmente elementos de terror e a diversidade do elenco para cumprir o objetivo de dialogar com seu espectador, entretanto, nenhuma das duas cumprem o esperado devido à forma que são exploradas pelos roteiros, criando uma história semelhante a outras produções do gênero. Mesmo com a empatia da protagonista, os pontos fracos se tornam visíveis conforme a trama se encaminha para uma conclusão.

Na série, Sabrina Spellman (Kiernan Shipka), ao completar 16 anos, deve realizar seu batismo como bruxa e deixar a metade humana para trás, incluindo o namorado Harvey Kinkle (Ross Lynch) e as amigas Susie Putnam (Lachlan Watson) e Rosalind Walker (Jaz Sinclair). Ao negar escolher entre as duas vidas, a feiticeira passa a enfrentar uma dualidade que constantemente gera conflitos para si e sua família, composta pelas tias Hilda (Lucy Davis) e Zilda Spellman, o primo Ambrose (Chance Perdomo) e o gato Salem. Logo no início, ‘O Mundo Sombrio de Sabrina’ apresenta pequenas pistas sobre a morte dos pais da protagonista e como o acontecimento se relaciona com o interesse do Diabo na jovem bruxa. Enquanto essa trama é prolongada até o último capítulo, Sabrina presencia diversos cenários de terror ao enfrentar bruxas, demônios e eventos envolvendo canibalismo e sacrifício humano.

Essas cenas assustadoras contam com diferentes figuras simbólicas para impressionar o público, intenção efetiva em raros momentos. A grande quantidade de cortes é um dos principais motivos para tais sequências ficarem perdidas na trama, pois, causam confusão no espectador sobre o que está sendo visto. Além disso, a língua se torna uma grande barreira, pois Sabrina e as outras bruxas evocam grande parte dos feitiços em latim, deixando o público adivinhar ou não quão ruim pode ser a atitude das personagens.

Juntando os dois problemas citados com a ausência de uma trilha sonora marcante – fator importante para criar um bom suspense – o terror não consegue avançar, mesmo com o ótimo trabalho do design de produção. Visualmente, os cenários e as figuras macabras são um ponto forte e contribuem muito para que a vivência dos bruxos seja compreendida. A responsável pelo setor, Lisa Soper (“Paranoid” e “A Enviada do Mal”), acrescentou em “O Mundo Sombrio de Sabrina” pequenos detalhes significativos para a construção dos personagens, principalmente em relação à casa da família Spellman, onde cada cômodo mostra o mundo no qual a protagonista foi criada.

Se tropeça no terror, ‘O Mundo Sombrio de Sabrina’ até tenta apelar para a questão da diversidade para obter maior sucesso, mas, também fica pelo caminho. Além de possuir mais personagens femininas, o seriado inicia uma discussão sobre o papel da mulher quando Sabrina decide criar um grupo de apoio dentro da escola que frequenta. A missão é idealizada juntamente das amigas Rosalind, uma garota negra questionando sempre os motivos da censura do colégio a determinados livros, e Susie, uma jovem não-binária, interpretada por um ator do mesmo gênero.

Mesmo com a presença delas, o debate iniciado é constantemente esquecido ou tratado de forma superficial. A própria Susie não fala abertamente sobre seu gênero, apenas o bullying que sofre é retratado como argumento para atitudes precipitadas da protagonista. O primo de Sabrina, Ambrose, também é uma das tentativas de adicionar maior representatividade para a produção ao apresentar seu relacionamento com outro bruxo, assunto tratado sem relevância pela história principal e com pouco tempo em cena. Assim, novamente, um fator original da série não agrada por prometer algo que não cumpre.

Além disso, a representação de minorias se torna inconstante devido “O Mundo Sombrio de Sabrina” exibir situações contraditórias à temática defendida até então. Mesmo com diversos momentos reafirmando a importância das bruxas para o coven dos imortais e o grande poder que elas possuem, Sabrina e as três irmãs órfãs utilizam a sexualidade para demonstrar sua influência sobre os humanos. Na mesma cena, as personagens ridicularizam quatro rapazes fazendo-os tirarem fotos como se fossem gays, situação bem problemática para uma série que poderia aprofundar um relacionamento LGBT com Ambrose ou, até mesmo, Susie.

Tentando estabilizar esses aspectos e salvar a trama, Kiernan Shipka dá vida a uma protagonista carismática. Presente em praticamente todas as histórias secundárias, a atriz acrescenta drama e ironia para a personagem, com a difícil tarefa de provar que Sabrina também pode ser uma das figuras que dá medo no público. Esses fatores são apresentados com uma atuação contida da atriz revelada em “Mad Men”, que, apesar de todos pontos questionáveis da narrativa, consegue defender a personalidade e motivações que seu papel retrata.

Salvo o elenco jovem, a presença adulta na série é fraca e inconstante. Mesmo com personalidades distintas, Zelda e Hilda ficam restritas às funções de superprotetoras de Sabrina, enquanto a vilã, Madame Satã (Michelle Gomez),  não deixa claro suas intenções durante toda a temporada, revelando o objetivo apenas no último episódio. Para piorar, as falas, roupas e trejeitos da personagem a tornam extremamente caricata e até mesmo cômica, apresentando mais uma figura que não assusta ou entretém o espectador.

Cercada de boas intenções, ‘O Mundo Sombrio de Sabrina’ possui defeitos consideráveis, dificultando o diálogo com seu espectador. Ao adotar um tom obscuro, a série busca um amadurecimento da trama, desempenhado sem sucesso devido como seus personagens são retratados. Mais aterrorizante que o seriado é o fato da segunda temporada não apenas ter sido confirmada pela Netflix, como também estar sendo gravada. Para quem busca um terror light e dramas adolescentes, o seriado é uma boa opção, mas para aqueles que já estão acostumados com a dinâmica de séries para o público jovem, as novidades apresentadas pela adaptação das histórias de Sabrina não são suficientes para criar uma boa atração.