Provável que os mais novos nem se lembrem, mas o cinema brasileiro sofria um imenso descrédito perante o grande público consumidor da sétima arte. Em um passado nada distante, a audiência ignorava a cinematografia produzida no Brasil, resquícios da época das chanchadas, pornochanchadas e cinema marginal, e apenas raras exceções salvavam-se do ostracismo.

No final dos anos 90, um movimento começou a ganhar espaço na cena audiovisual, a chamada Retomada, conduzida por nomes como Carla Camurati, Walter Salles, Bruno Barreto e outros, e com isso a sétima arte produzida aqui começou a ser vista com olhos mais simpáticos, caminhando lentamente para uma relação mais íntima.

Com o passar dos anos as coisas mudaram e hoje em dia não é nenhum absurdo dizer que o público acompanha o cinema brasileiro, gosta do que é produzido aqui, e isso fica claramente estampado nos números de espectadores que foram assistir ao nosso cinema nos últimos anos. Mas que cinema é esse?

Bom, isso depende. Se formos falar de nomes como Walter Salles, Fernando Meirelles, Cao Hamburguer, Breno Silveira, Eduardo Coutinho, José Padilha, Beto Brant, Jorge Furtado, Cláudio Assis, Kléber Mendonça Filho, temos um cinema riquíssimo, pulsante, talentoso, inteligente, de identidade forte e com muito a dizer, cada um no seu gênero e estilo.

Se, porém, formos falar das comédias genéricas, que são as quem mais contribuem para os altos números de espectadores nas salas, aí podemos dizer que temos um cinema completamente irrelevante, pobre, previsível, gasto e sem nenhum interesse em ser mais do que isso, sempre subestimando a inteligência do público.

Mas será que isso pode mesmo ser dito? Será que a inteligência do público brasileiro que assiste a tais trabalhos é subestimada com esses filmes? Ou isso é mesmo o máximo que a sua sensibilidade artística pode alcançar?

Creio que este é um assunto dos mais polêmicos envolvendo a arte, mas como esse texto é assinado, e como o Cine Set me proporciona total liberdade de criação, não vejo motivos para não dizer que considero que o público possui papel determinante neste momento vivido pelas comédias brasileiras.

Evidente que apenas colocar a culpa no público é tratar o tema de maneira reducionista e irresponsável, pois estamos falando de mercado, um universo cercado de vários atores que cumprem diversas funções.

Claro que os roteiristas e diretores formados na escola Multishow, Globo, GNT tem uma enorme parcela de culpa pelo nível baixíssimo das nossas comédias; óbvio que as estrelas do Zorra Total, os mais novos talentos do stand-up comedy da última semana, e os gênios por trás dos canais de humor do You Tube contribuem para a vulgarização da arte, quando escancaram que pensam que cinema é qualquer coisa, que qualquer zé gracinha pode fazer o que faz na internet na telona, e que fazer comédia é o mesmo que fazer graça; e é claro que os executivos da Globo Filmes tem grande parcela de culpa, pois evidenciam que pouco se importam em desenvolver projetos que não sigam padrões muito bem delimitados.

Mas a questão é que é muito difícil dizer os caras da Globo Filmes estão errados. Como que posso dizer isso, se a cada novo projeto do estúdio eles conseguem um público cada vez maior? Como é que posso dizer pra eles investirem em projetos de maior apelo artístico se produzir um filme com a Ingrid Guimarães, o Leandro Hassum e o Fábio Porchat, dirigido pelo novo João Ninguém da Vez, tem garantia de sucesso financeiro?

Quem financia isso é o público. É evidente que há problemas educacionais envolvidos nisso, é evidente que a maioria dessas pessoas não teve uma orientação artística desde cedo, que não teve quem lhe oferecesse opções variadas de trabalhos musicais, teatrais e audiovisuais, e que com o passar do tempo sempre fica cada vez mais difícil convencê-los a procurar outra coisa. Mas mesmo assim há um fator de responsabilidade desse grupo, e é inadequado dizer que os milhões de desavisados são vítimas e que não sabem o que dizem e que fazem, porque são pobres coitados sem poder de escolha. Isso não corresponde a realidade, pois sempre há uma escolha.

O que acontece é que vivemos no país da mediocridade artística. Vivemos no celeiro de Luans Santanas, Gustavos Limas, dos Big Brothers e Fazendas, da nova modinha da internet, do novo hit imperdível do axé, funk e sertanejo universitário de baixa renda, como um Ai se eu te pego, Eu quero tchu e tchá, Assim você mata o papai, e Fazer parapapá. Um momento proporcionado pelo boom econômico de uma classe social que agora tem maior poder aquisitivo, a nova classe c tomando conta de tudo, querendo ver no cinema o rosto que já conhece na novela. (e é evidente que isso não é mérito apenas das classes baixas e emergentes, pois tudo isso também é corroborado de maneira entusiasmada pelas classes econômicas mais elevadas).

E não à toa os personagem populares estão na moda. Agora as protagonistas de novela são as empregadas domésticas, com dancinha e musiquinha, os favelados com orgulho das UPPs, sem perceber que apenas atingem um resultado popularesco, de caráter artístico duvidoso, tendo uma clara função de engana-trouxa, sendo utilizado por políticos oportunistas e desavisados que dizem que essa é a voz da comunidade, a expressão do povo, e viva a cultura popular, celebrados de maneira espalhafatosa em Esquentas e Caldeirões da vida.

Esse é o público dos filmes dublados, que assistem e tem como referência de arte e de vida as novelas da Glória Perez, Aguinaldo Silva e Walcyr Carrasco, que acham que o bacana é o que passa na Globo, e que chato é aquilo que não quer seguir o padrão Globo de qualidade. É o grupo que abraça calorosamente o movimento que chupa o que o cinema americano tem de mais pobre e previsível, buscando sempre a mensagem que o filme quer passar da maneira mais piegas e rasteira possível, obrigatoriamente ensinando o público que as coisas certas são as que devem ser feitas, que quem tem defeitos aprende e reconhece isso em voz alta e busca se tornar uma pessoa melhor, que quem faz o mal é punido, e no final o bem sempre vence porque deus é maravilhoso.

Hoje, convivemos com a comédia genérica, feita para ocupar as salas no final de semana. É o cinema como instrumento de emburrecimento, de formar uma plateia cada vez maior de influenciáveis, que por se verem nos estereótipos cuspidos pelos filmes, acreditam que são estes os trabalhos engraçados, já que comédia tem que ser engraçada. De fato, tem que ser engraçada mesmo, e estes tais trabalhos só conseguem isso pelo motivo da risada envergonhada, da vergonha alheia, do deboche, que o mínimo de interesse em desenvolver uma percepção diferente do senso comum proporciona.

Pegando clássicos como De pernas pro ar 1 e 2, Se Eu Fosse Você 1 e 2, Cilada.com, E aí… comeu?, Até que a sorte nos separe, Totalmente Inocentes, Os Penetras, As Aventuras de Agamenon – O Repórter, Vai que Dá Certo, Eu Odeio o Dia dos Namorados, Minha Mãe é uma Peça e O Concurso, temos um banquete de trabalhos rasos, completamente preguiçosos, que utilizam piadas de estereótipos, personagens desengonçados que são carismáticos, situações absurdinhas pra colocar os personagens em altas aventuras malucas e imprevisíveis, tendo sempre uma redenção no final onde o amor vence, e todos aprendem uma importante lição que, por vezes, só falta ser colocada em caracteres na tela pra que não haja o menor risco de o telespectador não se sentir tocado. Se pegar imagens de um desses filmes, e pedir pro público responder de que filme é, ninguém acertaria, pois é tudo a mesma coisa.

Talvez tudo seja inútil, a possibilidade de vislumbrar uma mudança de cenário seja inútil, imaginar que o público e os estúdios terão um mínimo de amadurecimento seja inútil, e, é bem provável, que este texto se junte a todas essas inutilidades. E digo isso pelo fato de filmes como Se Puder, Dirija e Mato Sem Cachorro já estarem batendo às nossas portas, além de continuações para todos os filmes citados no parágrafo anterior estarem engatilhadas.

Nunca pensei que fosse dizer isso, mas talvez fosse até melhor que o cinema brasileiro tivesse um público menor do que tem. Talvez assim, os estúdios poderiam criar maneiras de driblar isso, e investissem em produções com o mínimo a dizer. Mas isso é só mais uma divagação, que, com certeza, será abafada pelo novo filme do Bruno Mazzeo e do Marcelo Adnet que está pra chegar por aí, com mais de 5 milhões de ovelhas.