É impressionante a capacidade que poucos filmes têm de nos emocionar sem precisar apertar o botãozinho do “vai, agora chora”. Isso tem se revelado cada vez mais uma raridade – para cada “Sociedade dos Poetas Mortos”, tem um “Patch Adams” e para cada “Minha Vida Sem Mim”, há milhares de “Um Amor Para Recordar”. No papel, “O Quarto de Jack” poderia ser mais um exemplo de mesquinharia emocional, mas foge disso com grandes atuações e, principalmente, com a condução lúdica e sensível de Lenny Abramson.

A história de “O Quarto de Jack” teve seu embrião na história da alemã Elisabeth Fritzl, trancada por mais de 20 anos em um porão pelo próprio pai e estuprada diversas vezes, a ponto de dar à luz três filhos. Contudo, o filme roteirizado por Emma Donoghue – e baseado em um livro escrito pela própria – não aborda um abuso “familiar” e sim uma jovem trancafiada com o filho de cinco anos em um quarto no quintal da casa do homem (estranho) que a raptou. O único contato que os dois têm com o mundo exterior é por meio de uma claraboia.

Só pela sinopse, dá para imaginar um cenário de horror nas quatro paredes que Joy (Brie Larson) e o pequeno Jack (Jacob Tremblay) dividem. E realmente é. No entanto, pelos olhos do menino, aquilo é o mundo. Por isso, Abramson e Donaghue são certeiros ao introduzirem o filme com uma leveza infantil. Nossa primeira impressão do quarto vem com uma criança se divertindo ao dar “bom dia” para a pia e para as cadeiras. São objetos inanimados que, para Jack, têm a mesma vida que uma planta (à qual ele também diz um meigo ‘bom dia’).

Nos olhos de Jack

É aí que reside a maior beleza de “O Quarto de Jack”. Sem pieguices, Abramson nos insere naquele universo por meio dos olhos de uma criança e faz aquelas quatro paredes se tornarem maiores que um duplex, tamanha é a criatividade com que ele (e os personagens) usa o espaço. Fundamental também é a forma com que ele lança mão da câmera subjetiva, que nos mete medo quando Jack está escondido no armário, espiando o resto do quarto, e nos emociona e nos enche de adrenalina quando o garotinho finalmente descobre o que é o mundo exterior.

Com isso em mente, não dá para ignorar o trabalho do pequeno Jacob Tremblay. É impressionante ver o menino – de apenas nove anos! – imprimir esperança, teimosia, maturidade, medo e tantas outras emoções com tão pouca idade. Pode parecer hipérbole, mas eu já considero essa uma das melhores atuações infantis da história do cinema. Que Hollywood não o estrague e que ele consiga entregar mais trabalhos assim.

Muito do êxito do trabalho de Tremblay, no entanto, se deve à química que ele teve com Brie Larson. Sem a menor vaidade, Larson cria uma mulher que tenta renovar as esperanças pelos olhos do filho e que teve a juventude jogada pela claraboia que agora é seu único olhar para o mundo. A Joy de Larson é uma jovem que teve que aprender “na marra” a ser mãe e isso se vê na segunda metade do filme, quando ela se depara com a sua própria mãe – as cenas entre a atriz favorita ao Oscar e Joan Allen (sempre competente) são de cortar o coração.

Um amargo, porém esperançoso recomeço

Também de cortar o coração é a trilha sonora sóbria de Stephen Rennicks, que acentua a dicotomia da falta de crença de Joy e da pureza de Jack. Essa trilha se sente ainda mais intensa nos últimos momentos da projeção, que revelam de forma sutil a mudança e o sofrimento ao qual mãe e filho foram submetidos.

Com o coração aberto e a falta de maldade do menino, o filme chega aos créditos. Para o espectador, a sensação é mista: ao mesmo tempo que terminamos com as esperanças renovadas, o gosto continua amargo ao sabermos que agora Joy terá que aprender a caminhar sozinha em um mundo que não conhece.