Lady Bird não é um filme que inventa a roda quando o quesito é amadurecimento. Ele traz uma temática bastante evidenciada no cinema desde que John Hughes e o rosto de Molly Ringwald permearam a adolescência dos anos 80. Se você abrir o catálogo do Netflix na aba de comédia, o número de filmes que abordam essa fase da vida é elevado, apesar disso, não são produções tão bem abraçadas pela crítica e pelo público. O que mostra a contramão em que Lady Bird tem se encaminhado.

O filme que lança Greta Gerwig na direção começou a fazer barulho quando as avaliações do Rotten Tomatoes indicavam aprovação de 100%. Era motivo de orgulho e curiosidade ver um filme dirigido por uma mulher obter essa marca. Hoje, meses depois, o filme aponta 99% de aprovação no tomatometer, além de evidenciar a apreciação de seus votantes pelo talento a direção de Gerwig. Indicado em 5 categorias do Oscar 2018, incluindo roteiro, direção e filme, para um filme simples que aborda a passagem da adolescência para a vida adulta, Lady Bird continua indo na contramão agradando tanto a critica especializada quanto ao público. Não a toa, tem conquistado as principais categorias em premiações de Críticos.

Apesar disso, a opinião sobre o filme entre gerações é divergente. O maior exemplo disso está na recepção da crítica brasileira do indicado ao Oscar. Sem adentrar ao mérito do trabalho do crítico de cinema, é perceptível o choque entre gerações que o filme causou. Se você digitar no Google “Lady Bird – Críticas”, você poderá comprovar a que estamos nos referindo. Mesmo entre pessoas próximas, a visão de Christine “Lady Bird” McPherson ocasiona opiniões distintas que variam entre identificação e ranço da garota egoísta. Dentro dessas variantes de reflexões, entretanto, é possível notar a aproximação que o filme cativa no público jovem, que assim como a personagem de Saoirse Ronan não vê a hora de voar.

E aí, nos indagamos: o que torna a identificação de Lady Bird tão palpável entre os jovens?


A Imaturidade de Lady Bird

O final da cena de mãe e filha no carro aponta o que há para se deparar durante toda a projeção. O fio condutor da vida de Lady Bird destaca a imaturidade com que a adolescente projeta o mundo ao seu redor, numa busca desenfreada por libertar-se das amarras que ela acredita a impedirem de alcançar seu maior objetivo: estar longe.

Para Christine, a universidade distante de Sacramento representa muito mais do que a oportunidade de sair da cidade, mas libertar-se das imposições da família, da situação econômica que se encontra e da religião que lhe é empurrada, mesmo ela declarando não proferir tais crenças. O que Lady Bird busca é um recomeço. É poder experimentar a existência sem as correntes que sua origem lhe oferece. É ter a oportunidade de encontrar-se em meio a uma nova jornada do zero e isso tem tudo a ver com o processo de amadurecimento. Tornando a imaturidade de Lady Bird a engrenagem do processo de transição.

Dentro desse processo, suas atitudes podem soar egoístas, egocêntricas, preconceituosas, mentirosas e indefensáveis, mas isso depende do ângulo em que você as observa. Se a vida fosse um jogo, no estilo Big Brother Brasil ou Dos Tronos, Christine jogaria sozinha, porem contando com parcerias que a levassem ao final, sem se importar com as cabeças que teria que cortar pelo caminho. Nesse ritmo, ela consegue criar conexão com uma galera que também considera ter conhecimento o suficiente sobre o mundo e como vivenciá-lo. Por isso, mentir sobre onde mora, ter amizades por interesse, discutir com quem tem uma opinião diferente da sua são atitudes pertencentes ao seu estilo de jogo.

A incompreensão dela sobre a sua real situação é o que torna sua tática de jogo difícil de engolir para alguns e auto identificável para outros: esse pensamento evidencia o quanto o amadurecimento é um processo de várias camadas erguidas sobre erros e aprendizados, ao mesmo tempo em que acaba por desencadear conseqüências e mais erros e aprendizados.  Lady Bird precisa voar e para que aconteça, ela precisa preparar a pista de voo que é pavimentada com cimento de imaturidade.


A Relação Mãe X Filha

A cena inicial do filme também é importante para dimensionar a relação entre a mãe e a filha. Aqui o conflito entre gerações é notável. Mas não necessariamente a obra aborda isso. Se o objetivo de Christine é diferenciar-se e distanciar-se de tudo o que a família representa, o maior exemplo disso é o seu alter ego ser um nome que é seu, dado por si e que não remete a nada que a ligue aquilo que ela quer libertar-se.

O envolvimento entre Marion e Lady Bird concentra o cerne do filme. O amor velado por meio da preocupação não compreendida pela adolescente cria faces distintas sob a percepção da mãe, que ora também é incompreensível com os sonhos da menina e ora é necessária para apoiar Lady Bird ao chão, antes que tente decolar sem estar no tempo de voo.

Os conflitos por coisas bobas e as brigas cotidianas entre as duas personagens é tão real quanto palpável. A relação de amor e ódio entre elas é identificável em famílias do mundo todo em qualquer lugar. Diferente da mãe de Regina George em Meninas Malvadas que idolatra a filha ou a de Nadine em Quase 18 que a ignora e culpa por todos os problemas, Marion é real como a minha mãe. Os conflitos entre elas provêm de situações simples, mas que são relevantes diante do conflito de gerações e do conhecimento do seu lugar na sociedade, sem os sonhos irreais e intransponíveis para os mais velhos.

A relação delas se torna tão verídica quanto o papel do pai dentro da família. Marion e Christine são as figuras icônicas, semelhantes e combatentes entre si dentro do lar, são altivas enquanto ao pai e ao irmão cabe serem coadjuvantes na engrenagem que as movimenta. Algo observável nos lares contemporâneos, em que mulheres fortes despontam como mães, filhas, esposas, trabalhadoras, estudantes, donas de casa.

O crescimento de Lady Bird

Apesar de todas as suas atitudes infantis, o jogo de Christine faz com que ela cresça aprendendo com seus atos e baixos e a partir daí é possível enxergar o que brota de seu amadurecimento e admirar a percepção que matura junto com ela. Lady Bird não apenas busca sua liberdade ou a identidade que a acompanhará após a transição para a vida adulta, mas ela abraça e aceita quem é.

Embora sua identidade seja inconstante e, por conta disso, ela se permita extravasar sem estar realmente preocupada com as conseqüências, que muitas vezes são evitadas por Gerwig,  Bird entende que essa é a melhor versão de si e não a que foi e nem a que virá, mas a que ela está no presente. E isso quebra totalmente o estereótipo do gênero até aqui, especialmente ao observar-se a visão norte-americana nos filmes de transição.

Por vivenciar e aceitar cada momento que tem, a hora de voar de Lady Bird é um dos momentos mais especiais dentro do processo de amadurecimento e que mostram que seu jogo rendeu os frutos que almejava.


Greta Gerwig

Uma das belezas de Lady Bird é poder apreciar o talento de Gerwig, que assim como Lady Bird encontrou o seu momento de voar. A diretora que queria ser dramaturga tornou-se atriz, escreveu roteiros cults ao lado do parceiro e pode conquistar a estatueta tanto pelo roteiro quanto pela direção na edição de 2018 do Oscar.

Já na icônica cena inicial de Lady Bird, ela deixa evidente seu potencial sutil e ao mesmo tempo emblemático. Sua primeira obra assinada carrega sua própria experiência: nascida em Sacramento, oriunda de escola católica, com mãe enfermeira e em busca de voar para Nova York. É gostoso perceber em Christine o que há de Greta e o quanto isso torna a diretora cativante, apaixonante e de fácil identificação.

O voo de Lady Bird

 Se a estratégia de jogo de Lady Bird rendeu-lhe a vitória, o sabor que ela proporcionou não foi como o esperado, mas necessário para compreensão de algumas coisas como o caos e incertezas que a vida adulta proporciona e as escolhas difíceis que a acompanham.

Diante de tudo isso, são os laços que permanecem.

O voo de Lady Bird nos proporciona refletir sobre amadurecimento, inquietações, conexões sem dimensionar os rumos da personagem, mas o atrelando as nossas próprias convicções incertas do rumo a seguir e a pergunta inevitável sobre como será a nossa hora de voar e como estaremos quando ela chegar. Afinal, quem nunca foi uma Lady Bird se preparando para o voo? E quem pode dimensionar a altura dele?