Diego Bauer, diretor da produção amazonense “O Que Não Te Disse”, fala sobre o processo de criação do filme e sua visão do resultado.

Se analisar friamente, O Que Não Te Disse não é o meu primeiro filme como diretor. Anos atrás, empolgado com as primeiras descobertas sobre linguagem cinematográfica, eu e amigos gravamos um roteiro que tinha escrito, Fátima.

Fátima era uma mistura de Cães de Aluguel com Pulp Fiction. Quer dizer, mistura é uma forma mais sutil de falar cópia. Tava apaixonado pelo cinema do Tarantino, me identificava demais com a maneira que ele escrevia os roteiros, e fiquei bastante empolgado com a ideia de fazer algo semelhante. Ou pelo menos tentar, claro.

E esqueci que para que os roteiros do Tarantino funcionem é preciso que haja um diretor como o Tarantino para conduzir a história. E eu, certamente, não tinha nem uma parte do potencial dele, sem contar o fato de que o filme foi feito inteiramente na raça, sem nem um tostão.

Lembro que no primeiro dia de gravação, nos reunimos às 19 horas. Só apertamos o REC pra gravar a primeira cena lá pela meia-noite. Passamos horas pra ajustar luz. Literalmente. Passando das três da manhã estávamos todos exaustos e desconcentrados. Naquele dia terminamos de gravar por volta de 6 da manhã.

O resultado é um filme… que com muita boa vontade, se o espectador quiser muito gostar, pode ser considerado divertidinho, apesar dele ter falhas de todos os tipos, desde a direção, passando pelas atuações, montagem, fotografia, direção de arte, etc. O maior problema de todos, claro, é o som, pavoroso.

Inscrevemos o filme no Amazonas Film Festival. Esperamos ansiosamente o dia da divulgação do resultado, estávamos realmente confiantes de que seríamos selecionados, mas não fomos. Isso esfriou todo mundo. Acho que só a partir disso é que vemos como o trabalho era… problemático, e como fomos ingênuos durante todo o seu processo.

Engavetei o filme. Meses atrás o revi. Nossa, que susto! Éramos tão diferentes! Acho que a única coisa que pode se salvar é a atuação super digna do Efrain Mourão, o protagonista. De resto é tudo bem intencionado, e só.

Não fiz filme nenhum. Morro negando que fiz um filme. Se alguém aparecer com uma cópia do Fátima ofereço 1 milhão de dólares para que ele me passe o material, e nunca diga pra ninguém que esse trabalho existe.

Boa parte dessa equipe fez A Segunda Balada, o primeiro filme da Artrupe, produtora cultural da qual sou sócio, e neste trabalho participei como ator. Ainda cometemos erros, claro, mas pelo menos foram erros diferentes, aprendemos com as bizarrices do projeto anterior. E então surgiu O Que Não Te Disse.

Lembro que era um domingo de campeonato carioca. A Jéssica (Amorim, roteirista e atriz do filme, e minha namorada, beijo, meu amor) não queria ver o jogo, claro. Eu tava vendo de gaiato, pois era um cotejo de péssima qualidade, como quase todos dessa competição. Pra criar alguma espécie de emoção naquele domingo, pedi pra ela escrever um roteiro, algo que já pedia há um tempinho. Disse que iria pra sala assistir ao jogo, e quando ele terminasse, gostaria de ter algum material nas mãos.

Ela fez o roteiro quase todo. Em menos de uma hora e meia. Claro que depois fizemos algumas alterações, mas uns 70% do roteiro final já estavam ali, naquele domingo de campeonato carioca.

Admiro a Jéssica como atriz. Achava que ela precisava de uma oportunidade para se testar, um desafio que a tirasse da zona de conforto. Propus que ela fizesse o papel principal. Ela aceitou, ainda bem, não sei se há outra atriz que eu conheça que toparia fazer este curta dessa forma. Sua atuação é a alma do filme, é o que há de mais verdadeiro no trabalho. Se em alguns momentos há problemas na sua interpretação, acredito que a culpa seja minha, que não consegui orientá-la, ou que não consegui extrair a emoção correta, pois uma atriz dedicada e disposta a embarcar em qualquer proposta, em qualquer tipo de piração, eu tinha no set.

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Gosto muito do trabalho da Jéssica. Não diria isso se não fosse verdade, e aqui consigo diferenciar bem as coisas, minha opinião não é interferida pelo fato de amá-la. Gosto muito mesmo. A sinceridade cênica dela ofusca qualquer tipo de pecadilho que possa ter surgido aqui e ali, e no geral, e nas cenas mais importantes, o seu trabalho é muito forte.

Ganhamos o edital da prefeitura depois. Com o dinheiro que recebemos da Manauscult pudemos pagar toda a (reduzidíssima) equipe, e os gastos com alimentação, transporte, etc, bem como toda a pós-produção, mas isso não mudou o fato de que já tínhamos filmado tudo, e que fizemos o que podíamos na condição que tínhamos, que eram uns 500 reais.

Acredito que este é um trabalho que põe fim a um ciclo na Artrupe. Daqui em diante, acredito que teremos condições mais profissionais de trabalho, ou pelo menos o mais próximo disso possível. Se o máximo que podíamos fazer era um filme com poucas locações, poucos atores, pouco dinheiro, e poucas possibilidades, agora vislumbro um leque maior de opções. Não que tenhamos ganhado na loteria e estejamos ricos. Só melhoramos um pouco a nossa situação, e temos um planejamento mais bem elaborado, e estamos mais maduros.

Mas sendo bem sincero, gosto de O Que Não Te Disse. Pode parecer fácil dizer isso, mas não é. Já mudei muito de opinião. Já adorei, já cheguei a achar que tínhamos potencial para ir a festivais internacionais, ganhar prêmios, coisa e tal, da mesma forma que já pensei que tínhamos feito um trabalho pretensioso, arrastado, que não tinha potencial em festivais, que tinha grandes chances de ficar engavetado. Hoje, depois de estreá-lo, depois de tê-lo visto em tela grande, depois de ter ouvido as opiniões de pessoas que admiro, fico realmente satisfeito com o trabalho que fizemos, acho que demos muita sorte em muita coisa, e fizemos um trabalho digno. Só de considerar que fizemos um trabalho digno, já fico muito feliz, pois me cobro muito, e sei que fazer um trabalho que seja pelo menos digno, já é bastante coisa.

Evito falar sobre o que é o filme. O filme pra mim não é o mesmo que pra você, e o fiz pensando exatamente nisso. Acredito que estaria tirando potencial do filme ao deixar clara a minha ideia, determinando pra quem assiste o que é real ou não. Me diga você, quero saber o que é.

Claro que entendo que isso cobra um preço. Por não amarrar as coisas, pessoas assistem, e aquilo não diz nada, parece um espetáculo sem vida, arrastado, chato, interminável, pretensioso, vazio, etc. Mas prefiro pagar esse preço. Da mesma forma que escolhi fazer o filme de maneira mais estática, com poucos planos, com uma mise-en-scène mais naturalista, e por conta disso, mais lenta. Acho que a lentidão tem a ver com aquela personagem, com a sua falta de perspectiva, falta de possibilidade, falta de tudo.

Já ouvi de tudo. Já recebi tapinhas nas costas entusiasmados, que tinha feito um filme incrível, sensacional, da mesma forma que já fui recebido de maneira fria, distante, e em alguns casos, até com decepção. E acho isso fantástico, mostra que fiz um trabalho que chega às pessoas, que não fica no meio do caminho.

O mais difícil até agora foi a crítica do Caio. Experimentei o outro lado do balcão. E realmente dói. Dói quando você vê que as ideias que você acredita ter conseguido colocar nas imagens, não chegam, e são apontadas como problemas. Dói ainda mais porque não concordo com alguns pontos, e outros considero que foram colocados sem a devida explanação, sem um aprofundamento que justificasse tal opinião.

Mas é evidente que considero válida a opinião, principalmente porque foi escrita de maneira respeitosa.

O Que Não Te Disse vai começar agora a sua caminhada. Estou muito ansioso pra ver no que vai dar, e de que forma o filme vai ser recebido por onde passar. Espero que ainda haja um longo caminho pela frente, e que ele me ensine e motive para os próximos filmes que estão a caminho.