O Rastro tinha tudo para ser um filme bem melhor do que é, tinha tudo para ser assustador de verdade e um marco no cinema de terror no Brasil. O filme tem um ótimo elenco, que atua com entrega e seriedade. Tem uma ótima ambientação – quase toda a história se passa num soturno hospital, o tipo de cenário já meio assustador por natureza. E a ideia básica por trás da narrativa é interessante, sólida, e permite ao filme introduzir certas camadas de comentário social, tão pertinentes à realidade brasileira – não nos esqueçamos de que muitos exemplares do gênero terror possuem essa característica de comentário social, o que possibilita a esses filmes servirem como um espelho distorcido das sociedades que os criaram.

Por que, então, O Rastro não funciona de verdade? Bem… principalmente porque peca pelo excesso. Há muitos elementos, há muitos clichês, uma razoável dose de momentos que lembram cenas de outros filmes, e uma boa quantidade de jump scares, aquela velha tática do terror que consiste em assustar o público com um acorde alto na trilha sonora.

Uma pena que isso aconteça porque, no começo, o filme parece muito promissor. Conhecemos o médico João (Rafael Cardoso), casado com Leila (Leandra Leal), que está grávida do primeiro bebê do casal. João é encarregado de supervisionar a transferência dos pacientes de um decrépito hospital carioca, o São Tomé, que será fechado pelo governo. Ele aceita a incumbência, mas quando uma menininha, internada no hospital, desaparece na noite da evacuação, João começa a investigar o seu paradeiro. Mais ainda, ele começa a vê-la, na forma da uma aparição fantasmagórica, o que desperta uma obsessão que acaba envolvendo também a sua esposa.

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Na teoria, parece bom… Mas quando vemos na prática uns cinco sustos baratos criados por barulho na trilha sonora em menos de meia hora de filme, fica clara a proposta limitante do diretor J. C. Feyer e dos roteiristas Beatriz Manela e André Pereira. A maior parte do que se vê em O Rastro acaba lembrando outros filmes, e qualquer um que tenha visto uma quantidade razoável de filmes de terror consegue adivinhar quase tudo o que acontece durante a história. Menininha macabra? Tem, e às vezes lembra a Sadako de O Chamado (1998) – Aliás, a água sempre presente no hospital desperta lembranças de outro “J-horror”, Água Negra (2002). Há uma vingança de além-túmulo? Sim. Os fantasmas são menos assustadores que os vilões vivos? Também, o que se vê em qualquer longa do Guillermo Del Toro. A previsibilidade é de fato a morte do terror.

Porém, há sim um momento surpreendente durante o filme, uma reviravolta poderosa que modifica o rumo da história. Mesmo assim, o filme não sabe muito bem o que fazer com ela, e após essa reviravolta as coisas se tornam corridas, apressadas e mal explicadas. Personagens e desenvolvimentos que parecem, à primeira vista, importantes, acabam não dando em nada, enquanto a trama principal transmite uma sensação de subdesenvolvida.

Se a experiência narrativa é frustrante, pelo menos a experiência auditiva chama a atenção. O design sonoro de O Rastro é criativo, fazendo uso de efeitos sonoros quase constantes para construir o clima de paranoia vivido pelos personagens principais. Barulhos de água correndo, gritinhos e choros de crianças se infiltram em cenas fora do hospital, e os próprios ruídos do lugar já impressionam desde os minutos iniciais. Porém, mesmo nessa área o filme exagera na dose: o grito da aparição ou uma porta que se abre subitamente assustam não por causa da situação, mas sim por causa do volume na mixagem. Chega a um ponto no qual o herói do filme grita um pedido de silêncio, e dá para concordar com ele, porque com o tempo o uso constante desse recurso começa a parecer opressivo, uma muleta artificial para criar tensão e mexer com o espectador.

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De fato, o que acaba mexendo com o espectador em O Rastro é, curiosamente, uma aparição: o ator Domingos Montagner surge como um político, num dos seus últimos trabalhos. É triste e estranho ver um ator que já se foi num filme sobre fantasmas, mas O Rastro utiliza Montagner de forma interessante, mostrando com seu personagem que existem no Brasil coisas bem mais assustadoras do que hospitais assombrados ou menininhas fantasmagóricas. O Brasil é terreno fértil para o horror, pena que os realizadores de O Rastro não aproveitam realmente essa noção e não conseguem visualizar inteiramente aquele cenário como metáfora do país. Afinal, as cenas mais assustadoras do filme são aquelas com toques de noticiário do Jornal Nacional, mostrando pessoas sendo maltratadas pela saúde brasileira. Aquilo ali é mais terrível que qualquer garotinha fantasma, não importa o quão alto ela grite.