O Tempo Passa, segundo curta dirigido por Diego Bauer, é ousado não apenas pelas cenas que proporciona ao espectador – a de abertura já pontua esta característica –, como mergulha fundo no olhar crítico sobre a violência e abuso sexual de menores. Contemplado no Edital Audiovisual da Manauscult em 2014, “Tempo” passou por dificuldades na sua finalização, precisando de uma campanha de financiamento coletivo para que a etapa de pós-produção fosse concluída. Estes obstáculos, mesmo fontes de estresses não previstos inicialmente, valorizam ainda mais o resultado final maduro e crítico de como Bauer desenvolve a temática que se propõe.

Nela, acompanhamos o jovem Jhone (Ítalo Rui), adolescente que mora no bairro da Compensa junto com a mãe e que, como qualquer adolescente no seu cotidiano, adora paquerar e jogar futebol com os amigos. Sua mãe inicia um relacionamento com Ismael (Leonel Worton, de olhar e atuação intensamente assustadora), que não apenas passa a frequentar a rotina daquela casa como muda sua realidade.

Bauer mostra uma precisão cirúrgica ao situar o público naquele contexto: filma as relações entre personagens sempre nos corredores estreitos, indicando que os vínculos são frágeis e invasivos; caracteriza a periferia de Manaus, no caso, o tradicional bairro da Compensa, com um olhar que transpira espontaneidade, captado através de imagens dos seus moradores em suas rotinas diárias e de jovens se divertindo jogando futebol em um campo de areia. Este cotidiano acompanhado pelo espectador ganha um peso forte, porque, saindo da tranquilidade urbana, esconde-se a verdadeira face da violência e dos abusos contra o ser humano.

Neste aspecto, o curta parece encontrar o equilíbrio necessário do seu viés crítico dentro do texto, mostrando que a hipocrisia e a monstruosidade do ser humano estão presentes em lugares insuspeitos (um culto religioso), onde o olhar malicioso do abusador encontra a sua vítima em potencial no local que deveria ser sagrado. A partir daí, Bauer aprofunda sua câmera de forma investigativa e provocativa para evidenciar que a omissão familiar é o ponto determinante para ilustrar que a maioria dos abusos sexuais ocorre no seio familiar.

Há duas cenas fortes no curta: na principal, Bauer utiliza a câmera como um elemento invasor e incomodo para o espectador, pois encena cada passo do crime hediondo de forma realística e brutal, uma sequência que rivaliza em intensidade com o estupro de Monica Bellucci em Irreversível (2002), de Gaspar Noé. Tecnicamente, O Tempo Passa mostra um ótimo acabamento, desde a fotografia pontual em captar as cores vivas do bairro da Compensa como os espaços escuros e opressores da casa onde Jhone vive com a mãe. O trabalho de montagem de César Nogueira é bem efetivo na construção das situações, porém, comete apenas um pecado quando expõe de modo um tanto quanto apressado a passagem de tempo em um momento crucial do curta. Se o público neste momento piscou, perdeu um elemento importante para o entendimento do ato final.

Fora isso, O Tempo Passa é corajoso dentro da sua proposta de analisar uma realidade sórdida que acontece com frequência nos lares familiares. Dotado de um tema de enorme relevância social, Bauer aponta para um olhar pessimista em relação ao círculo vicioso que o abuso e a violência sexual proporcionam no caráter da pessoa – o olhar de cumplicidade entre dois personagens na última cena do curta é a versão “bad love” da troca de olhares entre Cate Blanchett e Rooney Mara no recente Carol. Realmente, o tempo passa, contudo, deixa cicatrizes profundas dos efeitos da violência.