“Mad Max: Estrada da Fúria” disputa o Oscar de Melhor Filme este ano, e em nome da honestidade, afirmo que é o meu favorito dentre os indicados. Nenhum deles, para mim, o superou em termos de impacto emocional e escopo: é uma experiência, enquanto os outros são apenas ótimos filmes – e olha que, em 2015, realmente tivemos uma ótima safra.

Eu adoraria vê-lo ganhar esse Oscar. Assim como adoraria ver o seu diretor, George Miller, ser consagrado também. Mas, barrando um milagre, acho que não vai acontecer.

Afinal, na visão da Academia, “Mad Max: Estrada da Fúria” é um blockbuster, um filme feito para fazer bonito nas bilheterias, um entretenimento popular situado dentro de gêneros considerados populares – no caso, o do filme de ação e o do filme de ficção-científica, subgênero apocalíptico.

Um filme de franquia: afinal, é a retomada da saga criada por Miller no seu filme original de 1979. Eles não estão errados em pensar assim, porque, no fim das contas, “Mad Max” é tudo isso. Mas é mais do que isso e é muito mais rico do que se poderia imaginar a princípio.

Sempre ouvimos o lugar-comum de que a Academia tem preconceito contra certos gêneros. Para mim, isso é fato, por isso é sempre bom relembrar as trajetórias dos faroestes, dos filmes de ação, aventura, ficção-científica, fantasia e terror dentro do Oscar, para esclarecer os desavisados – não quis abordar a comédia porque, na minha visão, ela até recebeu mais apreciação que estes gêneros, embora, claro, aceite a opinião de quem diz o contrário. E depois, ofereço uma breve reflexão sobre o tema.


Western

O gênero americano por excelência, apesar de toda a popularidade que já possuiu, não tem um bom retrospecto no Oscar. Apenas três vencedores de Melhor Filme foram westerns: “Cimarron” (1930), “Dança com Lobos” (1990) e “Os Imperdoáveis” (1992).

Outros faroestes – e alguns dos maiores clássicos do gênero – foram indicados, mas não ganharam, como “No Tempo das Diligências” (1939), “Matar ou Morrer” (1952), “Shane: Os Brutos Também Amam” (1953), “O Álamo “(1960), “A Conquista do Oeste” (1963), “Butch Cassidy” (1969) e, mais recentemente, “Bravura Indômita” (2010).

Vale lembrar que o astro símbolo do gênero, John Wayne, recebeu o Oscar de Melhor Ator pela versão original de “Bravura Indômita” em 1969 – mais um prêmio “pela carreira” do que pelo filme, especificamente. E também menciono a curiosidade de que um dos cineastas mais ligados ao gênero, John Ford, nunca ganhou o Oscar de Melhor Diretor por um western: ele venceu quatro vezes e ainda é o recordista da categoria, mas só levou quando fez dramas.


Ação/Aventura

Um número razoavelmente bom de filmes de aventura foi premiado no Oscar, inclusive com o cobiçado troféu de Melhor Filme, mas percebe-se de que se trata de filmes que mesclam seus elementos de aventura com dramas ou histórias biográficas mais ao gosto da Academia.

Foram os casos de “O Grande Motim” (1935) e de “Lawrence da Arábia” (1962). Os espetáculos épicos também se dão bem no Oscar, como os premiados “O Maior Espetáculo da Terra” (1952) e “A Volta Ao Mundo em 80 Dias” (1956) – ambos esquecidos hoje – além de “Ben-Hur” (1959), “Coração Valente” (1995) e “Gladiador” (2000).

Mas há também alguns importantes perdedores do gênero: “As Aventuras de Robin Hood” (1938), “O Tesouro de Sierra Madre” (1948) e “Os Caçadores da Arca Perdida” (1981). Muitos desses filmes tiveram que se contentar com prêmios técnicos, só ocasionalmente ganhando algum mais de destaque, como o de Tommy Lee Jones, vencedor como Ator Coadjuvante por “O Fugitivo” (1993) – este também foi indicado a Melhor Filme.

E dentre os filmes de super-heróis, o equivalente de hoje aos épicos do passado, apenas um conseguiu transcender o habitual confinamento às categorias técnicas: “Batman: O Cavaleiro das Trevas” (2008), no qual a atuação de Heath Ledger como Coringa foi reconhecida postumamente pela Academia.


Terror

Por muito tempo, o único momento de destaque do gênero no Oscar foi o prêmio de Melhor Ator para Fredric March por “O Médico e o Monstro” (1932). Mas, no final dos anos 1960, “O Bebê de Rosemary” rendeu a Ruth Gordon o importante Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante. E então, na década seguinte, vieram as indicações de Melhor Filme para “O Exorcista” (1973) e “Tubarão” (1975), ambos grandes sucessos de bilheteria. Não levaram, mas “Tubarão” ganhou em categorias técnicas e “O Exorcista” ganhou o prêmio de Roteiro Adaptado.

De lá para cá, mais dois filmes com elementos de terror – embora algumas pessoas hesitem em classificá-los dentro do gênero – fizeram bonito no Oscar. “O Silêncio dos Inocentes” (1991), com sua trama envolvendo assassinos canibais e psicóticos, levou as cinco principais estatuetas: Filme, Diretor (Jonathan Demme), Ator (Anthony Hopkins), Atriz (Jodie Foster) e Roteiro Adaptado. E “O Sexto Sentido” (1999) recebeu seis indicações, incluindo Melhor Filme e Diretor para M. Night Shyamalan.

Outros filmes ganharam prêmios importantes, como “A Profecia” (1976, Trilha Sonora), “Um Lobisomem Americano em Londres” (1981, Maquiagem, o primeiro da categoria), “A Mosca” (1986, Maquiagem) e “Drácula de Bram Stoker” (1992, Figurino, Edição de Som e Maquiagem).

Mais recentemente, dois filmes com toques de terror emplacaram no Oscar: “Onde os Fracos Não Têm Vez” (2007) – este até venceu como Melhor Filme – e “Cisne Negro” (2010).


Ficção-cientifica

O Oscar não gosta muito deste gênero. Tanto que o maior clássico sci-fi, “2001: Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick, passou quase em branco na cerimonia de 1968 – ganhou apenas na categoria Efeitos Especiais, o único Oscar que Kubrick recebeu na carreira, e nem foi indicado a Melhor Filme.

Kubrick encontrou melhor recepção com “Laranja Mecânica” (1971): Sua distopia concorreu a quatro Oscars, incluindo Melhor Filme. Mas depois dele, a história da ficção-científica disputando a categoria máxima do Oscar se resumia aos casos de “Star Wars: Uma Nova Esperança” (1977) e “E.T.: O Extraterrestre” (1982).

Mais recentemente, depois da Academia ter expandido o número de indicados, vimos títulos como “Distrito 9” e “Avatar” (2009) e “A Origem” (2010) disputando nas categorias principais. Mas nenhum ganhou.

A ficção-científica no Oscar fica mesmo relegada às categorias técnicas, mas alguns atores conseguiram ser indicados por filmes do gênero. Foram os casos de Alec Guinness por “Star Wars”, Laurence Olivier por “Os Meninos do Brasil” (1978), Jeff Bridges por “Starman” (1984), Sigourney Weaver por “Aliens: O Resgate” (1986) e Brad Pitt por “Os 12 Macacos” (1995).


Fantasia

Diferente da ficção-científica, a fantasia já conseguiu ganhar o Oscar de Melhor Filme. Foi com “O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei” (2003), capítulo derradeiro da primeira trilogia da Terra-Média – para realizar a façanha que Kubrick, Lucas, Spielberg e Cameron não conseguiram, o diretor Peter Jackson teve (apenas) de fazer o maior épico recente do cinema…

Outros títulos fantasiosos disputaram o prêmio de Melhor Filme, como “O Mágico de Oz” (1939), “A Felicidade Não se Compra” (1946), “À Espera de Um Milagre” (1999) e “O Curioso Caso de Benjamin Button” (2008).

oscar-challenge-2014-vencedoresUma visão reducionista

A discussão de gênero é meio reducionista hoje, porque muitos filmes fazem misturas de vários ingredientes. Ora, um dos maiores vencedores da história do Oscar, “Titanic” (1997), é, ao mesmo tempo, um melodrama romântico e um filme-catástrofe. Muitas vezes, é a habilidade em misturar elementos diferentes que torna especial uma obra cinematográfica.

O problema é que estamos em 2016 e os membros da Academia ainda parecem querer ignorar isso, ou continuam vendo experiências de gênero como menores. Até mesmo trabalhos de completa reinvenção foram ignorados: por exemplo, o que Martin Scorsese fez com o formato de “filme de gângster” em “Os Bons Companheiros” (1990) foi extraordinário, mas, mesmo assim, passou batido. E, obviamente, esta não foi a única nem a maior qualidade do filme.

A Academia de Hollywood é, como o próprio nome diz, uma instituição “acadêmica”, que valoriza as concepções do belo, do sublime, do filme “elevado”, geralmente sobre um tema importante ou sobre uma jornada pessoal grandiosa e triunfante. Mas a Academia falha em ver que o tradicional “filme de Oscar” hoje em dia já é praticamente um gênero em si mesmo, com seus clichês e cacoetes típicos. Então, por que ter preconceito contra outros tipos de filme? Essa é a pergunta que uma vitória de “Mad Max” poderia sepultar de vez, mas pelo visto ela vai continuar aborrecendo os cinéfilos por mais algum tempo.