Othon Bastos é um dos atores mais emblemáticos da história do cinema brasileiro. A lista de filmes dos quais ele participou deixa isso claro, mais do que qualquer coisa que possa ser escrita aqui. Ele esteve em O Pagador de Promessas (1962), Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969), O Que É Isso, Companheiro? (1997), Central do Brasil (1998), Bicho de Sete Cabeças (2000), Abril Despedaçado (2001), O Coronel e o Lobisomem (2005), Heleno (2011)… E esses são apenas os mais conhecidos. Bastos está de volta ao cinema com o curta Bodas, onde ele atua junto com a atriz Suzana Faini. A produção será exibida na mostra paralela do Festival de Cannes, intitulada “Short Film Corner”. O filme foi dirigido por Alexia Maltner.

Com mais de seis décadas de trabalho no teatro, no cinema e na televisão, o rosto de Othon Bastos é um daqueles que já se tornou parte do patrimônio e da formação cultural do brasileiro. O Cine Set realizou uma entrevista/bate-papo com o icônico ator. Nesta conversa, o ator falou sobre Bodas, um pouco sobre a situação política e cultural atual do Brasil e sobre a sua vasta e impressionante carreira nas telas. E de quebra, ele ainda nos revelou qual o filme favorito dele, dentre todos aqueles de que participou.

Cine Set: Primeiro, fale sobre o projeto do curta Bodas. Soube que o roteiro foi escrito com o senhor e a atriz Suzana Faini em mente. Como se deu o desenvolvimento do filme?

Othon Bastos: Eu e a Suzana já trabalhamos juntos e conhecemos a autora [Renata Mizrahi] e a diretora [Alexia Maltner]. A autora pensou na possibilidade de eu fazer o filme com a Suzana, que já estava fazendo uma peça dela chamada “Silêncio”. Foi assim que nasceu a ideia de fazer o curta com nós dois.

Cine Set: É um filme sobre o relacionamento de um casal, não é?

Othon Bastos: Sim. Depois de 50 anos de casados, eles percebem que não há mais como continuarem juntos. Na história, é uma decisão muito mais dela do que minha, a personagem dela está muito mais decidida a se separar do que o meu. Pelo meu personagem, eles continuariam juntos, mas ela está decidida a se separar porque a sua vida não era o que ela pensou por muito tempo. E resolve romper com ele justo nas comemorações de cinquenta anos, as bodas de ouro, daí o título do filme. É um curta de 12 minutos, e contar uma história nesse tempo, mostrar as razões pelas quais eles se separam, não é possível. Então, quando começa o filme já estamos no final da conversa dos dois. As pessoas não vão saber o que eles conversaram antes, só vão conhecer o momento dos dois se separando. A história verdadeira dos dois fica na imaginação das pessoas.

Cine Set: O senhor participou de filmes recentes da produção nacional como O Ultimo Cine Drive-in e Heleno. Como avalia a produção nacional atual?

Othon Bastos: Drive-in foi realmente o último filme que eu fiz. Foi baseado na história dos cinemas drive-in que praticamente não existem mais. Não sei se em Manaus ainda tem algum…

Cine Set: Não, não tem.

Othon Bastos: Pois é, os espaços foram ocupados para construção. Mas o drive-in de Brasília teve uma briga com uma empresa de karts, e essa briga deu origem ao filme, enfocando a luta, a resistência de um homem que ama o cinema. O filme mexe com quem gosta de cinema.

Cine Set: Não tivemos a oportunidade de vê-lo nas salas de Manaus.

Othon Bastos: Não passou aí? Que pena.

Cine Set: Voltando… O senhor é um dos atores mais emblemáticos do cinema nacional. O que o senhor destaca na produção atual?

Othon Bastos: Para mim, o cinema tomou outra direção, não é? As pessoas estão vivendo um momento com grandes comédias, realizações bem populares mesmo. O cinema de arte ficou um pouco para trás, a principal visão é do cinema como grande diversão mesmo. Então, tentar fazer um filme de arte hoje em dia é uma loucura. A fase do cinema de arte ficou pelas décadas de 1960, 70 e 80, depois disso veio outra mentalidade.

Cine Set: Das produções que o senhor participou atualmente para as dos anos 60 e 70, quais as principais diferenças, até mesmo em relação para o início do processo da Retomada?

Othon Bastos: Eu comecei no cinema com os filmes ditos “de contestação”, como Sol sobre a Lama, O Pagador de Promessas, os do Glauber, do Ruy Guerra, do Leon Hirszman. Eram filmes dedicados a falar da situação do país, do povo. Depois, veio o Collor, que praticamente destruiu o cinema. Depois dele, sinto que veio uma nova visão de cinema. Ainda temos muita gente fazendo belos filmes, de contestação, gente jovem que tem o que dizer social e politicamente, indo por outro caminho além do das grandes comédias. Mas eu também acho que o cinema precisa ser mesmo uma grande diversão, as pessoas precisam se divertir mesmo. Acima de tudo, o cinema tem que ser visto e levar a uma reflexão sobre o que foi visto. Não se precisa fazer apenas filmes para se contestar, senão tem-se tanta contestação que ela não chega ao público.

Cine Set: O que esperar da política do audiovisual com um governo Michel Temer? Acredita em retrocesso ou avanços? [Nota do Cine Set: Esta entrevista foi realizada em 10/05/2016, véspera da votação do Senado que acabou afastando a Presidente Dilma Rousseff]

Othon Bastos: Aí eu não sei, isso é um grande mistério [Risos]. Ninguém sabe o que vai acontecer com a cultura neste país, só espero que não a destruam mais do que já está destruída. Você vê alguma possibilidade de se clarear algo neste país? Eu não. É tanta loucura, não sabemos o que pode acontecer. Daqui a pouco alguém diz mais uma loucura e todo mundo começa a seguir, que nem uma procissão. Primeiro, não faço ideia nem de quem será chamado para o Ministério da Cultura, depois não sabemos quanto tempo este governo vai ficar, se o outro volta ou não volta. Não sabemos se teremos um governo ioiô. Não é uma surpresa a cada dia em que se abre o jornal ou se liga a TV? Não vejo mais ideologia, mais pensamento ideológico. Fala-se muito em golpe, golpe… É a palavra de ordem. Todo mundo fala da democracia como se estivesse pedindo uma cerveja no bar [Risos], e distribuem-se os copos. Eu, de minha parte, não tenho noção nenhuma do que pode acontecer. Esse país é uma grande comédia.

E ainda sobre isso, se você me perguntar sobre cinema, fiz outro curta também recentemente, um muito bonito, Compor do Sol, de Marcelo Veras. Se você me perguntar por onde anda, eu não sei. É curioso, às vezes a pessoa, quando quer que eu faça um filme, fica me ligando desesperadamente para que eu faça o filme. Mas depois que o filme é feito, eles não dão mais satisfação pra você [Risos]. Não sei se está pronto, quando vai ser lançado… Você não fica sabendo de nada! É uma indefinição, como a do país. Eu fiquei surpreso quando soube do Bodas na exibição paralela do Festival. Li sobre os outros selecionados dessa mostra paralela e parecem ideias maravilhosas, então vamos ver o que vai acontecer.

Cine Set: O senhor não assistiu a Bodas, então?

Othon Bastos: Não, não vi. Só vi aquele trailer com imagens e umas 2 ou 3 frases. A diretora já deve estar indo pra Paris e não mostrou o filme para gente. Eu queria ter visto [Risos]. Se eu tivesse visto, poderíamos até falar com mais propriedade sobre o filme. Se foi selecionado, é porque deve estar bonito.


Cine Set: Vamos falar um pouco dos clássicos da sua carreira… São 52 anos desde Deus e o Diabo na Terra do Sol e 47 desde O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro…

Othon Bastos: Eu comecei com o Sol Sobre a Lama em 1960. Do Alex Viany, intelectual, cineasta fantástico. Depois fiz O Pagador de Promessas e Deus e o Diabo na Terra do Sol. Mas para mim, o melhor filme que fiz até hoje se chama São Bernardo, do Leon Hirszman. É de 1971.

Cine Set: É mesmo?

Othon Bastos: Sim. Baseado na obra de Graciliano Ramos. Foi feito em 1970, na época do grande movimento de cinema brasileiro. Era a época do Glauber, do Ruy Guerra, do Hirszman, do Joaquim Pedro, do Cacá Diegues… Uma época fantástica, de ouro para o nosso cinema. Muitos desses nomes já se foram, inclusive.

Cine Set: Como marcou a experiência de ter um diretor como Glauber Rocha logo no começo da sua trajetória?

Othon Bastos: Era um diretor extraordinário, que fez o Deus e o Diabo com 22 para 23 anos. Era um gênio, não é? Era poeta, crítico de cinema, cineasta. Um homem do cinema e para o cinema, uma pessoa cultíssima. Deus e o Diabo permanece maravilhoso porque é um filme de um menino de 23 anos, não é mesmo? Se você o revê hoje, parece que foi escrito ontem, é moderno e atualíssimo.

Cine Set: O senhor comemora 83 anos agora no dia 23 de maio e segue na ativa entre novelas e filmes. O que o ainda atrai na hora de escolher um personagem?

Othon Bastos: Quando você escolhe um trabalho, escolhe o que gosta de fazer. O que é importante para você e para o momento, sobre o que essa obra vai representar para o momento histórico. Não é só fazer por fazer. Depende também de com quem você convive e com quem você trabalha. Minha formação é teatral. Tenho 64 anos de carreira. Tudo começou lá, em 1950, então minha vida é toda voltada para o teatro. Essa é a formação da maioria dos da minha geração. Sou casado com uma atriz de teatro, a Martha Overbeck, começamos no teatro e fizemos por muito tempo, tivemos uma companhia em São Paulo. Trabalhamos com Gianfrancesco Guarnieri, com Fernando Peixoto, com o Zé Celso Martinez Correa. E convidávamos as pessoas para vir trabalhar com a gente. Era uma época em que se podia fazer um teatro de contestação, que brigava contra o que estava acontecendo. Fazíamos nove espetáculos por semana. Hoje, o teatro virou um evento de sexta, sábado e domingo. Ficou parecendo um show de uma banda de rock como o Queen ou do Paul McCartney [Risos] Como se pode pagar uma produção fazendo apenas três espetáculos por semana? Não dá. Nós vivemos de teatro por 20 anos, sem televisão, sem nada. Hoje não dá mais.

Cine Set: Obrigado, Othon Bastos. Foi um prazer e uma honra conversar com o senhor.

Othon Bastos: Obrigado. Foi um prazer também.