De vez em quando surge em algum final de semana por aí um feel good movie, de enorme orçamento, que possui uma possibilidade de discussão filosófica interessante por trás da sua trama açucarada. Passageiros, dirigido pelo indicado ao Oscar Morten Tyldum, é um desses filmes, e como acontece na maioria deles, fica no meio do caminho em tudo o que propõe.

Contando com um elenco formado por dois dos atores mais quentes do momento, o filme é uma daquelas sessões da tarde agradáveis, que te propõem uma experiência divertida, escapista, mas ao mesmo tempo repleta de questões morais duvidosas que são suavizadas para que a experiência não perca o foco da diversão e entretenimento.

Em um futuro não identificado, a nave espacial Avalon está levando mais de 5000 passageiros em estado de hibernação para uma colônia no planeta Homestead II, numa viagem que vai durar por volta de 120 anos. A viagem é uma espécie de oportunidade única aos seus passageiros, que poderão viver em um planeta ainda “virgem”, sem os diversos problemas enfrentados na Terra, e 4 meses antes de chegar ao seu destino, eles acordarão e poderão aproveitar da estrutura da nave, que mais parece um daqueles cruzeiros cinco estrelas. Em um determinado momento da viagem a nave se choca em um meteorito, o que causa uma falha no sistema e faz com que Jim (Chris Pratt) saia da hibernação. A questão é que isso acontece faltando 90 anos para o término da viagem, e Jim é a única pessoa que despertou em toda a nave, só tendo como companhia Arthur (Michael Sheen), um androide bartender. Depois de passar por diversas fases, da depressão a euforia e a depressão de novo, ele descobre Aurora (Jennifer Lawrence), uma escritora pela qual se apaixona, e depois de muito refletir, decide sair da solidão e a desperta, e os dois passam a viver juntos, com ele escondendo esse segredo da moça.

O primeiro ato do filme, que engloba o despertar de Jim, o momento que ele se dá conta da situação que se encontra até o instante que ele decide tomar uma atitude, é o que o longa possui de melhor, mas ao mesmo tempo é onde ele deixa de explorar possibilidades muito mais complexas. Sentimos o isolamento e a sua necessidade de contato, a falta de esperança e o tédio crescendo, nos identificamos com o personagem. Mas isso ainda é muito pouco diante das possibilidades que essa situação poderiam despertar.

De alguma forma o seu suposto desespero – que o faz cogitar tomar uma atitude drástica antes de conhecer Aurora – é sempre colocado de uma maneira leve e divertida – o máximo que acontece é ele deixar a barba crescer, o que ainda aparenta ser um comentário divertido – o que diminui o impacto das suas atitudes, fazendo com que todas as suas escolhas tenham um teor bem mais simplista do que poderiam ser de fato.

Claro que se trata de uma escolha, e que cada filme escolhe o caminho que quer, e deve ser analisado por isso, mas é necessário analisar que possibilidades o filme deixou de abranger, e que poderiam colocá-lo numa posição diferente, com mais camadas, sem abrir mão do caráter divertido.

E sim, o filme vai por caminhos evidentemente machistas. Machista como a (esmagadora) maioria dos contos de fadas envolvendo príncipes, princesas, almas gêmeas, etc., de Cinderela a Super Mario World. O homem, de boa índole, se apaixona por uma mulher (bonita como a Jennifer Lawrence, claro), e por essa paixão ser tão forte, afinal de contas ele está diante da mulher mais perfeita que existe, ele comete um erro terrível, mas o faz com a melhor das intenções, não teve como conter o poder do amor se apossando da sua alma. Tudo isso para depois assistirmos ao tradicionalíssimo arco dramático de 99% das comédias românticas americanas sendo seguido à risca, bonitinho, nos mínimos detalhes.

No isolamento em que estavam, não havia nada a fazer a não ser se apaixonarem, por TYLpura falta de algo melhor pra fazer, e o homem supostamente cavalheiro faz todo o papel que se espera de um “homem” durante todo o filme. Ele é um representante do senso comum, que acredita que o slogan pode ser verdadeiro, mas é um bom homem, que se as coisas dessem certo faria uma casa no novo planeta pra que os dois pudessem morar. Em 2017 ainda termos uma relação dessas cumpre um desserviço grande para as mulheres.

Mas o filme possui qualidades, é importante dizer. De fato é uma experiência agradável, divertida de se assistir, o tipo de filme que te pega pela mão e não te solta mais. Pratt e Lawrence, ótimos atores, seguram muito bem o filme com o enorme carisma que possuem, mas o destaque nas atuações sem dúvida é Michael Sheen, que quase rouba o filme. Com a sua inexpressão milimetricamente pensada, cada “conselho”, cada olhar, o tom das suas falas, enfim, os seus comentários cínicos são responsáveis pelos melhores momentos do filme, no melhor desempenho individual do longa.

Colocando tudo na mesa, o saldo final é o desempenho padrão dos feel good movie americanos. Isso pode representar coisas diferentes, dependendo do ponto de vista.