A noite em Manaus estava atípica para o período. Ventilada a tal ponto de fazer o paulistano Paulo Betti trajar uma camiseta de frio. A cantina toca uma moda italiana enquanto ele comenta da expectativa para sua primeira apresentação no Teatro Amazonas, que faz parte de uma mitologia teatral o qual ele compara com o Maracanã.

Betti comenta do apego de Manaus por seu personagem caricato mais recente, o blogueiro Teo Pereia, que não consta em sua Autobiografia Autorizada, espetáculo que o traz a Manaus e que ele tem feito no último ano enquanto aproveita para divulgar “A Fera na Selva”, filme que dirigiu ao lado de Eliane Giardini e Lauro Escorel. O Cine Set conversou com o ator e diretor sobre o filme, política e perspectivas para o futuro.

Cine Set – Você está em processo de finalização do filme “A Fera na Selva” e tem uma ideia diferenciada de distribuição. Como pretende fazê-la?

Paulo Betti – Eu vou dar preferência pra fazer o lançamento do filme em cidades que fui com a peça. Estou aproveitando juntar o teatro com o cinema nesse sentido. Eu aproveito as três sessões da peça, em todas as cidades, fico uma hora antes da peça começar no saguão do teatro com uma prancheta e peço para as pessoas anotarem o nome e o e-mail. Em cada cidade, tenho 200 e-mails, em média. Com essas 200 pessoas interessadas no lançamento do filme, eu vou depois passar o filme nessas cidades primeiro e quero fazer individualmente como uma peça de teatro. Eu venho aqui, coloco no cinema e deixo rodando por um tempo.

Com esses e-mails, vou entrar em contato e recomendar que as pessoas comprem o livro que, quando eu voltar para o lançamento, faço a dedicatória e vai virar uma pequena relíquia. Então, depois de um tempo, mando o roteiro adaptado, e você terá a oportunidade de ver como foi esse processo de adaptação, especialmente o meu processo. Sobre esse processo vou explicar online, onde se poderá ver o meu processo de adaptação, a Eliane Giardini dizendo o que acha da obra, uma fala do Lauro Scorel sobre a fotografia do filme e o Eduardo Escorel sobre a montagem. Guardei 25 minutos de cenas que eu filmei e não entraram na montagem final, que será exibido nesse momento. Dará para perceber qual a minha preocupação quando tava filmando, qual a preocupação do montador.

Eu acredito que é uma forma diferente de divulgar o filme. Eu não tenho ilusões, acho que muita gente não vai ler o livro, vai ter gente que só vai ler o roteiro, ou só ver o filme. Quem sabe não repasse o roteiro para um amigo que tenha interesse na área de literatura, teatro, cinema, ou seja, só curioso sobre como o processo foi desenvolvido? Estou muito confiante com esse projeto. É necessário e a gente está falando de uma obra de arte que tem um potencial muito grande no ponto de vista filosófico/psicológico.

Cine Set – Quais suas expectativas sobre o filme?

Paulo Betti – Estou com uma expectativa quase juvenil com esse trabalho. Talvez seja um dos projetos que eu me entreguei mais no sentido autoral. Me preparei muito e me cerquei de pessoas fortes. Eliane é fortíssima, Lauro Escorel que fotografou Sorocaba e o Eduardo Escorel que montou “Terra em Transe”, também. Considero “A Fera na Selva” um bom filme. Estou confiante!

O personagem que eu faço tem uma questão psicológica de insatisfação. Aquela pessoa que não está legal no presente, pois, acredita que vai fazer uma coisa extraordinária no futuro e não presta atenção no momento presente. O filme também dá um toque sobre isso.

Cine Set – Você e Eliane Giardini já fizeram “A Fera na Selva” no teatro na década de 1990. De que forma essa obra do Henry James marca a sua carreira?

Paulo Betti – No teatro, eu tive uma sorte danada porque eu ganhei o prêmio Shell de melhor intérprete no Rio de Janeiro e eu nem sei se merecia. A Eliane estava muito melhor do que eu, mas não era uma atriz conhecida da televisão. Mas agora no filme, a Eliane está marcante. É gratificante conseguir transformar uma peça de teatro em um filme com todas as etapas. Eu me sinto grato: agora, posso até morrer. (risos)

Cine Set – Você tem uma ligação muito forte com Sorocaba. Como é retratá-la em seus filmes? E como utilizá-la como locação de “A Fera na Selva” trouxe diferenças para a história?

Paulo Betti – Eu pensei o filme em diversos lugares. Podia ser Manaus, já pensou como ia ficar lindo aqui? E teria tudo a ver a fera na selva, o rio. A decisão por Sorocaba foi porque assentou o componente emocional, nós estávamos a flor da pele, filmamos à flor da pele. Tem uma cena no hospital onde eu trabalhei quando adolescente. Tem meus irmãos na tela, meus amigos. Todos que participaram do filme leram “A Fera na Selva”. É muito diferente o conteúdo emocional de se fazer em Sorocaba.

A história se passa em 1980 até os dias de hoje, mais próximos de nós, diferente de James que ambienta em 1920. A história se passa na Europa, mas, agora, vem pra Sorocaba, que oferece certa aparência arquitetônica como a Europa Industrial. A cidade era conhecida como a Manchester Paulista por conta das indústrias têxteis, que foi influenciado pelas empresas europeias.

Cine Set – Você dividiu a direção de “Cafundó” com Clovis Bueno e optou por dividir os créditos de direção de “A Fera na Selva” com Eliane Giardini e o diretor de fotografia, Lauro Escorel. Como funcionou para você a escolha da direção compartilhada?

Paulo Betti – Acho que a isso está ligado ao fato de que não me considero diretor de cinema. Eu dirigi muito teatro e posso dizer tranquilamente que sou diretor de teatro. Também sei dirigir, mas não sou um cara que imagina planos cinematográficos. Eu sou mais um ator, produtor. Vi muitos filmes, gosto muito de cinema, mas a minha primeira, segunda profissão é ator e, depois, diretor de teatro. E quando sou diretor de cinema, eu me sinto muito deficiente em vários aspectos, então eu preciso dividir a direção com pessoas que eu gosto e que tenha harmonia comigo e gostem e enxerguem o projeto como eu. Adoro dividir a direção, mas não é fácil. Significa ouvir a opinião do outro, discordância do que você está fazendo. Você cresce muito!

No “Cafundó”, a direção com Clovis Bueno foi muito conflituosa, porque no set de filmagem é um momento muito rápido. Você passa três, quatro meses se preparando até aquele dia que você começa a filmar e, a partir daí, é ligado um taxímetro e tanto em “Cafundó” quanto em “A Fera Na Selva” eu era o produtor. Então, além de dirigir, atuar, cuidar da parte artística, eu estava assinando cheque, ligando para os investidores, tentando transferir dinheiro para pagar a equipe. Em “A Fera na Selva”, Eliane e Lauro não sabiam que eu ia dar esse crédito pAra eles. Só quando acabou eu disse assim: ‘olha, vocês dirigiram tanto que vocês também são diretores do filme’ e foi bom porque eu tive a oportunidade de conduzir no meu tempo.

Cine Set – Há diferenças entre o Paulo Betti diretor de “Cafundó” e o de “A Fera na Selva”? Como você avalia seu trabalho como diretor nesses dois projetos?

Paulo Betti – Estou mais velho. Eu aprendi muito com “Cafundó” foi uma universidade cinematográfica para mim. É um filme que eu gosto muito. Eu o fiz pra o meu guia espiritual que viveu em Sorocaba, o João Camargo. É uma homenagem e missão. Porque eu tinha que fazer o filme! Tenho a impressão que ele tomou conta da história e falou que eu tinha que fazer a história sobre ele. Me empenhei no filme, briguei por ele, sofri. “Cafundó” mexeu comigo, me chacoalhou.

“A Fera Na Selva” é mais concentrado, um filme menor, menos dispersivo, só eu e a Eliane. Eu amo “Cafundó”, mas “A Fera na Selva” é mais direto. “Cafundó” é meio pirado, enquanto “A Fera na Selva” é monobloco: vai sempre em uma direção, reto na estrada para que o espectador não suma. E isso só foi possível porque eu aprendi com a experiência do “Cafundó”.

Em “Cafundó”, eu falava de um homem bem distante de mim. O personagem que interpretei e dirigi era muito distante de mim, histórica e psicologicamente. Mas, na “A Fera na Selva” sou eu, com todos os requintes de crueldade do personagem. Lamento dizer a mim mesmo que é muito parecido comigo e não gosto. Não queria me ver nele. Isso me deixa muito tenso. Agora não estou mais, mas eu fui obrigado a conviver com o filme como diretor. Eu tinha que escolher os takes para compor a cena junto com o montador e, às vezes, eram mais de seis takes e isso me obrigou a ficar muito próximo do filme, me vendo com defeitos. A gente só vê como se fossem vizinhos, como se fossem só os traços de alguém, mas ali era eu. Mas, agora, estou pensando em outras coisas, na mixagem de som, no trailer.

Cine Set –  Qual a diferença entre atuar e estar na direção de um longa-metragem? Qual o maior desafio na direção?

Paulo Betti – Atuar é uma delícia: você fica no trailer ou na sala do camarim, confortável, tranqüilo. Se chover e cancelar, ok, você retorna pra o hotel. Quando você está dirigindo, não. Você tem que estar consciente do plano de filmagem, da agenda do ator, se no outro dia ele vai estar disponível para gravar. É muito mais tenso. Mas, eu acho que apesar de não me considerar diretor cinematográfico, tenho capacidade de aglutinar, de colocar as pessoas para trabalharem juntas de forma harmoniosa. Acho que sou bom nisso, de convencer as pessoas, de transmitir o sentimento do filme para as pessoas. Puxá-las para dentro do projeto.

Cine Set –  Quais seus projetos após “A Fera na Selva”? Pretende alavancar a carreira como diretor?

Paulo Betti – Meu único projeto vai ser lançar o filme. Não tenho o menor interesse em alavancar a carreira como diretor, é muito sacrificante.  Quero atuar, ser ator. O Marcel Aquino diz que quando descem os letreiros, na realidade sobem os créditos. É muito sacrifício fazer cinema, mas vamos ver se depois eu vou continuar com esse discurso. Eu tenho até três roteiros prontos de longas, mas não sei se quero fazer.

Cine Set –  “Chatô, o Rei do Brasil” é um dos filmes mais polêmicos produzidos no país. Como foi a experiência de participar do filme? De que forma a demora da produção afetou a sua vida?

Paulo Betti – Afetou muito. Eu raspei a frente do cabelo para fazer o Getúlio Vargas um pouco calvo e eu tive que ficar assim durante dois anos. Porque o filme parou a primeira vez e eu entrei numa novela e não tinha como mudar o cabelo. Tive que colocar uma peruca e isso me obrigou a ir raspando para manter a aparência e você não pode usar peruca com o cabelo nascendo. Então, eu passei os dois anos com uma aparência indígena. Depois, o filme ficou insepulto. Todo mundo dizia que não existia, mas viram que o filme era bom e assim foi a trajetória do Chatô. Eu amei participar e interpretei um papel que fecha, para mim, um triângulo político, ao lado de Mauá e Lamarca. Um tripé interessante. Acho que fiz Getúlio de uma forma arriscada, com sotaque gaúcho forte, mas o filme tem um tom farsesco, tropicalista.

Como você avalia o panorama do cinema brasileiro hoje, que se torna cada vez mais descentralizado?

Paulo Betti – Eu acho que nós produzimos bastante, mas há uma indefinição muito forte do ponto de vista político do que acontecerá com o cinema nacional, diante do desmanche que houve no MinC. O que vai acabar afetando a Ancine e a produção cinematográfica, consequentemente. Mas, por enquanto, temos uma produção em larga escala, diversificada, boa, mas que não consegue lugar no circuito comercial. Acho que deveria haver uma lei que proteja, incentive a passar os filmes nos cinemas comerciais.

Conhece algo da produção cinematográfica amazonense?

Paulo Betti – Já ouvi falar de “Antes o Tempo Não Acabava”. Mas sei muito pouco do que acontece aqui, com exceção de Milton Hatoum, “Dois Irmãos”, Márcio Souza, Malvino Salvador. Mas sei muito pouco sobre o cinema no Amazonas.