Há quem diga que um grande diretor consegue transitar entre gêneros sem perder as características que tornam seu cinema marcante. Temos alguns exemplares, como Stanley Kubrick, Guillermo del Toro e Robert Wise, que confirmam essa teoria. “Pequena Grande Vida”, novo filme de Alexander Payne exibido no Festival de Londres deste ano, é a primeira incursão do americano na ficção científica depois de uma carreira consolidada em dramédias e poderia lhe valer uma ida para o mencionado rol não fosse um único detalhe: a última coisa em que ele está interessado é na parte sci-fi de sua história.

O longa, escrito no hiato entre “Sideways – Entre Umas e Outras” e “Os Descendentes” mas só rodado agora, foca em Paul Safranek (Matt Damon), um terapeuta ocupacional que topa passar por um procedimento que o diminui de tamanho, atraído pelo baixo custo de vida possibilitado pela mudança. Uma vez pequeno, ele se envolve em uma série de aventuras com figuras excêntricas da comunidade de pessoas reduzidas.

Paul é um clássico protagonista de Payne: um homem de meia-idade que está em plena crise e em busca de uma saída. Damon, que já mostrou seu talento em interpretar pessoas comuns e comunicar emoções internas sem dizer palavra, lida muito bem com o humor do texto e serve como nosso par de olhos para essa realidade estranha de pessoas reduzidas.

Como em “Ela”, o elemento futurístico serve como pano de fundo para que questões humanas sejam desdobradas. Uma das que mais me chamaram a atenção foi a transformação e comercialização da ideia da redução humana. Criada num instituto norueguês como uma solução para o problema da superpopulação no planeta e do exaurimento dos recursos naturais disponíveis, ela se torna um negócio ao ser oferecida como uma forma de redução de gastos, uma vez que pessoas menores vivem em áreas menores e consomem produtores menores.

Há vários, como Sufranek, que resolva se diminuir por conta da questão econômica. Há quem opta pelo procedimento como uma forma de recomeçar a vida, como o personagem interpretado por Jason Sudeikis em uma ponta no início do filme. Há quem veja a comunidade pequena como uma mina de oportunidades, como Dusan Mirkovic (Christoph Waltz), um playboy canastrão que vive da venda de produtos de luxo reduzidos. E há quem não pediu para passar pelo processo, como Ngoc Lan Tran (Hong Chau), uma ativista vietnamita que foi reduzida à força por seu governo e que entrou clandestinamente na comunidade americana.

Eventualmente, um cataclisma provoca o encontro dos protagonistas e os inventores do processo e coloca diante de Sufranek a maior questão de sua vida. No ínterim, Payne é muito habilidoso em manejar um roteiro para lá de maluco, que, diferentemente de seus personagens, aumenta em perspectiva, tornando questões pessoais cada vez mais universais, até englobar a humanidade inteira. O resultado é uma história imprevisível e irreverente, que não se torna maçante durante os 135 minutos de projeção. Pegando leve nos aspectos mais científicos de sua premissa, “Pequena Grande Vida” é, em essência, um filme sobre a busca de um propósito e do que os seres humanos podem fazer em prol de si mesmos enquanto indivíduos e enquanto espécie – e que ainda faz rir! Um triunfo nada pequeno.