Exibido durante a III Mostra do Cinema Amazonense, o curta documentário “Personas” funciona enquanto fragmento. O filme, dirigido por Daniella Coriolano e Romulo Souza como Trabalho de Conclusão de Curso, não dimensiona a importância do artista plástico Otoni Mesquita, personagem que acompanhamos ao longo da obra, uma vez que o foco é, nesse caso, o trabalho com personas em performance. Ao focar no processo criativo e visão de mundo dele, porém, traz um senso de proximidade adequado à proposta, na qual o distanciamento e objetividade não seriam tão impactantes com a figura magnética do artista.

Em termos visuais, destaca-se que Coriolano e Souza conseguem resistir aos vícios da imagem de produções audiovisuais jornalísticas mais tradicionais – armadilha essa que eles facilmente poderiam cair por produzirem no contexto de um curso de comunicação, com prazo e pressões de TCC. As curtas, mas eficientes sequências de movimentos de câmera mais fluidos seguindo Otoni de maneira quase fantasmagórica pela cidade provam isso.

Uma bela confusão

Detalhes como esse criam uma atmosfera poética a um personagem que vivencia a cidade de forma peculiar, outra faceta do personagem que fica nas entrelinhas, mas que por si só já dariam outro filme. O casamento de música e imagem nos trechos de performance, no entanto, são mais impactantes ao espectador; apesar de não serem especialmente originais, a estranheza das formas e dinâmicas resultam nos momentos mais belos do curta.

Nesses trechos, os tons terrosos que caracterizam tantas das obras de Otoni invadem a tela e criam uma bela confusão entre o suporte mais tradicional da tela, a performance que o artista apresenta e a sensação da “imagem do real” trazida pela câmera. A montagem, que ora dá tempo às amplas e lentas movimentações da apresentação, e ora entrecorta-se em ritmo de videoclipe para dar conta do trabalho braçal que envolveu a exposição “Palavras que nunca falei”, mostra-se outra decisão acertada de Coriolano e Souza, que conseguem manter um ritmo no filme de maneira a reforçar o interesse de quem o assiste. Nessa sequência, que deveria ser o ápice do filme, a profusão de outras belas imagens acaba tirando o impacto do que seria o momento em que vemos uma das personas (enquanto obra de Otoni, não enquanto ambiguidade entre o que o título e o personagem do documentário traz) em ação.

Para além do visual, os offs que marcam “Personas” demonstram também bom domínio dos jovens diretores em destacar os pontos essenciais que, em pouco mais de 15 minutos, deem conta de entender como Otoni funciona enquanto artista. Com edição precisa, as asserções mostram as contrariedades e complementações de quem ele é enquanto personagem: romântico, poético, afeito a processos livres e ressignificações, mas também preciso e conhecedor de seu campo de atuação – o que demanda técnica, leitura, trabalho.

Cuidado que quase faz esquecer lacunas

“Personas” demonstra claramente o cuidado na sua construção, assim como dá conta de criar um senso de imersão gratificante ao espectador. Essas duas características tornam menor o fardo de que tão pouco se vê das demais obras de Otoni Mesquita, de importância ímpar para o Amazonas e grande variedade, além de sua relevância também na formação de outros artistas enquanto professor de Artes Visuais na Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

Não temos, por exemplo, depoimentos das artistas com quem Otoni trabalha na exposição “Palavras que nunca falei”. Não vemos muitas de suas obras, nem em imagens de arquivo – para além do álbum de desenhos de infância, não há muito de sua vasta produção para se ver no filme. Também não vemos tanto de sua verdadeira obsessão pela cidade, seja registrando-a, seja nos passeios que lidera eventualmente para falar de história e arquitetura enquanto guia grupos em trajetos por locais como o Centro. Também não vemos sua exigente persona (olha o trocadilho aí) como professor no curso de Artes Visuais. Longe de ser um problema, porém, “Personas” termina e temos mais vontade de ver uma versão estendida dele, e menos de reclamar de que foi um filme no qual falta tanta coisa – mérito de sua construção responsável e sensível.