Já se vão três anos de Operação Lava-Jato e a classe política brasileira quase toda teve podres descobertos. Diversos tipos de esquemas de corrupção e caixa-dois foram revelados. PT, PSDB, PMDB, PSB, PP, PCdoB, partidos de esquerda, centro e direita, Lula, Aécio, Dilma, Alckmin, Sarney, Calheiros, Temer, Cunha, Cabral estão envolvidos em maior ou menor escala.

Precisa ser muito ingênuo para achar que a política está dividida entre o bem e o mal. Em uma comparação com o universo pop, o cenário está mais para “Game of Thrones” do que “O Senhor dos Aneis”. Mesmo assim, há ainda aqueles que apostem nesta polarização patética e “Polícia Federal – A Lei é Para Todos” vem para endossar este pensamento.

A cena decisiva para entender as pretensões do filme começa no chão. Após o esquema criminoso envolvendo Petrobras e empreiteiras começar a ser desvendado pelos agentes responsáveis da Operação Lava Jato, o delegado interpretado por Antonio Calloni indaga o público sobre quem teria colocado o jabuti na árvore, ou seja, quem permitia todo aqueles crimes acontecerem. Eis que surgem, em close, pequenos santinhos de Dilma Rousseff espalhados no chão de um parque, indicando que ela vencera a eleição presidencial de 2014 e a corrupção seguiria em frente.

Neste plano, a ideia era associar a Dilma e, consequentemente, ao PT a roubalheira instalada na Petrobras descoberta. Tal sacada crítica por parte do diretor Marcelo Antunez até faz sentido, afinal, muitos dos criminosos responsáveis pelo ataque a maior estatal do Brasil foram indicados por petistas. Porém, na mesma cena, ao lado dos santinhos de Dilma estavam também imagens de Aécio Neves, político mais enrolado do PSDB na Lava Jato. Em relação ao tucano, entretanto, nenhum traço de criticidade, ironia, um jabuti, nada.

Tal fato é estranho, pois contradiz a introdução de “Polícia Federal – A Lei é Para Todos”: um filme ambientado entre 1500 e os dias atuais para mostrar a corrupção e o maior trabalho de combate a ela no país. Se você se coloca na missão de retratar algo tão complexo e delicado, o que se espera é uma abordagem lúcida e séria dos fatos. O que se vê, entretanto, é uma produção tendo como principal intuito criar uma luta do bem contra o mal, atribuindo quase que exclusivamente ao PT e, especialmente, ao ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva este segundo papel.

Verdade seja dita que o filme demora cerca de 45 minutos para escancarar as suas reais intenções. O roteiro da dupla Thomas Stavros e Gustavo Lipsztein se mostra eficiente ao retratar como a apreensão de um caminhão na rodovia Washington Luís, em São Paulo, desencadeou no escândalo político atual. As ligações entre o doleiro Alberto Youssef com o ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, e toda a teia para chegar até os políticos em Brasília são apresentadas de forma didática, mas, sem simplificar demais a ponto de tornar o espectador um imbecil.

A direção de Marcelo Antunez (dos desastres “Qualquer Gato Vira-Lata 2” e “Um Suburbano Sorturdo”), inspirada nos thrillers de Hollywood com uma câmera levemente trêmula, contribui para a tensão constante, assim como o bom trabalho da montagem responsável por dar o ritmo dinâmico ao filme. Além disso, o apoio da Polícia Federal traz desde histórias curiosas dos bastidores da operação como a impressionante carga de presentes levadas por advogados dos presos à sede do órgão em Curitiba até a utilização de aviões, carros e espaços da PF, o que torna extremamente crível tudo o que vemos.

Impressionante, porém, como o filme vai ladeira abaixo quando entra na parte política ao adotar a linha maniqueísta e colocar Lula como o principal vilão da história. O primeiro ponto questionável faz referência ao recorte da metade final da trama em focar no ex-presidente. A Lava Jato teve como momentos fundamentais a prisão histórica de um importante senador e então líder do governo Dilma, Delcídio do Amaral. A PF também investigou até levar à cadeia o ex-presidente da Câmara dos Deputados, figura central do PMDB e do processo de impeachment, Eduardo Cunha. Teve também as investigações contra os ex-presidentes Fernando Collor de Mello e José Sarney, além da operação realizada no Senado Federal contra Renan Calheiros, então presidente da Casa, para não falar do ocorrido no Rio de Janeiro com o ex-governador Sérgio Cabral.

Tudo isso é resumido em uma cena com 10 a 15 segundos de duração para se concentrar logo na busca a Lula. Será que estes casos com pessoas poderosas presas não seriam interessantes suficientes para também estarem presentes ou ganharem um pouco mais de destaque em cena? Não daria uma dimensão ainda mais abrangente do trabalho da equipe da PF?

Essa luta do bem contra o mal fica ainda mais clara na construção dos personagens. Interpretado por Marcelo Serrado, o juiz Sérgio Moro é um símbolo da nobreza: pai preocupado sobre o filho dormir fora de casa a marido dedicado, professor universitário e um juiz sempre com o semblante sério prestes a tomar uma decisão importante. Sempre bem vestidos, os policiais federais são retratados como figuras corajosas, destemidas, lúcidas, inteligentes e dispostas a tudo pelo cumprimento da lei. Contribui muito a presença de um ator com tamanha credibilidade e talento como Antônio Calloni para realçar este aspecto de heróis dos agentes da PF. Por outro lado, temos um Lula desequilibrado, desbocado, arrogante, xingando servidores públicos durante o depoimento, defendendo o caos no país, ou seja, um vilão típico dos piores policiais de Hollywood. A atuação de Ary Fontoura apela mesmo para todos os clichês do tipo e, se a proposta exigida pela equipe de “Polícia Federal – A Lei é Para Todos” era construir uma figura malvada pura e simples, ele consegue com êxitos.

O filme incorpora este pensamento maniqueísta a tal modo que, até mesmo pontos polêmicos são endossados pelo diretor e roteiristas sem qualquer tipo de questionamento. O cumprimento de um mandado de prisão contra Alberto Youssef, doleiro mais conhecido do país como o próprio filme salienta, por exemplo, é feito por uma pequena equipe da PF, em comparação ao time que vai em direção ao apartamento de Lula para a execução de uma condução coercitiva. Interessante que o grupo de policiais rumo à casa do ex-presidente surge com um aparato de guerra (armas e os capacetes dos agentes são mostrados com detalhes como se estivéssemos vendo a busca a John Doe de “Seven”). Mesmo assim, quando a comitiva chega ao Aeroporto de Congonhas, a população quase invade o local do depoimento por uma falta de policiamento mais ostensivo.

Outro ponto é a a divulgação do áudio da conversa entre Lula e Dilma feita por Sérgio Moro. Obtida fora da hora da autorização judicial (situação exposta no filme) e sem passar pelo aval do Supremo Tribunal Federal como manda a Constituição por envolver um presidente da República em exercício (situação não exposta no filme), o fato não é colocado em xeque ou, pelo menos, questionado pelo filme. Pelo contrário, a situação é vista como uma vitória, pois, segundo afirma o personagem de Calloni, o povo apoiava as investigações. Uma contradição absurda para um projeto que defende que a lei seja igual para todos, mas, quando conveniente, vale burlá-la em prol de um ‘bem maior’.

As falas escolhidas para serem exibidas durante os créditos finais voltam à questão de centrar tudo nas costas do PT. Por que a fala do deputado federal petista, Lindberg Farias, desqualificando os agentes públicos da Lava-Jato, os heróis das duas horas anteriores, em vez da fala do senador do PMDB, Romero Jucá, sobre estancar a sangria provocada pela turma de Sérgio Moro? Ou falas de Renan Calheiros também contra as ações da Polícia Federal? Ainda há uma fala de Paulo Roberto Costa ao dizer que temia ser morto evocando o assassinato do ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel, uma clara provocação ao Partido dos Trabalhadores.

Nem mesmo o momento Marvel de cena pós-créditos em que o caso do ex-assessor direto de Michel Temer, Rodrigo Rocha Loures, é citado rapidamente ameniza muito o fato de “Polícia Federal – A Lei é Para Todos” colocar toda culpa nas costas de um único partido. Afinal de contas, a produção do filme ainda não revelou quem são os financiadores do projeto. Logo, quem garante que haverá mesmo o segundo filme? Os investidores estariam dispostos a bancar um projeto disposto a focar nos crimes cometidos por Temer e a turma do PMDB ou de Aécio Neves?

Dizer tudo isto, não significa estar do lado ou defender a inocência de Lula, Dilma e do PT, os quais cometerem MUITOS erros ao longo dos anos, merecendo grande parte das críticas sofridas. A descrença generalizada no sistema político do Brasil é o preço pago pela decepção gerada por eles.

Dizer tudo isto, não significa desvalorizar o trabalho excelente da Polícia Federal e dos agentes responsáveis pela Operação Lava-Jato. Nunca antes na história deste país tantos nomes que jamais imaginávamos ver um dia atrás das grades (Sérgio Cabral, Eduardo Cunha, Marcelo Odebrecht, etc) iriam estar na cadeia. O mesmo vale para o juiz Sérgio Moro, apesar dos deslizes graves já citados.

Dizer tudo isto, significa defender que uma obra com o intuito de contar a história de algo tão importante para o país não pode ter uma visão tão maniqueísta e até ingênua dos fatos. Estas simplificações somente servem para acirrar ânimos, quebrar diálogos, transformar questões complexas em debates pobres e gerar desinformação nas pessoas. Algo visto de forma tão frequente na mídia (seja de direita como o Estadão ou de esquerda como a atual Mídia Ninja) quanto nas redes sociais.

O único que sai ganhando neste tipo de cenário é quem defende o caos.